Após morte de botos, pesquisadores alertam para risco a humanos em crise climática

Boto morto em lago no município de Tefé, interior do Amazonas (André Kumark/Instituto Mamirauá)

03 de outubro de 2023

14:10

Yana Lima – Da Agência Amazônia

MANAUS (AM) – A crise climática que assola o País tem deixado um rastro de devastação na fauna e flora, e pesquisadores consultados pela AGÊNCIA AMAZÔNIA apontam que os humanos já são as novas vítimas, tanto nas zonas rurais quanto nas regiões urbanas. A morte de cinco pessoas pelo calor excessivo, em São Paulo, e a passagem de um ciclone no Rio Grande do Sul, mostram como as mudanças climáticas representam riscos iminentes para a população.

Como consequência desta crise climática está a “onda de calor” que atinge o País desde o início de setembro. Cidades como Manaus, capital do Amazonas, bateram recordes de temperatura: no dia 2 de setembro, os termômetros da capital amazonense chegaram a 37,8 °C, com sensação térmica de 43 °C. A explicação para o aumento da temperatura, assim como para o ciclone no Sul do País, é o fenômeno El Niño, uma consequência das mudanças climáticas.

Termômetro mostra temperatura em Manaus, capital do Amazonas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

A pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), bióloga Sandra de Souza Hacon explica que as altas temperaturas e as ondas de calor podem causar um estresse térmico, quando o corpo humano não consegue dissipar a temperatura de maneira eficiente, levando a um desequilíbrio nas funções fisiológicas. Isso pode ser particularmente perigoso para pessoas com comorbidades, como diabetes e problemas cardíacos, além de idosos e crianças.

Um indivíduo saudável pode não apresentar sintomas clínicos, mas as pessoas mais vulneráveis podem sofrer uma série de efeitos adversos e, em casos graves, um estresse térmico que pode levar à síncope“, detalhou a pesquisadora. Em São Paulo, além dos óbitos, a capital registrou o dobro de atendimentos ambulatoriais e internações causadas pela exposição ao calor, de janeiro a julho, na comparação com o mesmo período de 2022.

Seca deixa em alerta

Se para a população urbana as ondas de calor são um fator de alerta, nas comunidades ribeirinhas da Amazônia outro risco vem das águas. Um paradoxo no qual a principal fonte de vida pode representar um risco de morte. O pesquisador em Saúde Pública Felipe Naveca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), destaca que a crise climática abre caminho para uma série de ameaças à saúde dos ribeirinhos.

Tudo o que a gente faz, que afeta o meio ambiente, pode nos trazer problemas graves e afetar o ecossistema que estava em equilíbrio”, pontuou.

Peixe morto no Lago do Piranha, em Manacapuru, interior do Amazonas (Ricardo Oliveira/29.set.23/Revista Cenarium Amazônia)

Estados como o Amazonas e o Acre, ambos da Amazônia, têm enfrentado uma estiagem que promete bater recordes. No primeiro, falta apenas 1,66 metro para o Rio Negro bater o nível histórico de seca. A estiagem severa fez com que o Estado decretasse emergência em 55 municípios. No segundo Estado, a capital, Rio Branco, entrou em emergência após o nível do Rio Acre marcar 1,41 metro na cidade.

Naveca explica que as alterações nos ecossistemas podem aumentar o contato humano com vetores, como insetos transmissores de doenças como a malária. Já a escassez de água também pode levar à concentração de patógenos, aumentando as chances de doenças transmitidas pela água, como hepatites virais (hepatite A e E) e infecções bacterianas, como a leptospirose.

O pesquisador mencionou ainda a ameaça do rotavírus, causador da diarreia. Estes agentes podem se espalhar mais facilmente em populações já debilitadas pela falta de alimentação adequada e as condições representam riscos que podem levar à morte. Há, ainda, o perigo do surgimento de novas doenças.

Além disso, a crise climática pode criar condições propícias para o surgimento de novas doenças e aumentar a ocorrência de doenças raras, que não seriam tão prevalentes em um ambiente equilibrado“, pontua Felipe Naveca.

Peixes mortos no Lago do Piranha, em Manacapuru, viram alimentos para ribeirinhos (Ricardo Oliveira/29.set.23/Revista Cenarium Amazônia)
Animais são vítimas

Direto da região do Médio Solimões, em Tefé (a 523 quilômetros de Manaus), o pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Ayan Fleischmann, faz parte da ação emergencial para salvar botos no município. Mais de 100 animais, entre botos vermelhos e tucuxis, morreram entre 23 e 29 de setembro deste ano. A suspeita é o aumento do calor na água, já que resultados prévios apontam que a temperatura, em alguns pontos, ultrapassou 39°C (Graus Celsius), nível preocupante para ecossistemas aquáticos.

Fleischmann explica que a degradação das carcaças de animais contamina a água, o que deixa a população local sem água potável para plantar e sem poder pescar para comer. “Não sabemos ainda se há algum patógeno, algum problema, alguma contaminação na água, que tenha causado essa mortandade. Estamos investigando isso”, pontua.

Carcaças de botos mortos contaminam Lago Tefé (André Kumark/Instituto Mamirauá)

O instituto está monitorando a qualidade das águas do lago, incluindo a medição da temperatura, qualidade da água e batimetria (profundidade) em trechos críticos. Amostras de água estão sendo enviadas para São Paulo e Rio de Janeiro para identificar possíveis contaminantes e toxinas.

Estamos acompanhando diariamente a qualidade da água aqui do Lago Tefé e do Médio Solimões para poder informar toda essa cadeia de agentes e instituições que estão se estruturando para lidar com essa crise”, destaca Fleischmann.

Além de Tefé, moradores do Lago do Piranha, no Rio Paranã Campinas, no município de Manacapuru (a 68 quilômetros da capital), relatam que a mortandade de peixes causada pela seca dos rios tornou a água que abastece a comunidade imprópria para consumo.

Crise alimentar

A falta de chuvas e a redução dos níveis dos rios dificultam a agricultura e a pesca, deixando muitas famílias sem a fonte de alimentação básica. Além disso, o transporte de alimentos para as áreas remotas se torna um desafio durante a estiagem, uma vez que as comunidades dependem do meio fluvial como principal meio de transporte.

Instituições filantrópicas distribuem cestas básicas para ribeirinhos de Autaz-Mirim (Divulgação/Voluntários da Alegria do Amazonas)

De acordo com o Boletim Estiagem emitido pelo Governo do Estado, aproximadamente 174 mil pessoas já estão sendo afetadas pela crise ambiental. Em resposta a essa situação, o governo anunciou planos de distribuição de 50 mil cestas básicas e água mineral para as comunidades afetadas, com apoio logístico da Força Aérea Brasileira (FAB).

Além das ações do governo, organizações não governamentais e entidades filantrópicas também estão se mobilizando para ajudar os ribeirinhos.

Editado por Marcela Leiros