‘Uma grande hipocrisia’, diz advogada após foto de Bolsonaro com criança indígena

Bolsonaro carrega criança indígena em Manaus (Foto: Composição/Paulo Dutra/Revista Cenarium)

05 de maio de 2024

16:05

Filipe Távora – Da Agência Cenarium

MANAUS (AM) – “Hipocrisia é a palavra que define esse triste episódio”. A declaração é da presidente da Comissão dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional Amazonas (OAB-AM), Inory Kanamari, que concedeu entrevista à AGÊNCIA CENARIUM, na tarde desse sábado, 4, a respeito de discurso feito pelo ex-presidente Bolsonaro durante pré-campanha do deputado federal Alberto Neto, em Manaus.

No decorrer do evento político de Neto, Bolsonaro usou parte de sua fala para discorrer sobre povos indígenas. O ex-presidente ergueu nos braços uma criança preta com vestes indígenas e falou que a sociedade não pode permitir que crianças permaneçam isoladas em comunidades indígenas.

Com a menina no colo, Bolsonaro fez críticas à demarcação de terras indígenas, dizendo ser o melhor para o futuro desses povos. “Não podemos fazer com que essas crianças sejam criadas em ambientes isolados, em terras indígenas. Nós queremos para essas crianças um futuro de verdade”, declarou.

Bolsonaro carrega criança em Manaus (Reprodução)

Kanamari considerou a fala hipócrita e afirmou que o governo de Bolsonaro foi o que mais incitou ódio contra os povos originários. A presidente da Comissão dos Povos Indígenas da OAB-AM declarou, também, que o discurso de Bolsonaro foi contraditório e demonstrativo de falta de conhecimento histórico, social e cultural.

“O único interesse é extermínio dos que ainda insistem para continuarem existindo, não se enganem. O ex-presidente precisa estudar mais, buscar conhecimento sobre nós, os povos indígenas. Não pode falar sobre um tema tão sensível sem conhecimento de causa. É sabido que Bolsonaro sempre incentivou atividades ilegais em terra indígenas. É bom lembrar que essas atividades quase nos extinguiram”, disse.

Discurso de superioridade

O professor universitário e cientista político Helso Ribeiro afirmou que Bolsonaro nunca foi defensor da causa dos povos originários e sempre abriu portas para acesso de garimpo a terras indígenas em prol de pautas relacionadas a desenvolvimento social.

“Ele defende uma corrente que desconsidera, no meu entendimento, a autonomia desses povos. Eu penso que as comunidades indígenas devem ter autonomia para determinar se querem ficar isoladas ou não. Essa fala do ex-presidente só corrobora com a postura que ele teve nos quatro anos de governo e mesmo anteriormente. Seria uma visão de superioridade, de alguém que se considera superior a ponto de poder escolher pelas comunidades originárias”, afirmou.

A socióloga Márcia Maria Oliveira considera que a fala de Bolsonaro foi carregada de “neocolonialismo”. Segundo ela, o discurso do ex-presidente remete a projetos do período de ditadura militar. “O projeto que queria trazer à força os índios para as cidades brasileiras, com a finalidade de desocupar as áreas dos territórios para empreendimentos econômicos”, declarou.

Manaus é a cidade com mais indígenas do Brasil, de acordo com Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São 71.713 indígenas na capital amazonense. Em números absolutos, o Amazonas tem a maior população indígena entre as unidades federativas do Brasil, com 490.854 pessoas. Isso significa que de cada 10 indígenas brasileiros, três vivem no estado.

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Editada por Aldizangela Brito
Revisado por Gustavo Gilona