EDITORIAL – Garimpo ilegal e o ‘sangue’ na terra, por Paula Litaiff

Sobrevoo registra áreas de garimpos ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em abril de 2021 (Christian Braga/Greenpeace)

06 de dezembro de 2023

14:12

“A ganância está fazendo o homem branco sangrar a terra e não vai morrer só indígena, vai morrer todo mundo”. Ouvi essa frase de uma liderança do povo Yanomami, quando, no ano de 2021, visitei Boa Vista (RR) em busca de jornalistas para trabalhar na redação da CENARIUM AMAZÔNIA, em Roraima, período em que já se falava em crise humanitária em meio à pandemia da Covid-19. No mesmo ano, publicamos o especial “Genocídio Yanomami”.

O cenário da época era de institucionalização do garimpo ilegal em terras indígenas no Brasil, durante o governo de Jair Messias Bolsonaro (2018-2022), e de normalização do crime, já que o então vice-presidente da República, Hamilton Mourão, admitia 20 mil garimpeiros vivendo da exploração do ouro dentro de comunidades indígenas, no Estado roraimense, cujo principal mecanismo para o processo de separação do metal de sedimentos é a utilização do mercúrio, substância altamente tóxica.

Foi em 2021 que vieram à tona imagens de crianças e adultos desnutridos em função da falta de alimentos nas florestas, que tinham como principal fonte de subsistência peixes, frutas e hortaliças, que foram contaminados no processo de garimpagem. Achei que a profecia da liderança Yanomami iria demorar a se concretizar, mas me enganei.

Dois anos se passaram, e vemos que o prognóstico bate à porta, após instituições de pesquisa apontarem que todos, independentemente da cor ou etnia, correm risco de terem reduzida a expectativa de vida, devido à ingestão de peixes contaminados por mercúrio, oriundos do garimpo nas terras e rios da Amazônia.

Tema de matéria especial da REVISTA CENARIUM deste mês, a pesquisa sobre a radiografia dos peixes foi publicada, em 2023, e apontou até 40% de contaminação na amostra analisada nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima.

A intoxicação por mercúrio no corpo de um ser humano pode levar meses ou anos para se manifestar e os sintomas vão de perda de apetite até a paralisação total dos rins. O líder Yanomami de Roraima não exagerou na profecia em 2021, ele só não disse quem vai pagar pelo sangue derramado com o garimpo.

O assunto foi tema de capa e especial jornalístico da nova edição da REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA do mês de novembro de 2023. Acesse aqui para ler o conteúdo completo.
(Reprodução)