Especialistas afirmam que falta aprofundamento no debate sobre crise climática na Amazônia

Seca dos rios na Amazônia. (26.out.21 - Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

19 de outubro de 2023

13:10

Yana Lima – Da Agência Amazônia

MANAUS – “A Amazônia está queimando, as pessoas não estão conseguindo respirar, e eu não estou vendo grande alarde, nem na mídia, nem grandes esforços por parte dos governantes.” A fala da cantora e ex-BBB Juliette Freire para os seus mais de 30 milhões de seguidores é uma das poucas entre artistas de projeção nacional sobre a crise climática no Amazonas. Mas será que ela tem razão?

Especialistas consultados pela AGÊNCIA AMAZÔNIA avaliam que tanto na mídia, quanto na imprensa e na classe política, quando há debate sobre a Amazônia, ele é raso e pouco fala sobre causas e consequências da crise climática.

A socioambientalista Muriel Saragoussim, membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), avalia que a seca na Amazônia até tem pautado a mídia nacional. A questão é o conteúdo e abordagem rasa destas reportagens. Na opinião dela, a mídia e a classe política evitam se aprofundar, porque este é um debate que requer ações imediatas para alterar o modelo de desenvolvimento brasileiro.

“Ou a gente acredita que precisa proteger os ecossistemas brasileiros, ou a gente vai para uma catástrofe. Infelizmente, é essa a verdade. Porque, senão, nós vamos ter problemas seríssimos em todo o País, porque os eventos extremos das mudanças climáticas estão aqui e vão continuar piorando se nós não fizermos a nossa lição de casa. E eu acho que a grande mídia e a classe política, principalmente, têm uma certa dificuldade em explicar que a gente está errando no modelo de desenvolvimento, que temos que parar de desmatar, que temos que parar de acobertar o que está acontecendo”, alerta.

A seca do Rio Solimões já atingiu as comunidades localizadas na ilha fluvial de Bom Intento, em Benjamin Constant (Divulgação)
Manifestações

Em um País de dimensões continentais, as poucas vozes de nomes de projeção nacional que falam sobre o assunto chega a ecoar. Como se estivessem uma grande sala vazia, onde poucos se manifestam sobre a maior crise humanitária causada pela seca no Amazonas, e que também afeta outros Estados da Região Norte.

Das manifestações no Congresso Nacional, a maior parte foi oriunda de parlamentares da própria região. O senador Paulo Paim (PT-RS) foi um dos poucos de fora a manifestar, em plenário, sua preocupação com a seca na região. O discurso dele, no entanto, foi precedido de uma mensagem de solidariedade às vítimas do conflito no Oriente Médio, assunto que tem pautado várias discussões, tanto na Câmara Federal quanto no Senado.

Seca severa no Lago do Aleixo, em Manaus, no Amazonas. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
Conflitos por territórios

O doutor em Biologia Lucas Ferrante avalia que a ignorância de grande parte da população brasileira sobre a política internacional faz com que temas como a Guerra no Oriente Médio gerem grande comoção, em detrimento de pautas locais igualmente graves, como o que ocorre na Amazônia.

“As pessoas ligam para o conflito do Oriente Médio, que é um conflito de terras, mas estão pouco interessados nas grilagens de terra invasão do povo Mura, que tem tido seu território cerceado por grileiros na área da rodovia BR-319. Um fenômeno, também de invasão e de caminho para um genocídio de um povo aqui na Amazônia, e isso tem sido negligenciado pelos brasileiros”, pontua.

Ele também relaciona a invisibilidade do tema Amazônia a questões como o negacionismo climático, distanciamento geográfico e outras pautas com apelo emocional, que geram mais interesse pela mídia. “Mas não podemos excluir o principal fator de todos, que é a campanha Agro Pop, que não permite falar que as mudanças climáticas são reais, porque logicamente isso está atrelado ao agronegócio brasileiro”, avalia.

Rio afetado pela seca no Acre (Alexandre Noronha/Sema-Acre)
Cobertura jornalística

A jornalista e presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro, destaca que a grande mídia, em sua maioria, tende a limitar a Amazônia aos Estados do Amazonas e Pará. Ela argumenta que a mídia precisa aprofundar suas reportagens e se concentrar nas pessoas que vivem nessas áreas.

Ela destaca que dados do Serviço Geológico do Brasil mostram a diminuição dos níveis de água em seis bacias hidrográficas, afetando também os estados do Acre, Rondônia, Roraima e Pará, regiões que raramente recebem atenção da grande mídia.

Seca no lago do Aleixo, em Manaus. (18.out.22 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

A presidente da Fenaj critica a cobertura jornalística tradicional, que historicamente se concentra no eixo Rio-São Paulo-Brasília, deixando de lado questões em outras regiões do País. Além disso, a abordagem da mídia costuma priorizar aspectos econômicos em detrimento das causas e consequências das crises climáticas, além de negligenciar os impactos sociais sobre as comunidades locais.

“Temos visto uma cobertura midiática nacional que tem dado destaque a questões econômicas em sobreposição ao aprofundamento de causas e de consequências do fenômeno climático, e sobre as questões relacionadas ao povo que vive na região amazônica. Todo e qualquer bioma brasileiro precisa ser retratado nacionalmente sob o viés dos seres humanos que ali estão residindo”, destaca.

A jornalista menciona um exemplo de cobertura em um jornal de abrangência nacional, que deu destaque aos impactos econômicos da seca na Amazônia, como o escoamento de produtos eletrônicos produzidos na Zona Franca de Manaus antes da Black Friday, enquanto ignorava problemas sociais como isolamento de municípios, escassez de alimentos, morte de animais e a falta de água potável, prejudicando particularmente as comunidades já vulneráveis.

Leia mais: Seca dos rios faz preço dos alimentos dobrar no interior do Amazonas
Importância da comunicação
Desmatamento na Terra Indígena Cachoeira Seca (Lilo Clareto/ ISA)

O geógrafo diretor da WCS-Brasil (Associação para Conservação da Vida Silvestre), Carlos Durigan, destaca que diante do cenário de extrema gravidade, tem notado mobilização de gestores públicos e ONGs, com ações de combate a queimadas, crimes ambientais e ajuda humanitária, mas, todo o apoio até agora se mostra ainda insuficiente.

“Daí a importância por uma comunicação mais ampla sobre este cenário, tanto para ajudar na sensibilização das pessoas sobre os desafios que enfrentamos que demandam melhores atitudes em relação às questões ambientais, quanto pelo alerta para que possamos aumentar os esforços para enfrentamentos de crises como esta”, avalia.

Edição: Eduardo Figueiredo

Revisão: Gustavo Gilona