‘Centro fantasma’: esvaziamento da região histórica preocupa comércio

Prédio localizado na Eduardo Ribeiro onde era instalado a loja de departamento Marisa (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

18 de março de 2024

15:03

Karina Pinheiro – Da Agência Cenarium

MANAUS (AM) – O Centro de Manaus, que já foi o coração pulsante comercial da cidade, aos poucos prossegue com esvaziamento de lojas na região. Entidades do comércio de Manaus intitulam o fenômeno na área de “centro fantasma”. A Riachuelo e a Marisa foram as duas grandes lojas que fecharam nos últimos meses.

A equipe de reportagem da AGÊNCIA CENARIUM esteve no início de março nas principais ruas comerciais da região, onde foi observado várias lojas fechadas e um fluxo pequeno de pessoas, cenário diferente, por exemplo, do período das festas de fim de ano.

No ano passado, durante sessão ordinária na Câmara Municipal de Manaus (CMM), o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Manaus (CDL Manaus), Ralph Assayag, afirmou que o esvaziamento do Centro da capital ocorre devido à proliferação do que classificou como “cracolância“.

Assayag citou dois locais onde há mais concentração de dependentes químicos, que são a Praça da Matriz e a Praça dos Remédios. Na Matriz, segundo o empresário, foram identificadas aproximadamente 40 pessoas “que já estão totalmente em estado de zumbi“, sob efeito permanente da droga.

Moradores em situação de rua dormindo em frente a um comércio fechado (Ricardo Oliveira/Agência Cenarium)

Em entrevista à CENARIUM, o presidente da CDL afirmou que foram detectadas em setembro áreas consideradas cracolândias no Centro e que, por questões de segurança, as lojas estavam optando pelo fechamento.

“Foi detectado que temos uma área de cracolândia no Centro da cidade, isso atrapalha muito. As lojas dessa região começaram a fechar. Precisava ter um local para que eles pudessem ser mandados. Conseguimos o local, porém não pode ser mandado coletivamente. Temos a situação de pessoas que dormem na rua, na calçada, e ficam na frente de hotéis, que estão perdendo os seus clientes, porque o cliente fica preocupado quando sai. Temos um problema de moradores que estão indo para outros bairros e deixam a casa abandonada. Os camelôs estão em áreas que têm a lei, a Loman, dizendo que eles não podem estar em tais ruas e estão”, explicou Ralph.

Presidente da CDL, Ralph Assayag (Reprodução)

Ralph Assayag pontuou que entre os meses de dezembro e janeiro, 18 lojas foram fechadas no Centro de Manaus. Uma delas, a que mais chamou a atenção, foi o fechamento das lojas de departamento Riachuelo e Marisa, localizadas na Avenida Eduardo Ribeiro.

“O ponto crucial, no centro do miolo da Eduardo Ribeiro com a 7 de Setembro está fechando, isso é muito ruim. Isso vai deteriorando o centro e a gente vem brigando com as autoridades, para que façam o planejamento e a retirada daqueles que não são considerados camelôs. Então, tem uma série de coisas que os órgãos da Prefeitura e do Estado tinham que estar se aparelhando, se organizando para isso, como eles não fazem, automaticamente, o lojista fecha. São 18 lojas fechadas, no mínimo 180 pessoas que foram demitidas, isso tudo é muito ruim e o centro vai ficando envelhecido”, afirma o presidente da CDL.

CENARIUM esteve presente na área citada por Ralph Assayag e constatou o fechamento das lojas. Foi possível observar ruas vazias, principalmente na esquina entre as ruas Joaquim Nabuco e 7 de Setembro, onde ao menos cinco lojas estavam com placas de aluguel ou venda. Moradora do Centro, Dona Diva afirmou que nunca tinha visto o bairro tão pouco movimentado nos últimos 35 anos.

“O Centro não é o mesmo de antigamente. Hoje em dia, você vê menos pessoas na rua para comprar as coisas. Vemos que poucas pessoas vêm para cá, nem mesmo para a Feira da Eduardo Ribeiro, nos domingos. Eu nunca tinha visto desse jeito, é uma pena”, disse a moradora.

Cruzamento entre a Avenida Joaquim Nabuco e 7 de Setembro (Karina Pinheiro/Agência Cenarium)
Esvaziamento gradativo

O diretor de Planejamento Urbano (DPLA) do Implurb, arquiteto e urbanista, Pedro Paulo Cordeiro, afirmou que o esvaziamento vem acontecendo há décadas, desde o momento em que as diversas estruturas do poder público começaram a sair.

