O agro é tóxico e não poupa ninguém

Pessoa despeja agrotóxicos em plantação (Reprodução/Freepik)

30 de abril de 2024

14:04

Lucas Ferrante – Especial para Agência Cenarium**

O Brasil está se distanciando das tendências globais em relação ao uso de agrotóxicos. Enquanto países como os Estados Unidos e grande parte da Europa promovem a redução progressiva dos agrotóxicos, o Senado e o Congresso brasileiro têm buscado aprovar medidas que ampliam a utilização de substâncias nocivas na agricultura. Durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro (2018-2022), mais de 2.182 novos pesticidas foram autorizados no País, muitos dos quais são proibidos em outras nações. Este período também foi marcado por um projeto de desmonte das políticas ambientais e indigenistas, que ficou conhecido como “agenda da morte”. Esta agenda visava uma promoção massiva do agronegócio em detrimento dos biomas brasileiros e dos povos tradicionais. Entre os principais itens desta agenda estavam a liberação de agrotóxicos, fragilização da legislação ambiental e indigenista, o que ficou escancarado com a fala “hora de passar a boiada” do ruralista ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles.

Com a troca de governo, havia uma esperança de mudança deste padrão antiambiental, tema abordado em periódicos científicos renomados como Environmental Conservation e Nature Human Behaviour, são exemplos de publicações científicas que apontaram uma tendência de melhora nas políticas ambientais do Brasil no início do Governo Lula. Infelizmente, estes apontamentos duraram pouco; o governo do presidente Lula também tem atuado na mesma tendência do governo anterior, embora houvesse expectativas de um governo mais alinhado às questões ambientais e de saúde pública, tanto por parte de eleitores quanto de pesquisadores. No ano passado, Lula sancionou com vetos uma lei que acelera registro de agrotóxicos no Brasil. Seguindo o ritmo de Bolsonaro, no primeiro ano do Governo Lula foram liberados mais de 500 novos agrotóxicos.

Em estudo recente desenvolvidos na Fazenda Experimental da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e publicado pela revista científica Acta Amazônica, foi demonstrado como as aplicações de herbicidas como glifosato, comercialmente conhecido como Roundup, além de herbicidas como Select 240 EC e Disparo, têm afetado a fauna Amazônica. Os resultados do estudo ainda apontam para a extinção local de algumas espécies de rãs e o aparecimento de mutações genéticas em outras, como má formação de membros e olhos.

Pessoa exibe frutos colhitos em plantação (Eduardo Tavares/Revista do Brasil 109)

O uso de agrotóxicos não tem afetado apenas animais, mas tem sido utilizado por pecuaristas como ferramenta de desmate. Na última semana, vimos a denúncia de um pecuarista, Claudecy Oliveira Lemes, que é dono da Fazenda Monique Vale, fornecedora de duas unidades do frigorífico no Mato Grosso, utilizar agrotóxicos altamente tóxicos para desmatar uma área de 81,2 mil hectares em 11 propriedades situadas no município de Barão de Melgaço (MT), no bioma Pantanal. Esse ato devastador foi realizado por meio da pulverização aérea de 25 tipos de agrotóxicos, sendo descrito pelas autoridades estaduais como o maior dano ambiental já registrado na região. Lemes é dono da Fazenda Monique Vale, que está situada em Pedra Preta (MT), a uma distância de 232 km do local onde ocorreu o desmatamento químico. No decorrer do ano passado, a fazenda enviou gado para ser abatido nas instalações da JBS em Barra do Garças e Pedra Preta (MT), conforme informações contidas nas Guias de Trânsito Animal (GTAs). Preocupantemente, esta pode se tornar uma cena frequente no Pantanal se a Lei 11.861/22, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, que permite a pecuária nas “Áreas de Preservação Permanente” (APPs) e “Reservas Legais” (RLs), bem como nas demais áreas do Pantanal destinadas à conservação permanente, for mantida. A decisão da revogação desta lei, assim como o destino do Pantanal, estão nas mãos do desembargador Márcio Vital, como já apontado aqui na CENARIUM.

Essa investida do agro contra os biomas brasileiros e sua biodiversidade, e com respaldo do Legislativo, demandam ações internacionais, como cobram publicações nos periódicos científicos Science e Nature. Como apontado pela Science, caso a Lei 11.861/22 não seja revogada, é crucial que países que importam carne ou animais vivos do Brasil, cuja origem seja o Pantanal, revejam estas importações. No periódico Nature, também foi apontada a necessidade de sanções econômicas a commodities brasileiras que têm gerado novos ciclos de desmatamento na Amazônia. Além das liberações massivas de agrotóxicos, assim como o Governo Bolsonaro, o Governo Lula tem instituído uma política de grandes projetos que abrem os biomas brasileiros ao agro, como a Ferrogrão, que liga o Estado do Mato Grosso ao Estado do Pará, impactando diversas terras indígenas e unidades de conservação, e a Rodovia BR-319, que liga Porto Velho, Estado de Rondônia, no famigerado “arco do desmatamento”, até Manaus, na Amazônia Central ainda intocada. Estes grandes empreendimentos trazem consigo uma horda de agentes do desmatamento, como madeireiros ilegais e grileiros de terras, como demonstrou um estudo publicado em 2021 no periódico Land Use Policy. Preocupantemente, tem crescido anúncios de investimentos ligados ao agro na Amazônia Central, anunciando retornos de até 20% no prazo de um ano, mas sem expor claramente quais são os empreendimentos e suas áreas de instalação.

É importante que também entendamos que o agronegócio brasileiro financia campanhas de pelo menos três grandes bancadas no Congresso para viabilizar seus projetos: a bancada do Boi, da Bala e da Bíblia. A união deste “BBB” tem pautado pelas políticas de liberações de agrotóxicos e enfraquecimento da legislação ambiental e indigenista, da liberação de armas de fogo e dos CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores), que têm armado grileiros de terras em todos os Estados e biomas do Brasil, mas principalmente na Amazônia. Precisamos lembrar, ainda, que ruralistas financiaram os acampamentos golpistas nas portas dos quartéis e a invasão a Brasília em 8 de janeiro de 2024. Os CACs também foram convocados para as invasões de 8 de janeiro. É crucial que reflitamos, o agro não é “pop”, o agro não é “tec”, o agro é veneno, o agro é desmatamento e o agro não poupa ninguém!

(*) Lucas Ferrante é biólogo e pesquisador, mestre e doutor em biologia e ecologia, coordenou a publicação no periódico científico Science, apontando a inviabilidade e ilegalidade da Lei 11.861/22 e autor da denúncia no Ministério Público requisitando a revogação da lei. Atualmente, é o pesquisador brasileiro que concentra o maior número de publicações nos periódicos Science e Nature, os dois maiores e mais importantes periódicos científico do mundo.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.