23 de março de 2023
20:03
Mencius Melo – Da Agência Amazônia
MANAUS – Narrar ou contar histórias da Amazônia por quem vive na Amazônia. Esse é o cerne do aplicativo “Casa de Mensagens”, desenvolvido por organizações da Amazônia Legal, como a Cojovem, o Comitê Chico Mendes, o Instituto Mapinguari e o Observatório do Marajó, em parceria com a Agência Purpose Brasil. O aplicativo está previsto para ir ao ar, em breve, mas, quem quiser conhecer o projeto e se ambientar pode acessar o site.
As ilustrações do projeto “Casa de Mensagens” foram desenvolvidas por artistas da Região Amazônica, entre eles, Henrique de Almeida, do Acre; Gil Reis e Thai Rodrigues, do Amapá; Irena Freitas, do Amazonas; Fred Hildebrand, do Mato Grosso; Renata Segtowick, do Pará; Winny Tapajós, do Tocantins; e Jailson Belfort, do Maranhão. Os vídeos para redes sociais têm narração feita pela Maré Cheia, de Belém do Pará.
De acordo com Nara Perobelli, da Agência Purpose Brasil, um dos objetivos do projeto é informar com segurança. “O projeto não tem a pretensão de abranger toda a complexidade do assunto, mas sim, contribuir para a visibilidade da perspectiva amazônica sobre seu próprio território, além de ser um importante recurso para refutar e combater narrativas de desinformação a respeito das temáticas políticas, de memória e construção histórica”, adiantou.
Preconceito
Em entrevista à REVISTA CENARIUM, a gerente de estratégia da Purpose, Ana Clara Toledo, comentou: “Desde a invasão europeia, a história contada sobre a Amazônia foi de exploração e preconceito. O colonialismo e a política destrutiva, que se impôs sobre ela, criou uma relação conflituosa do restante do Brasil com a Amazônia, que é pautada pelo distanciamento e pela desinformação. Talvez uma das primeiras coisas que a gente conheça sobre a história da região seja a abertura de estradas, na ditadura militar, como a Transamazônica”, analisou.
“Essa é uma narrativa que se apoia na ideia de um Brasil ‘descoberto’ que tem como destino inevitável o progresso civilizatório, e que defende o direito de colonizar e matar em nome do desenvolvimento econômico”, criticou. Ana Clara abordou o imaginário sobre a região. “A gente ouve histórias desse ‘grande tesouro’ brasileiro, que falam de uma floresta mística, exuberante e misteriosa, que foi descoberta por corajosos desbravadores europeus. Uma narrativa que objetifica a natureza, ‘exotifica’ os povos da floresta e romantiza o ideal de conquista”, observou.
Ana completou: “Ao ouvir outras vozes, de quem está nos territórios, temos a oportunidade de conhecer outras histórias de uma Amazônia que é plural (ou de muitas Amazônias, como gostamos de dizer). Como é dito na primeira mensagem da Casa de Mensagens, a Amazônia nunca foi um território desocupado. Longe da ideia de escassez e atraso, indígenas, ribeirinhos, caboclos e outros agentes históricos criaram uma cultura com características singulares. Ainda existe um muro invisível que separa a floresta do restante do Brasil, mas ouvindo seus povos é possível recontar essa história”, ponderou.
Identidade
Para Hannah Balieiro, do Instituto Mapinguari, do Amapá, o projeto possui um perfil identitário. “Nosso objetivo foi construir, juntos, mensagens que abordam os pontos-chave sobre a proteção, defesa e preservação da Amazônia, para que as pessoas que aqui vivem se sintam retratadas e incluídas. Isso é fundamental para que possamos inspirar, engajar e, até mesmo, educar as pessoas em defesa da Amazônia e seus povos”, destacou.
Já para Mariane Castro, do Observatório do Marajó do Pará, é importante dar visibilidade. “Mesmo para quem vive na Amazônia marajoara, ainda é incomum se reconhecer como parte. Até mesmo a memória dos povos originários é pouco visível. Isso faz com que a criação de espaços com narrativas locais seja uma ferramenta de fortalecimento e uma maneira de diminuir a distância que separa quem vive e é a Amazônia, dos que lutam e defendem a Amazônia, hoje. Fazer todos estarem sob o mesmo teto foi o que nos moveu a recontar o que é essa casa e como somos parte importante da sua preservação”, observou.
Nara Perobelli destacou que é preciso descolonizar a visão sobre a região. “Ainda existem muitas histórias distorcidas sobre a Amazônia, a partir de uma perspectiva colonizadora que construiu, sistematicamente, um imaginário de que esse território é apenas um lugar abandonado e pronto para ser explorado. Temos o desafio de refutar e combater todas as narrativas que desmatam e devastam essa grande casa e aqueles que vivem nela. Resgatar a memória da Amazônia é contar a verdadeira história do Brasil”, sentenciou.
Imóvel
Para aqueles que desejam visitar e “tomar um cafezinho” nessa autêntica casa de caboclos, basta entrar pela porta da frente. O projeto é dividido em “varanda”, onde é possível “conversar” sobre “resgatar a memória dos povos”. Já no “interior” da casa, a narrativa é “sobre construir políticas de coexistência” e, no quintal, a conversa é “sobre reintegrar tecnologias ancestrais”.