Azulão: Eneva ignora recomendação do MPF e realiza audiências públicas

Empresa assumiu compromissos voltados para a segurança sanitária do local de trabalho e atendimento direto aos empregados e suas famílias. (reprodução/ internet)

11 de setembro de 2023

20:09

Jefferson Ramos – Da Agência Amazônia

MANAUS – (AM) – A empresa Eneva S/A ignorou a recomendação do Ministério Público Federal (MPF) e realizou audiências públicas nos dias 2 e 3 de setembro para tratar do projeto de ampliação da Usina Termelétrica Azulão, na Bacia do Amazonas, mesmo com irregularidades apontadas pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). As irregularidades foram identificadas no processo de licenciamento ambiental e na consulta aos povos indígenas e tradicionais da região, que indicam não haver informações para uma participação transparente e democrática da população afetada.

No dia 1º de setembro, o MPF recomendou à Eneva e ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) que as audiências públicas convocadas para os dias 2 e 3 deste mês fossem canceladas até que fosse elaborado o Estudo de Componente Indígena (ECI), procedimento obrigatório para a concessão de licença ambiental, que busca garantir o direito dos povos indígenas impactados pelo empreendimento, além da realização de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais da região, como previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Apesar das irregularidades apontadas, as reuniões foram agendadas nos municípios de Silves e Itapiranga, cidades afetadas pelo empreendimento. O Ipaam também foi alvo da recomendação por mediar as duas audiências.

De acordo com o MPF, MPI e Funai, o adiamento das audiências era necessário diante do risco de acirramento de conflitos e ameaças contra os povos indígenas e tradicionais da região.

O projeto da Eneva, empresa responsável pela usina, prevê que o novo empreendimento de exploração de gás seja instalado a 200 quilômetros de Manaus (AM), no município de Silves, com potencial impacto na vida de aproximadamente 190 famílias indígenas e nas comunidades tradicionais que vivem na região, como populações ribeirinhas e extrativistas.

Em sua recomendação, o MPF segue a mesma linha de irregularidades apontadas pela Funai e MPI. Além disso, conforme aponta a recomendação, não foram disponibilizadas à população local as informações necessárias para uma efetiva participação democrática e transparente nas audiências, nem há motivo de urgência para justificar a realização de tais reuniões.

As audiências foram realizadas nos dias 2 e 3 de setembro para apresentar o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) para ampliação do campo de Azulão, localizado nos dois municípios.

De acordo com informações do MPF, as populações afetadas reclamam que não foram informadas sobre a realização das audiências, demonstrando a ausência de publicidade e transparência do tema. O EIA-Rima publicado na página do Ipaam menciona apenas os territórios indígenas homologados na região, sem fazer nenhuma referência aos demais territórios indígenas e tradicionais existentes no município de Silves e Itapiranga.

A recomendação do MPF foi enviada ao Ipaam e à Eneva S/A com prazo de 24 horas, a contar do recebimento da notificação, para informar se acatariam a recomendação e para realizar o encaminhamento ao MPF de esclarecimentos detalhados acerca das providências adotadas.

A medida tomou por base informações colhidas no inquérito conduzido pelo MPF sobre os possíveis impactos a povos indígenas e comunidades tradicionais decorrentes da exploração de petróleo e gás na Bacia do Amazonas.

Questionado pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA sobre quais providências tomará diante do não atendimento da recomendação, o MPF informou que está analisando as medidas cabíveis em relação ao caso.

A reportagem procurou a Eneva por meio de assessoria de imprensa, que esclareceu que o licenciamento ambiental do projeto termelétrico tem na realização das audiências públicas passos importantes e imprescindíveis de diálogo transparente com a sociedade civil, em especial com as comunidades de Silves, Itapiranga e municípios da região do interior do Amazonas.

“A partir dessa etapa, fundamental para conferir transparência ao processo, é possível coletar sugestões e recomendações para que se aprimorem as ações previstas.”, afirmou a empresa.

A Eneva destaca que as audiências foram divulgadas ampla e previamente, com engajamento da sociedade civil e em parceria com os órgãos públicos competentes. Segundo a nota, os encontros em Silves e Itapiranga reuniram, ao todo, mais de 700 pessoas em setembro “com grande interação entre os presentes, de forma pacífica e clara, em aproximadamente oito horas de diálogo”, ressalta.

