Entenda por que a desoneração da folha de pagamento prejudica investimento público

Produção de motocicletas no Polo Industrial de Manaus (Divulgação/Honda)

15 de janeiro de 2024

14:01

Valéria Costa – Da Agência Cenarium Amazônia

BRASÍLIA (DF) – O governo federal tem um plano ousado: zerar o déficit fiscal e equilibrar o orçamento em 2024, tornando a economia propícia para investimentos em políticas públicas. As metas previstas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até então foram concretizadas.

Ele conseguiu, no ano passado, intermediar a aprovação no Congresso Nacional praticamente de todas as propostas nesse sentido de fortalecer e aumentar a arrecadação federal. Mas, no meio do caminho, surgiu um empecilho que se tornou uma queda de braços entre o Planalto e o Congresso e tem esquentado as férias dos congressistas neste janeiro de 2024: a desoneração da folha de pagamento.

Trabalhador em linha de montagem da Toyota, em Sorocaba, no interior de São Paulo (Reprodução)

Economistas consultados pela AGÊNCIA CENARIUM AMAZÔNIA são unânimes em afirmar que o benefício para 17 setores da economia – contemplados com a amortização de tributos – não deveria mais existir porque foi criado num momento em que o País atravessava uma recessão e precisava estimular a economia.

“Já deveria ter acabado. Serviu em um momento importante, mas ela cria uma injustiça tributária porque tem outros setores que não fazem parte e isso realmente é uma excrescência. Essas prorrogações realmente só complicam a situação e que cria no empresário uma impressão de que ela não vai acabar e vai se tornar permanente”, disse o economista, conselheiro e professor de mercado financeiro da Universidade de Brasília (UnB), Cesar Bergo.

A desoneração que, na prática, é a redução da contribuição para a Previdência Social de 20% para alíquotas entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta tem impacto direto na arrecadação federal, além de contribuir para o rombo da previdência.

Estudos do Ministério da Fazenda apontam que a renúncia fiscal do governo pode chegar até a R$ 16 bilhões que, na avaliação de Bergo, vai fazer falta para o governo e atrapalhar a meta de déficit zero e o cumprimento do novo teto de gastos aprovado no ano passado que permite uma faixa maior de gasto público.

Fachada do Congresso Nacional, em Brasília (Roque de Sá-13.jan.2022/Agência Senado)

Para o economista e consultor financeiro Newton Marques, o rombo pode ser até maior porque tem a compensação para a arrecadação federal com a tributação sobre o faturamento e não para a renúncia dos 20% sobre a folha de pagamento e pode representar 5% do déficit previdenciário.

Ainda nessa redução de tributos, a desoneração da folha de pagamento reduz de 20% para 8% a alíquota da contribuição da previdência de pequenos municípios. Ou seja, é uma conta que está sendo empurrada mais para a frente e que vai ser cobrada a qualquer momento, conforme o analista.

Reação violenta

Após o Congresso Nacional derrubar o veto integral do presidente Lula ao projeto de lei que aprovou a desoneração da folha de pagamento até 31 de dezembro de 2027 e, promulgar a lei no final de 2023, o governo enviou Medida Provisória (MP) revogando a desoneração destes 17 setores a partir de 1º de abril deste ano. O movimento causou intensa reação dos parlamentares que viram no gesto do presidente Lula como uma afronta à decisão deste poder.

O imbróglio está formado e há uma pressão da oposição e até de governistas que defendem a decisão do Parlamento e a desoneração da folha de pagamento que o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolva à MP ao governo, o que seria mais uma derrota do Planalto e o agravamento de uma crise que aliados tentam contornar nos bastidores.

Presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o líder do governo no Senado Federal, senador Jaques Wagner (PT-BA) durante sessão deliberativa ordinária (Reprodução/ Jefferson Rudy/Agência Senado).

Moderado, Pacheco afirma que a questão deve ser decidida ainda neste mês, antes do reinício das atividades legislativas, em 2 de fevereiro, e vai passar por uma conversa com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na próxima semana, quando retornar de suas férias, previstas para esta segunda-feira, 15.

A saída pensada seria o governo retirar a MP e enviar projetos de lei para reonerar a folha de pagamento, mas o risco de uma nova derrota é muito grande, já que deputados e federais e senadores defendem com unhas e dentes a redução dos tributos para estes setores da economia.

“Eu sou favorável à desoneração da folha por completo e não de 17 setores. Agora, se faz necessário rever a questão da tributação como um todo. Entendo que a reforma tributária do consumo foi um grande avanço, mas precisamos fazer a reforma de renda e patrimônio e é uma pauta que temos que discutir e enfrentar porque hoje no Brasil.”, argumentou o deputado federal Sidney Leite (PSD).

Para o parlamentar, a tributação de renda pode ser uma alternativa não só para garantir a desoneração da folha, mas também para que a gente possa ter uma alíquota da tributação no consumo mais baixo, mais acessível à grande maioria da população brasileira.

Na contramão

Enquanto o Congresso Nacional bate o pé e defende a lei que estende até 2027 a desoneração da folha de pagamento, economistas, o governo e entidades do setor veem na postura dos parlamentares uma incoerência, haja vista todo o esforço que foi feito em 2023 para aprovar uma pauta econômica positiva para a melhoria da arrecadação federal, além de um projeto ícone e emblemático: a reforma tributária que pretende reorganizar qualquer distorção tributária do País e a instituição de um novo arcabouço fiscal. É como se o Congresso desse com uma mão e tirasse com a outra.

Para Newton Marques, o Congresso defende a desoneração, mas não apresenta nenhuma alternativa compensatória para essa renúncia. “O Congresso ‘esquece’ que essa ‘troca’ de tributação (sobre a folha de pagamento por faturamento) prejudica, por um lado, o déficit da Previdência Social, por outro, cria um imposto cumulativo que incide sobre o faturamento. Assim, está agindo na contramão quando está em discussão no Congresso a Reforma Tributária privilegiando o tributo sobre o valor adicionado ou agregado, retirando o caráter da cumulatividade. Por último, não existem estudos confiáveis que demonstram que houve vantagem para os trabalhadores, como o aumento do emprego de forma direta com essa desoneração tributária”, observou o economista.

A mesma análise é compartilhada por Cesar Bergo. Ele afirma que as empresas que integram estes 17 setores não geraram empregos, durante a última década em que o benefício está vigente, na dimensão dos benefícios.

“O governo afirma que não houve alcance das metas e as empresas dizem que sim. Mas só que esses 17 setores têm um lobby forte junto ao Congresso. É lógico que tem a questão de sensibilidade política porque de uma hora para outra, se esse benefício deixar de existir, você vai ter uma oneração da folha de pagamento que cada cinco funcionários têm que se demitir um para manter o custo original”, disse o economista.

Real Moeda brasileira (José Cruz/Agência Brasil)

Estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2023, denominado “Os setores que mais desempregam no Brasil”, o pesquisador Marcos Hecksher mostra que os setores da economia que mais geram empregos não são exatamente os que recebem esse benefício fiscal da desoneração da folha, enquanto os 17 beneficiados não são os maiores empregadores.

Estes setores amparados pela desoneração reduziram a contratação e manutenção dos empregados entre os anos de 2012 a 2022, período em que o benefício vem sendo postergado. E as informações são confirmadas na Relação Anual de Informações Sociais (Rais).

Leia mais: Veja como empresários e trabalhadores avaliam o veto da desoneração
Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Gustavo Gilona