No caso, a própria sede do governo do Estado, a Câmara dos Vereadores de Manaus, a Prefeitura de Manaus, a Assembleia Legislativa do Amazonas, e assim sucessivamente. A próxima etapa desse esvaziamento se deu quando começaram a ser implantados os shopping centers na cidade de Manaus. Então, os comércios começaram a migrar para estes shoppings e, por último, logicamente, a questão dos moradores. Isso foi um processo que depois de décadas, onde não aconteceu do dia para a noite e logicamente a reocupação vai acontecer da mesma forma gradativa”, disse Pedro.

De acordo com Cordeiro, qualquer plano de reocupação central dura em média de dez a 15 anos.

Rua Joaquim Nabuco com lojas vazias (Karina Pinheiro/Agência Cenarium)
Moradores de Rua

A subsecretária municipal de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Semasc), Graça Prola, informou que, segundo os dados do Cadastro Único (CadÚnico), em Manaus há 1.672 pessoas em situação de rua.

“Temos adolescentes, crianças que estão sendo usadas na prática de mendicância, além dos idosos que são contabilizados, em número de 23. Destes, dez retornaram para casa. Só temos hoje 13 que são intermitentes entre a rua e a casa. A faixa etária identificada pelo cadastro único de pessoas na faixa etária de 25 a 49 anos como a de maior incidência”, disse a subsecretária.

Subsecretária da Semasc, Graça Prola (Divulgação/Prefeitura de Manaus)

Graça Prola informou que a região da Praça dos Remédios e a Praça da Matriz são as localidades onde há maior concentração de pessoas em situação de rua. A subsecretária ressaltou que ainda não há um censo que dimensione de forma precisa a quantidade de pessoas em situação de rua em Manaus.

Loja vazia na Avenida 7 de Setembro (Ricardo Oliveria/Agência Cenarium)

Questionada sobre a situação citada por Ralph Assayag, a secretária da Semasc afirma que as pessoas não são responsáveis pelo esvaziamento do centro. “É claro, ninguém é romântico para não dizer que muitas vezes eles são usados para participar e não protagonizar. Há uma diferença dos assaltos, dos arrastões e até dos furtos a gente diria. Mas eles não os principais autores”, rebateu.

“As pessoas em situação de rua não são as maiores vilãs da violência, incluindo aqui os roubos, os assaltos, os furtos, os arrastões. Na verdade, a população em situação de rua enfrenta um problema bastante significativo, que é o uso abusivo de drogas, como o crack, que hoje permeia a população de um modo geral, não apenas a população em situação de rua, mas também o consumo de cocaína e de bebidas alcoólicas, como a cachaça, de modo geral.

Plano Nosso Centro

O diretor de Planejamento Urbano (DPLA) do Implurb, arquiteto e urbanista, Pedro Paulo Cordeiro, mencionou que uma das medidas de reordenamento da região é o programa Nosso Centro, que prevê três eixos estratégicos, os quais, segundo Pedro, estão relacionados às problemáticas.

“O Nosso Centro prevê três grandes eixos estratégicos, onde dois deles estão muito ligados a essa questão relativa da reocupação da área central. Um seria o Mais Vida, focado principalmente na questão habitacional, e o outro é a questão de mais negócios”, disse Pedro.

Assinado em março de 2023 pelo prefeito David Almeida (Avante), o projeto arquitetônico desenvolvido pelo Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb) tem como objetivo promover a reabilitação de um imóvel que atualmente se encontra sem uso e descaracterizado às margens do Rio Negro.

No dia da assinatura da ordem de serviço, o diretor-presidente do Implurb, Carlos Valente, afirmou que o complexo servirá como um porto turístico que intensificará a presença de turistas e moradores não apenas no Centro, mas em toda a região da Orla de Manaus.

No dia da assinatura da ordem de serviço, o diretor-presidente do Implurb, Carlos Valente, afirmou que o complexo servirá como um porto turístico que intensificará a presença de turistas e moradores não apenas no Centro, mas em toda a região da Orla de Manaus.

Leia mais: ‘Nosso Centro’: projeto arquitetônico da Prefeitura de Manaus impulsiona turismo
Editado por Jefferson Ramos
Revisada por Gustavo Gilona