‘Crianças precisam de convivência e expressão’; especialistas comentam queda na alfabetização infantil no Brasil

Os índices foram registrados entre 2019 e 2021 (Foto: Agência Brasil)

09 de fevereiro de 2022

17:02

Malu Dacio – Da Revista Cenarium

MANAUS — Entre os anos de 2019 e 2021, foi registrado um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos de idade que, segundo os responsáveis, não sabiam ler e escrever. O número passou de 1,4 milhão em 2019 para 2,4 milhões em 2021.

Produzida com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2012 a 2021, a nota técnica “Impactos da pandemia na alfabetização de crianças”, do Todos Pela Educação, compara os números correspondentes ao terceiro trimestre de cada ano e confirma os efeitos negativos da pandemia de Covid-19 sobre a Educação Pública brasileira.

A nota tem como objetivo apresentar impactos já observáveis da pandemia de Covid-19 na alfabetização de crianças brasileiras de 6 e 7 anos de idade.

Em termos relativos, o percentual de crianças de 6 e 7 anos que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever foi de 25,1%, em 2019, para 40,8%, em 2021.

A especialista em Educação Liliany Oliveira Costa liga o aumento do número de crianças que não sabem ler e escrever à pandemia. Ela lembra também que em outras avaliações externas de larga escala como, por exemplo, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) vem mostrando as lacunas de aprendizagem e conteúdos que as crianças na idade certa precisam aprender e não estão aprendendo.

“Antes da base comum curricular, cada região do país tinha um foco no currículo e no desenvolvimento da criança. E aqueles que tinham mais oportunidade e mais acesso à educação tinham destaques nas avaliações externas em relação ao norte e nordeste. Se formos pensar numa comunidade ribeirinha e quilombola, não tem como comparar a forma e estrutura de outras regiões do nosso país”, definiu Liliany.

“Nós estamos num momento singular em que todos vivem a pandemia. E ficou claro com a pandemia que nem todos têm acesso à educação. Resolveu com internet? Sim e não, pois nem todos têm acesso à internet ou seja eles não têm oportunidade de ingresso e de permanência na escola de educação básica com aquilo que é o seu direito de aprender e não se concretiza nesse momento. A educação básica não tem formato EAD (Educação a distância)”, salientou a especialista.

Liliany explica que o processo de alfabetização começa na educação infantil e vai terminar no terceiro ano do ensino fundamental nos anos iniciais. Ela também lembra que as crianças pequenas aprendem por meio de convivência, de brincadeiras, de participação, de exploração, expressão, de reconhecer e se conhecer.

“Para isso ela precisa de várias experiências. A experiência do eu com eu, do eu com outro, e o eu com a sociedade. O corpo tem que estar também em movimento. Os sons, as cores, as formas e principalmente a escuta, a fala, o pensamento e a imaginação estão para o desenvolvimento integral da criança. Quando eu falo de escuta, fala imaginação eu já estou no processo de letramento das crianças. Então, a leitura e escrita é uma convenção social”, comentou a especialista.

Ela defende que essa oportunidade foi retirada das crianças. “No convívio da escola, no convívio com o outro, nos experimentos com o corpo, nos experimentos, com o gesto, com os movimentos. Ou seja, não foi permitido criar espaços e tempos de aprendizagem e são nas relações que acontecem a transformações dentro do processo de leitura e escrita fosse ativo”, disse.

Falta projeto de educação

Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), considerou que a falta de um projeto de educação no País é a principal causa das crianças viverem esse atraso.

“De certo, que o salto na falta de alfabetização aconteceu entre 2019 e 2021, ano em que fomos acometidos pela pandemia da Covid-19, porém o negacionismo da crise sanitária, a negligência ao atrasar a imunização da população pelo governo e também a falta de ação do Ministério da Educação, em dar respostas à crise e assim solucionar questões da carência de conectividade por grande parte das famílias, intensificou o abismo. O órgão apenas seguiu como instrumento de aparelhamento ideológico do Governo Bolsonaro”, afirmou a estudante.

Presidente da Ubes destaca que ações são necessárias por parte do governo. (Foto: Divulgação)

Para Rozana, a pandemia exige mobilização de recursos financeiros, atuação forte do Estado, criando estruturas e políticas para oferecer respostas aos desafios e crises, porém sem ação, ampliou-se a desigualdade. 

São necessárias ferramentas e atenção às vidas

O professor Lambert Melo é coordenador de comunicação do Sindicato dos Professores e Pedagogos de Manaus e defende que os dados são preocupantes porque demonstram claramente que os sistemas de ensino não investiram o suficiente para as adequações

“Nosso sindicato desde o início da pandemia, em 2020, vem cobrando insistentemente dos governos que adquiram as ferramentas, os instrumentos, os equipamentos como, por exemplo, tablets para serem distribuídos aos alunos e que paguem os pacotes de internet para os alunos das redes públicas para poderem minimamente fazer o acompanhamento dessas aulas virtuais enquanto não há condições de aulas presenciais”, lembrou o professor.

O professor frisa, entretanto, o cuidado com a saúde e com as vidas. “No entanto, é necessário preservar a saúde, é necessário preservar a vida e enquanto a pandemia não for totalmente controlada e colocar num patamar onde a vida não esteja mais ameaçada, é necessário que se permaneça com as aulas remotas, as aulas virtuais, as aulas a distância”, finalizou o sindicalista.