‘Elas chegam devendo’, diz delegada da PF sobre vítimas de exploração sexual em garimpos ilegais

Segundo a PF, as vítimas são submetidas a situações degradantes e se tornam reféns das próprias dívidas (Arquivo/Roraima Em Tempo)

21 de março de 2023

21:03

Priscilla Peixoto e Eduardo Figueiredo – Da Agência Amazônia

MANAUS – “Elas chegam nessas terras de garimpos devendo três, quatro mil reais”. A declaração é da delegada da Polícia Federal em Roraima (PF-RR), Mariane Rodrigues, responsável pelas investigações de exploração sexual em Terras Yanomami (TY), que já resgatou três adolescentes. Em entrevista à REVISTA CENARIUM nesta terça-feira, 21, a delegada detalhou como funciona o esquema de prostituição nos garimpos.

Conforme a delegada, as vítimas são submetidas a situações degradantes e, na maioria das vezes, não sabem que se tornarão reféns das próprias dívidas. “Muitas não sabem que precisam pagar o transporte, as que sabem, não têm noção do valor e, muitas vezes, chegam nessas terras de garimpos devendo R$ 3 mil, R$ 4 mil. Elas são submetidas a situações degradantes, porque elas precisam pagar o uso da internet e a alimentação. Esse pagamento é semanal“, conta Mariane.

Vítimas de exploração sexual sendo resgatadas pela PF (Reprodução/Divulgação)

A delegada afirma que as mulheres precisam pagar também pelos produtos de higiene pessoal precificados bem acima da média. “Um item de higiene, por exemplo, eles cobram R$ 100, e fazem isso, justamente, para que a vítima não tenha condições de pagar, continue trabalhando para arrecadar dinheiro e essa dívida se torne eterna“, conta.

Segundo Mariane Rodrigues, o pagamento entre os garimpeiros é, normalmente, em ouro, que pode ser até trocado por Pix, mas, em regra, o pagamento é realizado em ouro. “Até mesmo os programas sexuais são pagos em ouro”, diz a delegada.

Abordagem

As investigações tiveram como ponto de partida o resgate das três meninas exploradas sexualmente, descobertas ao serem abordadas em embarcações durante operações da PF relacionadas ao garimpo. “A Polícia Federal (PF) está fazendo a Operação Libertação, nessas regiões de garimpo, justamente para poder tirar essa atividade ilegal. Numa dessas missões, os policiais abordaram embarcações e relataram que havia presença de mulheres e adolescentes, diz Mariane que complementa:

A partir desse resgate, elas foram encaminhadas para a Polícia Federal e nós conseguimos entender o que elas faziam lá. Estavam sendo exploradas, sexualmente, fazendo parte dessa rede de prostituição a contragosto, porque não conseguiam sair de lá”, explica a delegada.

De acordo com Rodrigues, as investigações apontam que as propostas às vítimas eram realizadas por meio de perfis falsos nas redes sociais. “Os aliciadores entravam em contato com as meninas, apresentando propostas de emprego, até mesmo relacionadas à prostituição e, então, aliciavam essas meninas. Só que elas chegavam lá e se deparavam com situações degradantes de trabalho, elas não imaginavam o que seria“.

Garimpo ilegal na Terra Yanomami (TY), em Roraima (Divulgação/Ibama)

Embora possuam o mesmo objetivo da exploração sexual, são organizações criminosas diferentes. Os líderes das organizações criminosas e cabarés pertencem a pessoas diferentes, salienta a delegada da PF. Até o momento, a investigação acarretou na prisão de duas mulheres. Um investigado, segundo Mariane, está foragido.

São inúmeras meninas exploradas sexualmente, não temos como quantificar, mas a gente tem, pelo menos, três investigações em andamento que são sigilosas por causa das vítimas, mas que abordam organizações criminosas diferentes que tem o mesmo objeto, que é a exploração sexual“.

Aparentemente abaladas, Mariane Rodrigues ressalta que cada uma das vítimas está recebendo apoio, não só na esfera criminal, mas no âmbito psicológico e com a atuação do Conselho Tutelar, acionado pela PF.

Cada vítima age de uma forma e aqui (na sede da PF) a gente sempre tenta dar o apoio, não só o apoio na percepção criminal, mas também todo o apoio psicológico e esse aparato. Então, normalmente, a gente entra em contato com o Conselho Tutelar e toda essa rede de apoio fica a cargo do conselho. Mas as meninas, aparentemente, aparecem abaladas”, finaliza.

Relembre o caso

No dia 15 de março, uma adolescente de 15 anos foi resgatada durante patrulhamento noturno no Rio Mucajaí, na Terra Indígena Yanomami. Ela foi levada ao garimpo com a promessa de trabalhar como cozinheira e quando chegou na região, foi obrigada a se prostituir.

Na tentativa de quitar dívidas crescentes, as vítimas chegavam a realizar até 15 programas por noite. As mulheres e adolescentes exploradas sexualmente eram mantidas em cárcere privado, vivendo sob ameaças de morte, assim como suas famílias.

No último sábado, 18, as irmãs Marilene Guimarães Gomes, 44 anos, e Francisca de Fátima Guimarães Gomes, 40 anos, foram presas por envolvimento em exploração sexual na parte da Terra Indígena (TI) Yanomami, localizada em Roraima. A dupla está na Cadeia Pública Feminina, em Boa Vista.

As mulheres, presas pela Polícia Federal (PF), são apontadas como integrantes de um dos grupos que enganava mulheres e adolescentes com as falsas promessas de trabalho no garimpo ilegal. As prisões foram determinadas pela Justiça de Roraima e ocorreram na capital do Estado.