Cupuaçu e cacau: praga em plantações pode causar prejuízos econômicos e sociais na Amazônia

Frutos cupuaçu e cacau com a doença monilíase do cacaueiro (Divulgação/Adaf e Mapa)

12 de julho de 2023

20:07

Marcela Leiros – Da Agência Amazônia

MANAUS (AM) – Pesquisadores e instituições alertam que a dispersão da praga causadora da doença conhecida como “monilíase do cacaueiro”, em grandes plantações de cacau e cupuaçu, pode causar perda total da produção, gerando prejuízos estimados em R$ 1 bilhão por ano à economia. A perda foi estimada apenas no Estado do Pará, onde mais de 30 mil pessoas trabalham na cultura do cacau. Também há o risco de êxodo rural em decorrência do abandono da atividade econômica por parte de agricultores.

No Brasil, o primeiro foco do fungo Moniliophthora roreri foi identificado em julho de 2021, em área urbana no município de Cruzeiro do Sul, interior do Acre. Em 2022, ele apareceu em comunidades indígenas e na área urbana dos municípios de Tabatinga e Benjamim Constant, na região do Alto Solimões, no Amazonas. A preocupação é que a praga se dissemine para o Estado vizinho, o Pará.

Fruto cupuaçu com a doença monilíase do cacaueiro (Divulgação/Adaf)

A professora de Fitopatologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Ana Francisca Tiburcia Amorim Ferreira e Ferreira, que estuda os fungos, explica que o Moniliophthora roreri é a principal doença que afeta os cultivos de cacau no mundo, mas não causa doenças em humanos. “Não há nenhuma comprovação de que cause doenças em humanos“, esclarece.

Ela pontua que, além dos prejuízos financeiros, a praga ainda pode causar problemas sociais. “Em Tabatinga e Benjamim Constant, a doença tem afetado os plantios de cupuaçu e cacau dos pequenos produtores e indígenas, com perdas completas da produção. O controle é feito através de podas, sendo assim, eles têm que podar completamente árvores de mais de 40 anos. Com a ocorrência da doença, eles abandonam essa prática de renda e têm que ir atrás de outra forma de ganhar dinheiro. Em alguns casos, isso pode levar até ao êxodo rural“, afirmou.

Veja fotos dos efeitos da Moniliophthora roreri nos frutos:

  • Fruto do cacau contaminado com a praga monilíase do cacaueiro (Reprodução/Mapa)
  • Fruto do cacau contaminado com a praga monilíase do cacaueiro (Reprodução/Mapa)
  • Fruto do cacau contaminado com a praga monilíase do cacaueiro (Reprodução/Mapa)
  • Fruto do cacau contaminado com a praga monilíase do cacaueiro (Reprodução/Mapa)

Em 2022, os Estados do Amazonas e Acre entraram em quarentena por conta da praga. A medida implicava na proibição do trânsito de materiais vegetais (frutos e plantas) hospedeiros da praga (espécies do gênero Theobroma Herrania) para as demais unidades do País.

Dispersão perigosa

A professora do Instituto de Natureza e Cultura de Benjamin Constant, da Ufam, Taciana Carvalho afirmou à REVISTA CENARIUM que a dispersão do fungo é acompanhada de perto, mas ocorre em uma “velocidade muito rápida”. Para ela, as medidas implementadas até o momento por órgãos como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por exemplo, não acompanham essa agilidade.

“A monilíase é uma praga quarentenária que ataca frutos de cacau e cupuaçu, podendo causar perda total da produção”, ressalta. “O Mapa tem feito um trabalho, mas é um trabalho muito complexo porque, aqui, nós temos uma região de fronteira muito ampla, de acesso que requer muito recurso e é necessário fazer um alarme para sociedade, para os governantes, que esse fungo traz muitos prejuízos e, se chegar às grandes plantações de cupuaçu e cacau, vai ser um desastre”, alerta.

O secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Dione Torquato, teme que o surgimento do fungo possa afetar diretamente a produção extrativista e dificultar, ainda mais, a vida de quem reside nessa região. “Outro aspecto que preocupa é a propagação rápida desse fungo, podendo chegar à Foz Amazonas, o que seria um caos para a produção agroextrativista”, afirma, cobrando os órgãos responsáveis pelo controle da praga.

Esperamos que o governo federal, através do Mapa, Conab, MMA, e MDA, em parceria com a Embrapa, façam uma força-tarefa junto aos centros de pesquisa na Amazônia para tentar entender melhor as características desse fungo e que possam, a partir disso, tomar as medidas cabíveis. Por outro lado, precisamos urgentemente de apoio para que as áreas afetadas façam o manejo e controle da doença“, complementa Torquato.

Cooperação técnica

Nesta semana, o Amazonas e o Pará, por meio das suas agências de defesa agropecuária, assinaram termo de cooperação técnica para impedir que a monilíase, que surgiu no Alto Solimões, se espalhe pelos Estados. Com o termo, que tem validade de quatro anos, os órgãos vão desenvolver, em conjunto, atividades de defesa agropecuária como fiscalização, educação sanitária e vigilância.

No Amazonas, a Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado (Adaf) desenvolve ações de contenção e erradicação dos focos nos municípios de Tabatinga e Benjamin Constant, no Alto Solimões, com apoio das Forças Armadas, prefeituras municipais, Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (Idam), Instituto Federal do Amazonas (Ifam), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e outras instituições.

Os diretores-presidentes das agências de defesa agropecuária do Amazonas e Pará, na assinatura do termo de cooperação técnica (Divulgação/Secom)

O diretor-presidente da Adaf, José Omena, afirmou que as agências vão intensificar a vigilância agropecuária em municípios próximos da fronteira entre os dois Estados, como Terra Santa e Juruti, no Pará; e Nhamundá e Parintins, no Amazonas. Um dos objetivos é impedir o trânsito de frutos hospedeiros oriundos do território amazonense para cidades do Estado vizinho.

Estamos trabalhando em conjunto para conter e erradicar esta praga que pode trazer enormes prejuízos ao País. Não estamos medindo esforços e, com apoio de todas as instituições parceiras, teremos sucesso“, ressaltou Omena.

A doença

Segundo o Mapa, a monilíase é uma doença devastadora que afeta plantas do gênero Theobroma, como o cacau (Theobroma cacao L.) e o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), causando perdas na produção e uma elevação nos custos devido à necessidade de medidas adicionais de manejo e aplicação de fungicidas para o controle da praga. 

Na América do Sul, a praga se encontra presente no Equador, Colômbia, Venezuela, Bolívia e Peru. “Devido às características peculiares (fronteira com países onde a praga já ocorre e condições geoclimáticas favoráveis à sua dispersão, entre outras), a região da Tríplice Fronteira Norte já era considerada como área de risco de introdução de Moniliophthora roreri no Brasil e vinha sendo monitorada rotineiramente ao longo dos últimos anos”, relatou a coordenadora-geral de Proteção de Plantas, Graciane de Castro, em novembro do ano passado.

Em agosto de 2022, o Mapa prorrogou, por um ano, o prazo de vigência da emergência fitossanitária relativa ao risco iminente de introdução da praga quarentenária ausente Moniliophthora roreri nos Estados do Acre, Amazonas e Rondônia.