Documentário retrata drama de extrativistas ‘expulsos à bala’ de reserva em Rondônia

Mais da metade do território, antes tomado por floresta, deu lugar à criação ilegal de gado (Christian Braga/Greenpeace)

24 de abril de 2023

21:04

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – Fazendas de gado, onde a regra é a prevalência de práticas sustentáveis. Máquinas abrindo estradas ilegais em meio à Floresta Amazônica. Ameaça, violência e terror. Esta é a realidade de famílias que se viram obrigadas a sair do local que chamavam de lar, por temer pela própria vida, a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, quase extinta pelo Governo de Rondônia.

A disputa de poder, onde quem lucra é “gente influente e conhecida” – vendendo, sem dificuldade, produtos oriundos da ilegalidade – é retratada no mais novo documentário intitulado ‘Exilados: extrativistas são expulsos à bala em Rondônia’.

Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná teve quase 90% de área reduzida por lei estadual, em 2021(Reprodução)

Lançada neste mês e disponível gratuitamente no YouTube, a produção é assinada por importantes entidades da sociedade civil em prol do meio ambiente e das comunidades originárias e tradicionais: a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, a Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR) e o WWF-Brasil.

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Protagonizada pelo embate entre extrativistas e invasores de terras públicas, essa “trama da vida real” é refletida no alarmante cenário de conflitos no campo, que acumula, a cada ano que passa, preocupantes índices de assassinatos, especialmente, em Rondônia, Estado que lidera o quadro há dois anos consecutivos, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

O lançamento oficial do curta-metragem documental ocorreu no último dia 12 de abril, no Congresso Nacional, em Brasília, e contou com a presença de ativistas e parlamentares, que discutiram sobre propostas para reforçar a preservação ambiental, em Rondônia.

Grilagem desenfreada

Em pouco mais de 16 minutos, o documentário reúne depoimentos, entrevistas e denúncias sobre a conivência de autoridades com as invasões e a permanência de grileiros na Resex, que abrange a capital Porto Velho e os municípios de Nova Mamoré e Buritis. A obra também escancara a tentativa de extinguir a unidade, arquitetada por deputados estaduais e endossada pelo governador Coronel Marcos Rocha (União Brasil).

Segundo dados do próprio Governo de Rondônia, a área protegida sofre com a existência de quase 700 fazendas que concentram milhares de cabeças de gado. Além disso, hoje, quase 30 anos depois da criação da reserva, em 1996, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que mais da metade do território, 55,3% dos quase 200 mil hectares de floresta já desapareceram para dar lugar a pastagens, contrariando a legislação, que proíbe atividades pecuárias na Unidade de Conservação (UC).

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“Somos nós, populações tradicionais, que estamos mostrando o que está acontecendo nessas unidades de conservação de uso direto. O documentário apresenta um diagnóstico muito triste da Jaci-Paraná como um modelo de Resex destruída, a mais esquecida, onde a criminalidade pode tudo. Mas sabemos que ela não é a única”, lamentou o extrativista Paulo Lima Nunes, da Organização dos Seringueiros de Rondônia. 

Deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso Nacional, e a ativista Txai Suruí, durante o lançamento do documentário no Congresso Nacional (Divulgação/WWF-Brasil)

Lei antiambiental

Criada com o objetivo de proteger a floresta e as famílias que sobrevivem do uso sustentável dos recursos naturais, como a seringa, a castanha e o açaí, a Resex Jaci-Paraná foi uma das UCs quase extintas em 2021 por lei estadual.

Somando a redução da reserva extrativista com as áreas diminuídas do Parque Estadual (PES) de Guajará-Mirim, quase 220 mil hectares de floresta ficariam à disposição de ruralistas. Um golpe certeiro contra a biodiversidade e à existência de povos indígenas, além das comunidades tradicionais, que formam um grande corredor etnoambiental no Estado.

Não por coincidência, as duas unidades estão listadas entre as mais devastadas do País. O parque estadual, que percorre os municípios de Guajará-Mirim e Nova Mamoré, ficou com apenas 166 mil hectares depois da publicação da Lei Complementar N° 1.089/2021. Já a Resex, perdeu quase 90% do território, limitando-se a apenas 22 mil hectares de corredor de matas ciliares. Por isso, é a segunda que mais sofre com a devastação na Amazônia Legal.

Unidades de Conservação reduzidas, em 2021, antes e depois (Catarine Hak/Revita Cenarium)

Seis meses depois, em novembro daquele mesmo ano, a lei de Marcos Rocha foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO). Tão rápida foi a atuação do judiciário, como também a destruição das áreas. Em apenas um semestre, o desmatamento nas duas UCs cresceu mais de 2700%, segundo as contas do WWF-Brasil. E a recomposição das áreas ainda não foi concluída.

Federalização

Ativistas e políticos acreditam na federalização da Reserva Extrativista Jaci-Paraná como saída para preservar, de fato, a região. Esse foi um dos assuntos, na capital federal, durante a cerimônia de lançamento do documentário que retrata a vida real dos extrativistas locais.

“Aquela Resex é super importante para o meio ambiente do Brasil”, defendeu a indigenista, ambientalista e coordenadora de projetos da Associação Kanindé, Neidinha Suruí. “Se a gente permitir que ela seja destruída, vamos abrir um precedente para que o mesmo aconteça em outros lugares do País. Já estamos ‘rondonizando’ o Sul do Amazonas, e isso não é coisa boa (…) se continuar do jeito que está, em pouco tempo não vamos ter mais reserva”, destacou.

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“Precisamos fortalecer aqueles que acreditam na importância de manter a floresta em pé, na proteção da vida, dos animais e de todos”, disse a fundadora do Movimento Juventude Indígena de Rondônia, Txai Suruí, que também esteve no evento. 

Assista ao documentário na íntegra: