Em Autazes, no AM, líderes Mura denunciam ameaças após consulta sobre demarcação de terra

O MPF afirmou que foram realizadas ações junto à Justiça para garantir a segurança dos indígenas que vivem nas comunidades (Gabriel Abreu/Agência Amazônia)

28 de abril de 2023

21:04

Gabriel Abreu – Da Agência Amazônia

MANAUS – O Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas realizou nesta sexta-feira, 28, uma entrevista coletiva para atualizar sobre as ações do órgão contra a implantação e as ilegalidades cometidas pela Empresa Potássio do Brasil na região de Autazes (distante a 111 quilômetros de Manaus), dentro da Terra Indígena Mura. As lideranças indígenas das comunidades Lago do Soares e de Urucurituba denunciaram que estão sofrendo ameaças, depois do início da Consulta Pública por parte da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para o início da demarcação do território indígena.

O líder indígena da comunidade de Urucurituba, Adnelson Moraes Mura, reforçou, ao defender a demarcação da terra, que as comunidades pertencem aos seus antepassados e que há registros, como artefatos de cerâmicas, que remetem à cultura indígena, encontrados nas comunidades.

“Lá nós temos muitas características de que nosso povo viveu lá. Então, eu acredito que essas pessoas que falam que lá não é uma terra indígena precisam estudar. […] A gente sofre ameaça de todos os lados. Eu, particularmente, saio da minha casa às 2h30 para trabalhar e sustentar a minha família. E aí eu fico com aquilo, que Deus me livre, de topar com um marginal na rua e ele tentar algo contra a minha vida. Eu me sinto ameaçado”, disse o líder indígena Adnelson Moraes Mura.

O procurador da República, Fernando Merloto Soavi, ao lado dos líderes indígenas Sérgio Freitas Mura e Adnelson Moraes Mura (Gabriel Abreu/Agência Amazônia)
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O Ministério Público Federal no Amazonas passou a acompanhar o caso depois de receber informações de que a empresa Potássio do Brasil Ltda. começou a realizar estudos e procedimentos, na região, sem qualquer consulta às comunidades. Em julho de 2016, o órgão expediu recomendação ao Ipaam, para que cancelasse a licença já expedida, e à Potássio do Brasil Ltda. para que suspendesse as atividades de pesquisa, na região, até a realização das consultas nos moldes previstos na legislação. Nenhum dos pedidos foi atendido, segundo o órgão.

Durante a coletiva, o procurador da República Fernando Merloto Soavi explicou que muitas mentiras estão sendo espalhadas sobre a demarcação das terras indígenas, e que isso gera reação, em forma de ameaças, ao povo que vive na região Lago do Soares e de Urucurituba.

“Nós esperamos que depois de hoje diminua a tensão na região, [porque] muitas fake news foram espalhadas; e [as pessoas] entendam que não vai ter uma demarcação que vai expulsar todo mundo, assim de repente. Nós estamos em uma democracia e todos podem se manifestar, indígenas e não indígenas. Inclusive, o processo de demarcação tem o momento próprio para ser impugnado. E que a justiça seja feita. Que não tenhamos outras situações que podem deixar o Brasil em ‘maus lençóis’ no cenário internacional, como na Corte Interamericana de Direitos Humanos”, afirmou o procurador da República.

Ameaças

O líder indígena Sérgio Freitas, da comunidade Lago do Soares, revelou que o Conselho Indígena dos Mura (CIM) recebeu ameaças em forma de bilhetes. “Nosso próprio conselho indígena recebeu várias ameaças, foi deixado vários bilhetes. E nós fazemos parte do conselho, e isso também nos afeta. Já que foi deixado um bilhete lá dizendo: ‘olha, se a potássio não acontecer, alguns de vocês vai rodar’, então, eu acredito que isso seja já uma ameaça”, disse.

