Duas em cada dez espécies ameaçadas de extinção estão no Brasil; 70% da vida selvagem desapareceu em 50 anos

Um milhão de espécies de plantas e animais estão ameaçadas de extinção ao redor do globo e até 2,5% dos mamíferos, répteis, aves, peixes e anfíbios já foram extintos (Ricardo Oliveira/AGÊNCIA AMAZÔNIA)

17 de outubro de 2022

18:10

Iury Lima – Da AGÊNCIA AMAZÔNIA

VILHENA (RO) – O Brasil, lar da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, foi listado como um dos países que mais perde habitats naturais e, por consequência, parte da biodiversidade. Duas de cada 10 espécies ameaçadas de extinção no planeta são encontradas nos biomas brasileiros. Os dados são do relatório Planeta Vivo, atualizado a cada dois anos pela rede WWF, que reúne pesquisas feitas ao redor do mundo com monitoramento de fauna. 

O estudo, que analisou 32 mil populações de animais de mais de 5 mil espécies, apontou que 69% da abundância de vida selvagem desapareceu da face da Terra em menos de meio século, entre 1970 e 2018. O maior declínio ocorreu na América Latina: 94%.

Animais tidos como símbolos da fauna brasileira estão entre os mais ameaçados (Ricardo Oliveira/AGÊNCIA AMAZÔNIA)

América Latina no topo

O relatório alerta para um caminho que pode não ter volta. Bichos tidos como símbolos da fauna brasileira, como o boto-cor-de rosa da Amazônia, a onça-pintada, os lagartos da Caatinga e os recifes de corais do Nordeste estão, justamente, entre as espécies mais ameaçadas pela contaminação das águas e as mudanças no uso do solo: garimpo ilegal, desmatamento e transformação de floresta em pasto pelo rastro do fogo, além dos efeitos da crise climática.

Gerente de Ciências do WWF-Brasil, Mariana Napolitano diz que o principal motivo da perda de espécies é o desmatamento e a conversão dos habitats naturais. Ela também explica por que o desaparecimento de fauna é maior na América Latina. 

“Como os dados do relatório começam a ser medidos a partir da década de 1970, o que ele está mostrando é que existem algumas regiões, especialmente na América Latina, onde a fronteira de desmatamento, de degradação, é mais ativa atualmente. Então, na América do Norte, na Europa, essa degradação já aconteceu antes da década de 1970. Por isso que nessas regiões, não há uma redução tão intensa”, detalhou a especialista à AGÊNCIA AMAZÔNIA.

Depois da América do Sul, que lidera o ranking, aparece a África, com perda de 66% das populações de espécies monitoradas, além de parte da Ásia, onde 55% da vida selvagem desapareceu. 

Perda de vida selvagem

RegiãoRedução de vida selvagem (entre 1970 e 2018)
América Latina94%
África66%
Ásia e Pacífico 55%
América do Norte 20%
Europa e Ásia Central 18%
Fonte: Relatório Planeta Vivo/WWF

Potencial desperdiçado

Do levantamento anterior para cá, foram incluídas 11 mil novas populações de 838 novas espécies, sendo 575 do Brasil. Cerca de 3,2 mil populações de vida selvagem foram monitoradas no País, tido como um dos piores em conservação dos habitats naturais.

“A gente lamenta esses resultados, mas para quem é da área ou depende desses ativos naturais para própria sobrevivência, como as populações indígenas e tradicionais, não é novidade alguma”, diz o ambientalista e coordenador do “Projeto Saúde e Alegria”, Caetano Scannavino, em entrevista à AGÊNCIA AMAZÔNIA. Ele destaca que nunca faltaram alertas sobre a gravidade do problema e que, “ao invés de reduzirmos a degradação ambiental, o que vem acontecendo é o contrário”

Desmatamento é o principal causador do desaparecimento de espécies, segundo o WWF-Brasil (Ricardo Oliveira/AGÊNCIA AMAZÔNIA)

Resultado desse problema que vai além dos biomas brasileiros, é que 1 milhão de espécies de plantas e animais estão ameaçadas de extinção ao redor do globo e até 2,5% dos mamíferos, répteis, aves, peixes e anfíbios já foram extintos. 

“Um estudo anterior, também do WWF, apontava uma nova espécie sendo descoberta pela ciência a cada dois dias, somente na Amazônia (…) De repente, você tem a cura da Covid-19, a cura do câncer; você tem ativos naturais que podem render, inclusive, dividendos ou insumos para a Indústria Farmacêutica Made in Brazil”, defende Scannavino.

Para o ambientalista Caetano Scannavino estamos caminhando rumo “a um apocalipse” (Reprodução)

Sem animais, sem vida

Em tempos de negacionismo, especialmente no tema ambiental, é preciso dizer que desaparecendo a floresta, os animais e os recursos naturais desaparece também o homem. O Relatório Planeta Vivo estima que se a temperatura global continuar subindo e aumentar em 2,0°, menos de 1% dos corais de água quente devem sobreviver. Também reforça que os impactos no solo, muito atrelados ao crime ambiental, continuam como o fator mais devastador para os ecossistemas, afetando, inclusive, a vida humana. É código vermelho para bicho e gente.

“Não estamos perdendo apenas as espécies ou tendo essas populações reduzidas, estamos perdendo qualidade de vida. Quando a gente fala que o boto amazônico tá muito impactado, seja pelas barragens, seja pela contaminação de mercúrio, a gente quer dizer que essa contaminação também acontece por conta dos garimpos ilegais nas populações ribeirinhas que dependem altamente de peixes”, ressaltou Mariana Napolitano. “Essa crise da biodiversidade também está fortemente relacionada com a crise da nossa qualidade de vida, do nosso bem-estar, da nossa saúde”, acrescentou.

Gerente de Ciências do WWF-Brasil, Mariana Napolitano diz que, apesar da ameaça, é possível reverter o quadro (Aline Inagaki/Reprodução)

“Se continuar assim, a gente tá caminhando para um apocalipse (…) Então, faz-se necessário repensar esse modelo de ocupação, sobretudo, nas nossas áreas de floresta, nos biomas, no Cerrado, na Amazônia. Até porque ele [uso do solo] vem beneficiando alguns poucos, mas deixando a conta e o estrago para todo mundo pagar, inclusive, as próximas gerações”, alertou Caetano Scannavino.

Para Napolitano, ainda há esperança. “Ao mesmo tempo que é uma grande ameaça, temos uma grande oportunidade de mudar os nossos meios de produção, de reforçar as nossas ações de conservação e garantir, sim, a conservação de muitas espécies”, finalizou a gerente de Ciências do WWF-Brasil.