Com 5º maior PIB do País, Manaus ainda precisa melhorar saneamento básico

Residências no bairro Educandos, na zona Sul de Manaus (Ricardo Oliveira/ Agência Amazônia)

31 de julho de 2023

13:07

Inaldo Seixas – Especial para Agência Amazônia**

MANAUS –  Manaus atingiu a melhor posição histórica no ranking de municípios brasileiros com maior Produto Interno Bruto (PIB), passando de 6º para 5º lugar, segundo os dados do Sistema de Contas Regionais 2020 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar disso, a capital amazonense não consegue avançar na mesma velocidade em melhorias estruturais que converta essa pujante produção de riqueza em bem estar social da população.

Dados apresentados na 15ª edição do Ranking do Saneamento, do Instituto Trata Brasil de 2023 (SNIS 2021), informam que a falta de acesso à água potável impacta quase 35 milhões de pessoas e cerca de 100 milhões de brasileiros não possuem acesso à coleta de esgoto, refletindo em problemas na saúde da população que diariamente sofrem, hospitalizadas por doenças de veiculação hídrica. O País ainda tem grandes dificuldades com o tratamento do esgoto, do qual somente 51,20% do volume gerado é tratado. Isto é, mais de 5,5 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas na natureza diariamente.

A aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020) surgiu com a justificativa de combater as mazelas históricas do Saneamento Brasileiro. Nele foram estabelecidas metas até 2033, nas quais, todos os municípios brasileiros devem atender a 99% da população com serviços de água potável e, ao menos, 90% dos habitantes com coleta e tratamento de esgoto.

Passados três anos da aprovação da Nova Lei do Saneamento, é possível observar que sua implantação caminha a passos lentos para o cumprimento das metas estabelecidas. Talvez por conta disso, recrudesce novamente o debate sobre que setor teria a maior capacidade de prover esses serviços com eficiência e investimentos na proporção necessária para a universalização até 2033.

Segundo a concepção dos defensores da aprovação do Novo Marco Legal, a provisão privada seria a única forma de garantir a expansão almejada. Essa percepção equivocada é refém de uma visão mais ideológica do que amparada em dados concretos. Além de ignorar o grande volume de recursos públicos operados no setor, esse entendimento não contribui para a construção de um ambiente favorável a novas soluções que articulem o público e o privado.

Atualmente, a prestação desses serviços no País é predominantemente pública, responsável por volume de investimentos da ordem de R$ 324,6 bilhões no setor, entre 2002 e 2022 ou 92% do total investido em saneamento no país, conforme estudo feito pela Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe). A maior parte desses recursos vem de empresas estaduais com 79%.

Segundo a KPMG/ABCOM, o volume de recursos necessários para atingir a universalização do saneamento em 2033, gira em torno de R$ 890 bilhões. Com isto não se pode dizer que os investimentos públicos sejam irrelevantes para o setor, nem que a participação privada por si só possa dar conta. O caminho acertado seria criar as condições necessárias para que o setor privado aumento sua participação, sem que isso implique o sacrifício da pública.

Neste contexto, onde a ideia predominante da privatização como modelo para atingir as metas de qualidade e universalização do saneamento, é inexorável que nossos olhares se voltem para a experiência de Manaus, cuja gestão privada dos sistemas de abastecimento de água e esgoto parece não ter tido tanto sucesso, ao menos em termos da coleta e do tratamento do esgoto sanitário.

Apesar de uma ligeira melhora nos dados de saneamento, Manaus continua entre as 20 piores no Ranking do Saneamento de 2023 dentre as 100 maiores cidades do Brasil. Em relação ao atendimento dos serviços de saneamento da região, 97,50% dos habitantes têm acesso à água potável, 25,45% tem acesso à coleta de esgoto e 21,58% do esgoto gerado na região é tratado, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobe Saneamento (SNIS), ano de 2021.

