BR-319: três meses após acidente, contrato para reconstrução de ponte que desabou é publicado
23 de dezembro de 2022
14:12
Ívina Garcia – Da Agência Amazônia
MANAUS – O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) do Amazonas, publicou no Diário Oficial da União desta quinta-feira, 22, o aviso de dispensa de licitação no valor de R$ 24.855.138,97, para construção da ponte sobre o rio Curuçá, que desabou em novembro na BR-319 e liga Manaus a Porto Velho, Rondônia (RO).
O contrato assinado pelo superintendente Regional do Dnit-AM, Luciano Moreira de Souza Filho, tem como finalidade “a contratação de serviços emergenciais para a reconstrução da Ponte sobre o rio Curuçá”. A empresa J. Nasser Engenharia LTDA tem o prazo de um ano para execução da obra.
A ponte, localizada no quilômetro 23, da BR-319, no município do Careiro da Várzea, desabou no dia 28 de setembro de 2022, deixando quatro mortos e outras 14 pessoas feridas. Logo depois, no dia 8 de outubro, a ponte Rio Autaz Mirim, no quilômetro 25, também cedeu, mas sem feridos.
Conforme o Dnit, a contratação de empresa para a reconstrução da ponte Autaz Mirim está prevista para o início de 2023. “A autarquia ressalta que, de acordo com o artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, o prazo para as obras contratadas de forma emergencial é de até um ano“.
A BR-319 é uma das principais vias de escoamento de produção rural e de locomoção de pessoas por terra, dos municípios do Careiro da Várzea, Careiro Castanho, Autazes e Manaquiri. A queda das pontes afetou diretamente mais de 140 mil pessoas que moram na região e dependem da estrada para trabalhar, estudar e viver.
Apesar de ser responsabilidade do governo federal, o governador do Estado do Amazonas, Wilson Lima, decretou estado de emergência nesses municípios em outubro, buscando prevenir prejuízos com o superfaturamento de alimentos e líquidos antes transportados pela estrada, mas que agora dependem de balsas, tornando o trajeto mais caro.
“Temos uma série de situações que estão acontecendo ali e estão dificultando a vida das pessoas, como a questão do escoamento da produção, desabastecimento de alimentos, de remédio, de combustíveis, esse sendo muito importante porque é o que faz funcionar as térmicas, que causa o risco de alguns desses municípios ficarem sem energia elétrica”, disse o governador à época.
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Nos dois pontos onde as pontes caíram, o Dnit realizou soluções temporárias e emergenciais com a disponibilização de uma balsa gratuita para travessia no km 23 e o aterro por debaixo da ponte Autaz Mirim, que deve durar até o Rio Negro voltar a encher.
Tragédia anunciada
A reportagem da AGÊNCIA AMAZÔNIA esteve no local do acidente e conversou com pessoas que dependem da estrada para viver. É unanimidade entre os moradores e trabalhadores da BR-319 que a situação das pontes e a falta de manutenção já anunciavam a tragédia.
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O taxista Elder Carlos Marques dos Santos, que trabalha há 12 anos na BR-319, afirmou à AGÊNCIA AMAZÔNIA que o Dnit, já havia sido informado que a ponte conhecida como “Ponte do Capitari” e “Ponte do Rio Curuçá” ia desabar. Bem como o presidente da Associação dos Amigos e Defensores da BR-319, André Marsílio, que compartilha diariamente a situação das estradas e pontes.
O youtuber Joel Silva também já havia mostrado a situação das pontes que caíram. As imagens publicadas por Joel mostram barro esfarelado e rachaduras nas galerias que ficavam embaixo das pontes, antes mesmo da queda. Conforme Joel, a situação já havia sido relatada ao Dnit.
O artigo “Burying water and biodiversity through road constructions in Brazil“, em tradução literal “Enterrando a água e a biodiversidade através da construção de estradas no Brasil“, alertou o Dnit sobre os perigos com a construção das pontes ainda em 2021.
A pesquisa foi apresentada ao Dnit durante as audiências públicas sobre o trecho do meio, realizadas em 2021, em Manaus. Conforme o estudo, havia uma incompatibilidade entre as obras previstas para a recuperação da rodovia e as características geográficas locais.
Um dos autores do artigo, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) William Ernest Magnusson esclarece que o problema no local se dá pela forma como foi efetuado o aterramento e que, nas imagens da queda da ponte, foi possível notar que a água havia cavado em volta dos suportes da ponte.
“O aterramento de Áreas de Proteção Permanente [APPs], na cabeceira das pontes, direcionou toda a força da água para as colunas que apoiam as estruturas durante o período da cheia. Não é o pulso do rio que é o problema, o problema é o aterramento das APPs, com rampas de acesso em vez de pontes atravessando toda a área“, detalha.
Vale ressaltar que, segundo o Artigo 63 da Lei nº 9.605 /1998, de crimes ambientais, a terraplanagem ou aterramento de APP são proibidos por lei e configuram o crime. O desrespeito a essa norma culminou no desabamento das pontes.
Segundo o ambientalista e geógrafo Carlos Durigan, a BR-319 foi construída em cima de aterros, ou seja, vários trechos possuem rios cobertos por terra ou entulho, para que fosse nivelado o terreno, e esse tipo de obra precisa de maior atenção. “Esses aterros precisam ter monitoramento e manutenção frequente e em determinados trechos, precisam de obras melhor estruturadas“, pontua o especialista.
Ataques à BR-319
Registradas nos últimos meses, ações criminosas atingem pontes na BR-319. Segundo relatos enviados à CENARIUM, foram registrados ao menos três ataques a pontes da rodovia entre os meses de novembro e dezembro de 2022.
No dia 26 de novembro, a ponte de madeira localizada no quilômetro 515,60, conhecida como “Ponte do Igarapé Cotia”, teve a estrutura serrada, e parte da estrutura cedeu, causando transtornos para quem precisava trafegar pelo local.
A ação, que ainda não teve autor identificado, aconteceu no conhecido “trecho do meio”, localizado entre os quilômetros 250 e 655,7, peça central nas discussões sobre pavimentação, e teve Licença de Operação (LO) liberada pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), em meados de setembro.
Cerca de 15 dias depois, a ponte Fortaleza, localizada no quilômetro 600 da BR-319, amanheceu com marcas de serra elétrica na estrutura e princípio de incêndio. Esse foi o segundo registro de tentativa de incendiar a mesma ponte, segundo André Marsílio. “Teve ataque na Ponte Cutia, depois na ponte Fortaleza e agora novamente fizeram isso lá. Parece coisa de gente que é contra a BR-319 e a pavimentação“, avaliou o presidente da associação.