Candidato ao Governo do AM, Braga cita raiz afrodescendente para justificar polêmica na declaração de cor

Senador e candidato ao Governo do Amazonas Eduardo Braga (MDB) (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

27 de agosto de 2022

17:08

Priscilla Peixoto – Da Agência Amazônia

MANAUS – Após a mudança na “autodeclaração da cor” do senador e candidato ao Governo do Amazonas Eduardo Braga (MDB), durante as eleições deste ano, causar polêmica, o postulante, que em 2018 se identificou como “branco” na Justiça Eleitoral, usou as redes sociais para explicar a mudança de apresentação para pardo.

Nessa quinta-feira, 26, Braga postou uma foto na rede social Instagram, ao lado do pai, na qual cita a raiz afrodescendente do genitor. “Este é o meu pai, Carlos dos Santos Braga, filho de Dona Etelvina, afrodescendente, e caboclo com muito orgulho. Ser filho dele não deixa dúvidas de que sou pardo“, declara o senador.

O candidato complementa, ainda, chamando atenção para a luta contra o preconceito e disponibiliza, junto à foto do pai, um certificado de alistamento militar, no intuito de reforçar o esclarecimento. “Ainda bem que a luta contra o preconceito avança no Brasil. Em eleições passadas, a origem étnica sequer era uma questão. É positivo que, agora, nós candidatos, precisemos fazer uma autodeclaração. Para os preconceituosos que questionam minhas origens, mando uma lembrança: a reprodução do meu certificado de alistamento militar.

Certificado de alistamento militar de Eduardo Braga (Reprodução/Instagram)

Marca e origem

Para a advogada Laila Alencar, que atua no atendimento jurídico focado em diversos tipos de discriminação, a árvore genealógica não é, necessariamente, uma resposta suficiente e, embora o candidato venha de uma família que tenha pessoas racializadas, se declarar como pardo, em um País como o Brasil, faz com que muitas pessoas pardas, que sofrem as consequências do racismo, percam espaços que ele não perde, simplesmente por ser lido como pessoa branca.

“Acaba que ele não se encaixa nesse perfil, porque ele não sofre as mazelas do racismo. E, se declarar como uma pessoa parda, no País como o Brasil, em que ele é lido como uma pessoa branca, não faz sentido. Se formos analisar o material genético de todo brasileiro, vai ter mestiçagem de todo lugar do mundo. Mas o que ocorre aqui, por conta de tanta mestiçagem, é o chamado filtro e quem não passa nesse filtro são as pessoas que mais possuem traços negroides, o que não é o caso do candidato”, explica.

Laila lembra que o discurso no post de Braga seria mais válido em países como os Estados Unidos, lugar onde a questão do racismo é de origem (genética) e não de marca, como costuma ser no Brasil, em que as pessoas sofrem preconceitos mais pela aparência.

Acho interessante contextualizar a questão de que o racismo, no Brasil, é de marca e não de origem, isso não funciona no País que ele diz representar e se essa mudança na classificação racial tivesse sido oriunda de um letramento racial qualificado, ele saberia disso”, completa.

Interesse

Na leitura da pesquisadora, ativista social e coordenadora de Formação Política do Instituto Nacional Afro Origem, Izete Santos, quando um candidato, antes declarado branco, e que está tentando a reeleição, tem atitude semelhante a de Eduardo Braga, ele se aproveita de um benefício que não seria dele de fato.

Ela declara que têm acontecido diversos casos em que a autodeclaração não é pelo sentimento de pertença ou porque, finalmente, os candidatos se reconheceram como pessoa negra / parda por conta da própria história, mas que atitude se dá por outras intenções.

Sem querer fazer julgamento de valor ou moral, mas a gente percebe que não é um sentimento de pertença como eles alegam, pegando um parente negro para exemplificar. Nem é porque ele reconheceu sua própria história (…) O que acontece é que essa emenda [Emenda Constitucional 111], que prevê que os votos dados às mulheres e negros serão contados em dobro para efeito do fundo partidário e eleitoral. Então, quando um candidato puxa alguém da família para provar que é negro, ela ganha esse beneficio“, avalia Izete que destaca a necessidade de melhores critérios quanto à emenda.

Critérios

Para evitar esse tipo de inciativa, a coordenadora do Afro Origem sugere uma banca para análise de registro de candidaturas, tanto para o fenótipo quanto para a questão social. Na avaliação da pesquisadora, o recurso que foi colocado como uma forma de democratizar o acesso ao parlamento e às candidaturas das mulheres e população negra tem sido usado de forma errônea.

“Eu penso que esse critério de avalição seja importante. Inclusive, uma pessoa que é negra, que sempre se declarou, se reconhece e é negra na sua aparência talvez nem precisasse acessar esses recursos e, mesmo assim, esse direito ficaria assegurado. Vejo que tem muita gente que não quer se aliar à causa, mas desejam o fundo partidário e eleitoral.

Para o leitura do jurista e integrante do Movimento Negro, no Amazonas, Christian Rocha, a atitude de Braga desrespeita a comunidade e soa como oportunismo. “São oportunistas que querem o resultado da nossa luta, mas não querem o nosso sofrimento diário. Querem os louros da nossa batalha, mas não querem reconhecer que não fizeram nada quando tiveram oportunidade“, lamenta Christian.

Mudanças

A mudança de Braga ocorre em meio à regra que aumenta verbas a partidos com candidatos negros que obtêm mais votos para deputados, conforme estabelecida na Emenda Constitucional 111 da Câmara. Com isso, os postulantes ganham impulso com mais recursos para as campanhas. Para o cálculo, o TSE considera candidaturas negras aquelas registradas pelos políticos autodeclarados como pretos ou pardos.

A medida também vem sendo adotada por candidatos ao cargo de deputados de outros Estados. Os deputados Professor Israel (PSB-DF), Heitor Freire (União-CE), José Rocha (União-BA) e Luís Miranda (DEM-DF), por exemplo, se declararam, em 2018, como “brancos” e, neste ano, se autodeclararam “pardos”.

Em 2022, o senador Eduardo Braga se declarou pardo no TSE (Reprodução/TSE)

Um grupo de 33 deputados candidatos à reeleição mudou de cor ao disputar a eleição deste ano. Em 2018, eles se declararam “brancos” e, em 2022, se apresentaram à Justiça Eleitoral como “pardos”. Para especialistas, a nova autodeclaração é “puro oportunismo” e estratégia para conseguir recursos.

Ao site Estadão, o advogado Cristiano Vilela, integrante da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em São Paulo, afirmou que a mudança na declaração pode significar uma autoaceitação do candidato ou mesmo uma estratégia que busca meramente a obtenção de mais recursos.

“Vivemos em um País extremamente miscigenado. Evidentemente, casos grotescos podem ser punidos com o rigor que a situação merece, mas existem situações limítrofes e vejo com preocupação a possibilidade de o voto popular ser jogado no lixo por conta de interpretações”, destacou o especialista.