No Plano de Metas previsto no contrato de concessão assinado há 23 anos, a empresa se comprometia que, em 2021, 98% da população de Manaus já estaria usufruindo dos serviços de água tratada e 90% de coleta de esgoto, das quais, 80% seriam tratados corretamente. A promessa contratual de melhoria do abastecimento de água, segundo dados do Trata Brasil, está sendo cumprida. No entanto, a coleta e o tratamento de esgoto após a privatização esta longe de ser uma realidade.

No mundo essa dicotomia entre o público e o privado, ao menos na questão que envolve a água, parece apontar para a provisão publica desses serviços. Nos Estados Unidos, conforme a United States Enviromental Protection Agency, 80% da população recebe água potável de prestadores públicos. Na França, pelo contrario 39% da provisão de água e esgoto é de companhias publicas e 60% da iniciativa privada. No entanto, é digno de lembrar que o estado francês é titular de parte relevante de ações de empresas privadas do setor e majoritário em algumas delas.

Por sua vez, a Alemanha, é um exemplo de predomínio de provisão publica. 60% da população é atendida pelo Estado, 20% de capital misto e os 20% restante por empresas privadas. Destaca-se, porém, que tanto na França como na Alemanha, a existência de um forte movimento em prol da reestatização desses serviços, em face aos elevados índices de reclamação contra os preços e a falta de investimentos.

Na Inglaterra, a totalidade dos serviços é feita por empresas privadas, herança do governo da primeira ministra Margareth Tachear, conservadora e precursora do neoliberalismo junto com o presidente estadunidense Ronald Reagan, que intensificou as privatizações dos serviços públicos naquele país. Lá também, existe um movimento de questionamento dos serviços privados pela baixa qualidade oferecida, baixo nível dos investimentos e do elevado preço das tarifas.

O panorama internacional sugere que não existe um único caminho para a universalização da provisão de serviços de água e esgoto em países mais desenvolvidos e de elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Contudo indica que ali onde a provisão pública não é predominante, ao menos é essencial.

Segundo o Instituto Trata Brasil, “Saneamento é um fator essencial para o desenvolvimento econômico e social de um país, os serviços de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos levam à melhoria da qualidade de vidas das pessoas, sobretudo na saúde infantil com redução da mortalidade infantil, melhorias na educação, na expansão do turismo, na valorização dos imóveis, na renda do trabalhador, na despoluição dos rios e preservação dos recursos hídricos, etc.”.

Um desses benefícios é na área no turismo: a cidade de Manaus é um dos maiores destinos turísticos no Brasil. De acordo com dados presentes no Painel Saneamento Brasil, o rendimento médio dos empregados em turismo que moram em residências com saneamento básico é de R$ 1.529,77, enquanto a renda em residências sem saneamento é R$ 714,89. As oportunidades tendem a aumentar com a expansão dos serviços de saneamento básico na cidade.

A dificuldade para se chegar universalização do saneamento não reside no caráter público ou privado da provisão, mas sim na adoção correta das politicas públicas que gerem os incentivos equilibrados, a regulação adequada e segurança jurídica, respeito aos equilíbrios regionais, que permitam intensificar o fluxo de investimentos, ao mesmo tempo em que se procure combinar soluções que envolvam essas duas dimensões.

O momento de escolher gestor e parlamento municipal se aproxima. Os dados do saneamento de 2023 coloca Manaus na 83º posição no Ranking das 100 maiores cidades do país. Já se passaram 23 anos (pouco mais de duas décadas) desde que foi assinado pelo governador Amazonino Armando Mendes, a concessão dos serviços de saneamento da cidade, Depois de tanto tempo, parece evidente que não chegaremos à meta de universalização que só com investimentos privado.

As forças politicas municipais devem ter como compromisso com a sociedade manauara, aproveitar a pujança econômica da 5º maior economia do país para combinar soluções que envolvam as dimensões pública e privada.  É preciso superar preconceitos para caminhar com maior rapidez rumo à universalização, cujos benefícios permitam combinar crescimento econômico  com bem estar social e, quem sabe, subir alguns degraus no ranking de cidades mais ricas do país e de melhor IDH.

(*) Inaldo Seixas Cruz é economista especialista em crescimento e desenvolvimento econômico e economia internacional, além de membro do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM).
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