Acompanhamento

A assessoria de comunicação do Ministério Público do Amazonas (MP-AM) informou que o órgão acompanhou as audiências públicas, representado pelo promotor de Justiça Márcio Pereira de Mello.

As audiências públicas são de grande importância para ouvir sobre os anseios da comunidade, diretamente afetada pelo empreendimento e para esclarecer dúvidas, devendo ser levada em consideração pelo órgão ambiental responsável pelo licenciamento. O Ministério Público se posiciona ao lado da comunidade, na defesa dos direitos coletivos e do meio ambiente, não somente no dia da audiência pública, mas se encontra à disposição da população nas promotorias de Silves, Itapiranga e demais unidades ministeriais”, disse o promotor, segundo texto divulgado pela assessoria do MP-AM.

Questionada pela reportagem sobre a avaliação do MP a respeito da conduta adotada nas audiências, a assessoria de comunicação afirmou que “a comunidade demonstrou receptividade quanto a implantação do Projeto Campo do Azulão III, tendo em vista o investimento a ser realizado na região e geração de emprego e renda.

Contudo, a nota destaca que, “é necessário também ouvir as populações tradicionais afetadas, e avaliar os impactos na fauna e flora, sendo importante o fortalecimento da estrutura do Ipaam, órgão responsável pelo licenciamento”.

Reserva

Outro procedimento em trâmite no Ministério Público Federal acompanha o processo de criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Saracá-Piranga, no município de Silves – onde a termelétrica pretende ser instalada juntamente com todo o complexo do Azulão – e a garantia dos direitos das comunidades envolvidas.

Desde 2022, indígenas e populações tradicionais apontam uma série de problemas referentes à implantação do “Complexo Azulão” na região. Eles reclamam que não foram consultados sobre o projeto, o que contraria a Convenção nº 169 da OIT.

O artigo 6º do normativo, incorporado à legislação brasileira, determina aos governos o dever de consultar previamente e respeitando a cultura de cada população, povos indígenas e tradicionais em qualquer caso de medidas administrativas ou legislativas que potencialmente afetem seus interesses. O problema levou duas associações locais a ajuizarem ação civil pública na Justiça exigindo a realização da consulta e do estudo de componente indígena.

Além de não terem informações sobre as decisões referentes à implantação do projeto, as comunidades carecem de esclarecimentos acerca de eventuais impactos nos seus modos de vida, bem como sobre medidas compensadoras, mitigadoras ou indenizatórias.

O MPF informa que também recebeu informações do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do Amazonas (PPDDH/AM) e de lideranças da região sobre pressões e ameaças recebidas por indígenas e representantes de povos tradicionais locais, em razão das críticas à construção do empreendimento.

Órgãos federais

Após ser questionada pelo Ministério Público Federal, a Funai confirmou que não foi elaborado estudo sobre os impactos ambientais e sociais do empreendimento na vida das populações indígenas da região, nem realizada consulta prévia e informada nos moldes do previsto pela OIT.

A Funai também informou que pediu ao Ipaam e à Eneva S/A, em junho deste ano, as documentações necessárias para a verificação do perímetro completo das atividades e as distâncias em relação às terras indígenas, mas que até o momento não obteve resposta. No início deste mês, a Funai reiterou à empresa e ao instituto ambiental do Amazonas a necessidade de suspender o processo de licenciamento ambiental em razão das irregularidades.

No dia 30 de agosto, o Ministério dos Povos Indígenas também enviou ao Ipaam, à Eneva S/A e às prefeituras de Silves e Itapiranga ofício alertando sobre o que considerou como graves irregularidades detectadas e solicitou o cancelamento das duas audiências públicas do início de setembro. De acordo com o ministério, a ausência de informações adequadas sobre o empreendimento inviabiliza a realização das reuniões.

Segundo o MPI, os problemas impedem a participação efetiva nos debates das etnias Mura, Munduruku e Gavião, assim como de integrantes das Aldeias Vila Barbosa, São Francisco, Curuá e Mura-Karará. O Ministério ressalta, ainda, o clima de aflição e incerteza nas aldeias e o acirramento de conflitos na região, em razão da falta de informações concretas sobre a implementação do Complexo do Azulão.

(*) Com informações da assessoria