Coletivo antirracista sem juízas negras alerta para falta de representatividade no Judiciário

Coletivo Sankofa (Divulgação)

12 de dezembro de 2023

15:12

Yana Lima – Da Agência Amazônia

MANAUS (AM) – Um grupo de magistradas que atuam no Estado de São Paulo criou o primeiro coletivo de mulheres juízas definido como feminista e antirracista. A ausência de mulheres pretas, no entanto, chama a atenção para uma triste realidade no judiciário brasileiro: apenas 1,7% dos magistrados e magistradas se identificam como pessoas pretas, de acordo com o mais recente Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Na foto usada para divulgação do grupo em uma reportagem da Folha de São Paulo, e postada no Instagram, todas as juízas que aparecem são brancas. O fato dividiu opiniões. Alguns internautas questionam a ausência de pessoas pretas: “Antirracista e não tem nenhuma negra?”. Já outros apresentaram o contraponto de que a luta antirracista também é das pessoas brancas. “Talvez justamente por perceberam a ausência de negras nos quadros da magistratura, tiveram essa iniciativa”, pontuou um dos comentários.

Especialista em Direitos Humanos e em Africanidades e Cultura Afro-brasileira, a advogada Luciana Santos explica que os brancos devem buscar ser antirracistas, já que o racismo é um instrumento de manutenção do poder e de privilégios que só os beneficia, mas alerta que a exclusão de pessoas negras desses espaços é problemática.

“O problema na foto é que ela reforça a exclusão de pessoas negras. Não há nenhuma juíza negra em São Paulo? Se houver, nos faz pensar no pacto da branquitude e no feminismo branco que sempre ignorou nossas pautas”, destaca.

A advogada Luciana Santos é especialista em africanidades (Foto: Reprodução / TV Cenarium)
Apropriação cultural

Outro ponto de reflexão apresentado pela advogada é o nome do coletivo: Sankofa. “Essa filosofia africana nos remete a um retorno à nossa ancestralidade, aos saberes negros como forma de entendermos o passado e presente e assim projetarmos um futuro em que possamos ser protagonistas de nossas histórias. Pessoas brancas utilizando esse conceito, com exclusão de pessoas negras, indica uma apropriação cultural, tão característica do racismo”, alerta.

Sankofa, símbolo gráfico que representa um provérbio africano tradicional dos povos de língua Acã (Ilustração: Divulgação)

O Coletivo Sankofa, nome que na simbologia africana expressa o retorno no caminho para resgatar o que ficou para trás, afirma que acolheu, por adesão espontânea, mais de uma centena de juízas de Direito, juízas, e que seu objetivo é “promover a igualdade de gênero e de raça e o fortalecimento da atuação de mulheres na magistratura, em especial de mulheres negras”.

O evento oficial de constituição do coletivo será realizado no início de 2024. O comitê provisório é comandado pela desembargadora aposentada Angélica de Maria Mello de Almeida.

Fazem parte do grupo as juízas Cynthia Torres Cristofaro, Teresa Cristina Cabral Santana, Juliana Silva Freitas, Rafaela Caldeira Gonçalves e a desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida, que preside o coletivo (da esquerda para a direita) (Fotos: Divulgação / Acervo Pessoal)
Desigualdade no judiciário

Pessoas brancas seguem ainda representando a grande maioria (83,8%) magistrados da Justiça brasileira. De acordo com o mais recente Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), identificam-se como pessoas pretas apenas 1,7% dos magistrados e magistradas.

Acesse a íntegra do recente Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário

A pesquisa revela também que, dos magistrados ativos, apenas 0,5% foram aprovados por meio das cotas étnicas-raciais. Dos que tomaram posse a partir de 2016 (após a entrada em vigor da Resolução CNJ n. 203/2015), 3,5% ingressaram por cota – ou seja, 95,8% dos juízes titulares e juízes substitutos negros ingressaram na magistratura nos cargos de ampla concorrência.

Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário aponta que o perfil nos três segmentos profissionais por ramo de justiça (Ilustração: CNJ)

Em 36 dos 92 órgãos do Judiciário, (39%) não há nem sequer um registro de magistrados pretos. De acordo com dados do Diagnóstico, a maioria dos servidores também é composta por pessoas brancas (68,3%) e 29% responderam ser negras – sendo 4,6% pretas e 24,5% pardas. Entre os estagiários, também há uma maioria branca (56,9%).

Juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Karen Luise de Souza afirma que a política de cotas, que previa 20% de magistrados negros ingressando na magistratura brasileira, ainda não está cumprindo seu papel suficientemente. “Se temos apenas 3,5% de pessoas ingressando na magistratura pelo sistema de cotas, não estamos cumprimos a meta. A mesma coisa podemos dizer em relação aos servidores (6%)”, observou.

Juíza de Direito, Karen Luise Vilanova Batista de Souza Pinheiro integra o grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (Foto: Divulgação)
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Edição: Yana Lima
Revisão: Gustavo Gilona