Em movimento de resistência pelo meio ambiente, indígenas ‘abordam’ balsas no Rio Tapajós
20 de novembro de 2020
07:11
João Paulo Guimarães – Da Revista Cenarium
SANTARÉM – Amanheceu no Rio Tapajós e estamos a seis horas de Santarém e Alter do Chão. O Sol ilumina as águas azuis do rio que reflete o céu e começa no Mato Grosso, banha quase todo o Pará e vai desaguar no Rio Amazonas. São mais de 1.900 quilômetros de comprimento, uma anaconda.
Mas o Tapajós está morrendo. Suas águas contaminadas de metilmercúrio, barro, mercúrio, cianeto, sabões, detergentes, graxas e combustíveis já chegaram a Santarém. O Tapajós pede ajuda aos encantados, espíritos da floresta e das águas. As etnias Tupinambá, Arapiuns, Kumaruara e Borari atendem.
O grito surara
Somos acordados de nossas redes com o som das maracas na beira da praia. As lideranças gritam “Surara” e o chamado é respondido pelos Surara (guerreiros). Eles se organizam em suas lanchas e bajaras (canoas de madeira com motor). “Surara” eles gritam. São altos e empolgantes os gritos dos guerreiros pintados de jenipapo, urucum e vestindo seus cocares.
A abordagem às balsas que cruzam os rios Tapajós e Arapiuns com madeira ilegal e soja, despejando óleo e resíduos no transporte dessas cargas, vai começar. Tudo na preparação que parece uma festa, mas a aparência de celebração é para minimizar a gravidade da ação de abordagem dessas balsas que carregam tesouros dos rios e florestas ancestrais.
O início da resistência
Há três anos os Tupinambá do Baixo Tapajós deram início a uma manifestação que está se tornando cada vez mais forte e uma tradição. A abordagen de balsas carregando soja, pedras, seixo, cimento e madeira. A ação que este ano contou com 4 barcos com os povos ancestrais, duas lanchas e duas bajaras, conseguiu abordar várias dessas balsas, inclusive uma balsa com toras de madeira.
Uma das balsas pertence à empresa americana do Estado de Iowa, Cargill de Santarém que transporta soja. A balsa é abordada pelas embarcações e o Cacique Braz Tupinambá avisa pelo rádio que a manifestação é pacífica e pede para que a Balsa Tucunaré pare para que os indígenas possam expressar seus desejos de respeito pelos povos e pelo rio, mas o comandante da balsa ignora desrespeitando o Cacique e acelera fugindo.
A ação se torna perigosa e seu Braz Tupinambá pede que recuem. “A gente não pode botar em risco nem a vida deles e nem a nossa, mesmo que a nossa vida já esteja em risco”, diz ele. A soja enriquece, contamina, expulsa e adoece.
A balsa transporta soja, uma das cargas mais valiosas do agronegócio. Valiosa para os fazendeiros, mas perigosa e venenosa para os povos que dependem dos rios, de sua água, da pesca e da caça. A soja é produzida de uma forma que afasta os nativos de suas comunidades abrindo espaço para o plantio.
Quando é feito o plantio, são despejados agrotóxicos no terreno por pulverização. O agrotóxico fixa no solo e quando a chuva cai, o veneno vai parar nos rios, lagos e igarapés contaminando peixes e toda cadeia alimentar. Quando os nativos consomem o peixe, a contaminação é direta.
Consequências do Agro
- Compactação e impermeabilização dos solos pelo uso intensivo de máquinas agrícolas
- Erosão
- Contaminação por agrotóxicos nas águas, alimentos e animais
- Impactos detrimentais da retirada da vegetação nativa de áreas contínuas extensas
- Assoreamento de rios e reservatórios
- Aparecimento de novas pragas ou aumento de pragas já conhecidas
- Risco à sobrevivência de espécies vegetais e animais
- Perda de habitat natural devido à expansão agrícola
- Queimadas
Nova abordagem
Os indígenas não desistem e partem para uma nova abordagem. Agora o alvo é a Balsa Acapu da CNA de Manaus transportando petróleo. Cacique Braz, respeitosamente, avisa pelo rádio que haverá uma intervenção pacífica na balsa manauara.
O Comandante assente com respeito. Rodeado por embarcações com as etnias entoando canções ancestrais, os Cari (brancos) permitem que os indígenas possam subir e finalmente soltar seus clamores por igualdade e respeito pela nação Tupinambá e por todos os indígenas como uma só nação, sucesso.
A primeira abordagem traz mais força e faz com que os Suraras avancem mais uma vez no Rio Tapajós agora contra uma balsa de cimento. O rio fica mais agressivo à medida que nos aproximamos da balsa e a bajara (canoa de madeira com motor) pode virar a qualquer momento. É a briga de Davi contra Golias.
A bajara começa a fazer água dentro e bate várias vezes contra a balsa de metal. Uma das tripulantes, Raquel Kumaruara, já sofreu um naufrágio e precisou lutar pela vida por cinco horas na água esperando o socorro chegar.
Ela sabe do perigo que é estar tão perto assim da balsa. Se a bajara quebrar, todos serão sugados para debaixo da balsa e pronto. Acabou. Não há volta daí. É importante entender que essas balsas são na verdade três e até seis balsas atracadas, juntas uma à outra, sendo empurradas pelo rio. A velocidade média chega a 40 km/h ou mais.
Finalmente, depois de muita luta contra a marola do rio, os indígenas conseguem mais uma vez subir. Nossos pés, molhados,
se misturam com cimento criando uma lama escorregadia. Mais perigo.
Faixas de resistência são estendidas mais uma vez. “mulheres indígenas. nosso corpo. nosso território. nosso espírito. “Pelo rádio ouvimos a voz do Cacique Braz que avisa que a missão foi cumprida. Vamos retornar às bajaras. A batalha ainda não terminou para os indígenas. Ao voltar para o rio, enquanto expulsamos a água da bajara
apenas com uma cuia, vemos no horizonte um dragão chegando. E ele se alimenta de madeira.