Em ação na Justiça, o MPF busca suspensão das atividades até que seja garantido o direito de consulta livre, prévia e informada, nos moldes da Convenção N° 169 da OIT (Gabriel Abreu/Agência Amazônia)

Sobre o assunto, o procurador afirmou que, a partir das denúncias feitas pelo povo Mura, foram realizadas ações junto à Justiça para garantir a segurança dos indígenas que vivem nas comunidades.

“Nós recebemos informações de que a empresa [Potássio] estaria pressionando o povo Mura, juntamente com a polícia de Autazes, por conta que retiraram as placas, conforme decisão judicial. A empresa foi lá coagi-los e acusá-los. A partir disso, a gente fez pedidos judiciais e multas para que a empresa não fizesse mais isso. A juíza deferiu esses pedidos, depois disso, já com o pedido de demarcação do território Soares de Urucurituba”, disse.

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O procurador afirmou também que houve solicitação à Justiça para que a empresa paralisasse o Procedimento de Consulta, no local, tendo em vista discussão sobre demarcação da área indígena.

“Nós pedimos também a suspensão do Procedimento de Consulta da 169, porque não tem cabimento prosseguir com uma consulta se você está discutindo a demarcação de um território indígena, porque não cabe mineração em território indígena, no Brasil, segundo a legislação atual. Esses pedidos estão pendentes no judiciário. A Funai esteve lá, há um mês, ela está pendente de manifestação. A Funai precisa se manifestar para o poder judiciário e eu acredito que, após a manifestação, o poder judiciário federal também deve se manifestar sobre o caso”, afirmou Merloto.

Sem consulta

O MPF constatou que, desde 2009, vinham sendo realizadas pesquisas de campo, autorizadas pelo então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), para a identificação das jazidas dentro da terra indígena Jauary, sem que fossem consultadas as comunidades potencialmente atingidas. O estudo de impacto ambiental do empreendimento classificou-o como de pore “excepcional” e afirmou ser “muito alta” a interferência nos referenciais socioespaciais e culturais nas comunidades tradicionais e indígenas da região.

A concordância em realizar as consultas nos moldes previstos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) só veio após o MPF-AM levar o caso à Justiça, por meio da ação civil pública 0019192-92.2016.4.01.3200, no ano de 2016. A ação tem como objetivo a nulidade da Licença Previa N° 34/15, emitida pelo Ipaam, a qual autoriza a realização de estudos de viabilidade ambiental para exploração de silvinita e instalação de estrutura rodoviária e portuária no município de Autazes.

A ação busca, ainda, a suspensão das atividades até que seja garantido o direito de consulta livre, prévia e informada, nos moldes da Convenção N° 169 da OIT, às comunidades indígenas e ribeirinhas, diretamente, afetadas pelo empreendimento.

Em março de 2017, um acordo na Justiça garantiu consulta prévia, a comunidades, sobre o projeto de mineração em Autazes. O protocolo de consulta elaborado pelo povo Mura foi entregue à Justiça em agosto de 2019.

O outro lado

Sobre as acusações de ameaças aos indígenas que vivem nas comunidades Lago do Soares e Urucurituba, a empresa Potássio afirmou, em nota, que não foi convidada a comparecer à coletiva de imprensa realizada pelo MPF e que teve conhecimento sobre as acusações de possíveis ameaças sofridas pelos indígenas.

“A Potássio do Brasil recebeu a notícia de que ocorreu uma coletiva de imprensa na sede do MPF-AM, em Manaus, provocada pelo Procurador da República Fernando Merloto, com participação de lideranças indígenas dentre seus convidados. Ocorre que, em que pese a Potássio não ter sido convidada a participar, teve conhecimento sobre as acusações realizadas, fortemente estimuladas e incitadas pelo procurador federal que acompanha o caso, judicialmente, não restando outra alternativa para a empresa a não ser a busca incansável por justiça”, diz a nota da empresa, assinada pelo presidente da Potássio, Adriano Espeschit.

(*) Com informações da assessoria