Espécies raras vivem em área visada por petrolífera na Amazônia

Ouriços brancos e rodolitos (algas calcárias) encontrados no sistema de recifes amazônicos na costa do Amapá (Reprodução/Greenpeace)

21 de maio de 2023

16:05

Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A Foz do Amazonas, que ganhou holofotes na última semana após o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) proibir a exploração de petróleo na região, abriga um gigantesco sistema de corais, esponjas, peixes e crustáceos. É o que comprovaram, em 2016, cientistas brasileiros, durante estudo oceanográfico realizado no local.

À época, a descoberta foi relatada na revista Science Advances, que mostrou que os corais amazônicos se assemelham a outros recifes distribuídos pelo litoral brasileiro, com o improvável diferencial de que se desenvolvem em águas barrentas, com pouca iluminação e a uma profundidade de até 120 metros (m). Em condições comuns, as formações coralíneas se firmam em águas rasas e com maior incidência de luz solar.

Pesquisador Rodrigo Leão Moura inspeciona rede de arrasto recheada de esponjas coloridas, coletadas na região -dos recifes amazônicos (Reprodução/Fernando Moraes/JBRJ)

O principal autor responsável pelo estudo é o professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Leão Moura. Ele conduziu a pesquisa que identificou a extensão aproximada de quase 1 mil quilômetros (km) e área de 9.500 quilômetros quadrados (km²) de recifes, que vai do Norte do Maranhão até a fronteira com a Guiana Francesa.

Peixe jaguareçá e lagosta sobre fundo de rodolitos e areia, a 102 metros de profundidade, na Foz do Amazonas (Reprodução/Greenpeace/Ronaldo Francini Filho)

A imensidão do recife amazônico é composta por trechos de algas calcárias, corais pretos ou vermelhos e campos de esponjas naturais gigantes que podem passar dos dois metros de comprimento, além de areais cobertos por algas verdes e estruturas calcárias que podem chegar a 20 metros de altura. Pesquisadores estimam que só 5% desse grande sistema foi investigado, cientificamente, até agora.

Esponjas sobre plataforma calcária, a 102 metros de profundidade (Reprodução/Greenpeace/Ronaldo Francini Filho)
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Outras espécies

Segundo o parecer técnico que embasou a decisão do Ibama, na área visada pela Petrobras, há animais ameaçados de exploração, como o camarão-rosa, o pito, a lagosta vermelha e o caranguejo-uçá. O relatório identifica, ainda, 23 espécies de mamíferos marinhos, entre baleias, botos e golfinhos e duas espécies de peixes-boi.

Das espécies que vivem na região do estuário, algumas estão ameaçadas de extinção, no Brasil, como boto-cinza, boto-vermelho, cachalote, peixe-boi-marinho, peixe-boi amazônico e ariranha. O parecer cita a existência de, pelo menos, 114 espécies.

O peixe-boi-marinho é um dos mamíferos que habita a Foz do Amazonas e está sob ameaça de extinção (Reprodução/Heidelberg/Pixabay)

“A região abriga espécies endêmicas, ameaçadas de extinção, e, muito provavelmente, espécies ainda desconhecidas ou não registradas localmente, tendo em vista o vasto ecossistema recifal recém-descoberto sob a pluma da Foz do Rio Amazonas”, diz, em seu despacho o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.

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Ameaça aos quilombolas e ribeirinhos

No final de 2022, o Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) e do Amapá manifestaram uma recomendação conjunta, direcionada ao Ibama e à Petrobras, que já indicava a suspensão da perfuração marítima na Foz do Amazonas. O órgão apontava a extensão de impactos aos ribeirinhos e quilombolas que vivem no Pará.

Comunidades quilombolas de Abacatal e Aurá, em Ananindeua (PA), seriam as primeiras as serem afetadas com os resíduos oriundos da atividade. Já a comunidade ribeirinha de Pirocaba, em Abaetetuba (PA), sofreria impacto nas atividades pesqueiras.

Comunidade Quilombola de Abacatal, em Ananindeua, região metropolitana de Belém, no Pará (Reprodução/Agência Pará)

O MPF explica, ainda, no documento, que os povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na serão aintigidos com o investimento da petrolífera. Há, também, enorme potencial de danos ambientais sobre a costa da Amazônia Atlântica que poderiam atingir até o mar territorial da Guiana Francesa.

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Especialista

À REVISTA CENARIUM, o geógrafo e ambientalista Carlos Durigan destaca que os peixes que ocorrem no estuário – corpo d’água parcialmente encerrado, que se forma quando as águas doces provenientes de rios e córregos fluem até o oceano e se misturam com a água salgada do mar – abastecem boa parte da população amazônica. Ele ressalta, ainda, que a pesca na região abastece outras áreas do Brasil e até de países vizinhos.

O geógrafo e ambientalista Carlos Durigan (Reprodução/WCS)

“A importância disso é extrema, do ponto de vista do seu papel ecossistêmico e da riqueza da biodiversidade e da sociodiversidade que lá vivem e dependem desse ambiente saudável. A Foz do Amazonas ainda inclui grandes extensões de mangues, a maior extensão de mangues de todo o mundo, e uma das áreas úmidas mais importantes do planeta”, afirma o especialista.

Durigan alerta também que qualquer intervenção na região poderia comprometer a qualidade dos ecossistemas e levar a grandes rupturas. “Além das questões relacionadas à biodiversidade aquática, daria para incluir as espécies que ocorrem nos mangues. Por isso, a importância deles para a região, nos mangues que têm grandes berçários, essenciais para a manutenção das espécies”, complementa.

Recife a 70 metros de profundidade, com esponjas e peixes recifais (Reprodução/Ronaldo F.F./Greenpeace)
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