Estudo aponta que Região Norte passa por crise de investimentos em saúde

Contabilizando 1.421 profissionais de saúde a cada 100 mil habitantes, a Região Norte possui metade do que se encontra no Centro-Oeste, de acordo com levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) (Reprodução/Arquivo Pessoal)

30 de abril de 2023

16:04

Michelle Portela – Especial para Agência Amazônia

BRASÍLIA – Os investimentos em saúde cresceram na última década e já correspondem a 9,6% do Produto Interno Bruto (PIB), entretanto, a Região Norte ainda enfrenta desafios para garantir atendimento básico à população. Contabilizando 1.421 profissionais de saúde a cada 100 mil habitantes, a região possui metade do que se encontra no Centro-Oeste, por exemplo, onde há 2.877 profissionais para cada 100 mil habitantes, de acordo com levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) publicado em março deste ano.

A versão mais recente do estudo do Contas Saúde, publicado neste ano, que analisa os gastos públicos totais do setor, na década anterior à pandemia, revela a evolução das despesas do gênero. “Desse total, R$ 283,6 bilhões (o equivalente a 3,8% do PIB) foram despesas de consumo do governo e R$ 427,8 bilhões (5,8% do PIB) despesas de famílias e instituições, sem fins de lucro, a serviços das famílias”, detalha a publicação.

Para o pesquisador Giacomo Balbinotto, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a expectativa é que a participação dos gastos em saúde já sejam ainda mais significativos, uma vez que houve crescimento dessa mesma despesa com os investimentos no combate à crise sanitária no País .

“O setor de saúde está se tornando cada vez mais relevante, como um setor de atividade econômica significativo, tanto em termos de sua participação no PIB, como fator gerador de renda e emprego. A tendência é que essa participação e relevância aumentem ainda mais”.

No Brasil, o número de pessoas empregadas na cadeia produtiva da saúde chegou a 4,7 milhões, em dezembro de 2022, um aumento de 1,6% no acumulado de 12 meses, do ano passado, nos setores público e privado, de acordo com o mesmo estudo do IESS.

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Investimentos em saúde correspondem a 9,6% do PIB no País (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Emergência

No Amazonas, esse crescimento é acompanhado pela emergência na contratação de profissionais de saúde. A exposição a viagens de longas horas, pelos rios amazônicos, e a distância de grandes centros urbanos são apontados como os principais desafios para garantir a presença, por exemplo, de médicos em áreas remotas, o que justificaria o salário de até R$ 135 mil, de acordo com dados do Conselho de Secretários Municipais do Amazonas (Cosems-AM).

De acordo com o presidente do Cosems-AM, Manoel Barbosa, prefeituras no interior do Estado chegam a pagar R$ 90 mil mensais para um médico especialista atuar no interior do Amazonas. Entre eles, anestesistas e psicólogos são alguns dos profissionais da área de saúde mais requisitados.

“A verdade é que toda a Região Norte ainda é carente de profissionais, mesmo oferecendo altos salários para municípios afastados da capital. Quanto mais isolado o município, mais caro o profissional. A gente, dificilmente, encontra alguém que queira passar trinta dias nessas regiões”, explica Barbosa.

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Exposição a viagens de longas horas, pelos rios amazônicos, é apontada como os principais desafios (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Localizado a 332 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas, o município de Manicoré vive exemplos da abertura de vagas, no setor, em contraste com a dificuldade de manutenção e a oferta de oportunidades com altos salários a profissionais que aceitarem morar no interior, nem que seja apenas por trinta dias.

Natural do Paraná, a médica Rafaela Lopes Fonseca, de 27 anos, atuou no Sistema Único de Saúde (SUS) do município como prática de campo, na especialização em Saúde da Família, pela Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Retornou um ano depois, com diplomas na mão e para uma vaga de trabalho remunerado. “Seria muito difícil não gostar dessa experiência, considerando meu perfil, mas seria impossível sem uma boa oferta”, avalia.

Natural do Paraná, a médica Rafaela Lopes Fonseca, de 27 anos, atuou como médica em Manicoré (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Em Manicoré, o trabalho em áreas de difícil acesso justificam o salário de R$ 25 mil que a médica recebe do município, e outros R$ 3 mil destinados às despesas de moradia dos profissionais. Os valores ainda estão abaixo da média, no Amazonas, onde se pagam salários de até R$ 100 mil para médicos especialistas.

De acordo com dados do Cosems-AM, em todo o Amazonas, salários de anestesistas chegam a R$ 135 mil para jornadas de 30 dias, enquanto cirurgiões e obstetras recebem remuneração de R$ 114 mil por um contrato por este mesmo período.

Descoberta

Formada pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Clara Guimarães Mota, de 25 anos, também atua como médica da família em Manicoré, atendendo à afinidade descoberta durante a graduação, quando se descobriu interessada nas áreas de saúde coletiva e familiar.

“Logo após me formar, quando soube que tinha vaga para médico para a Estratégia de Saúde da Família Ribeirinha, em Manicoré, logo me prontifiquei para a mesma. Após entrevista e apresentação do currículo, fui aceita e em duas semanas viajei para Manicoré“, explica.

Clara Guimarães Mota atua na Comunidade do Capananzinho, a 42 quilômetros da zona urbana de Manicoré (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Atuando na Comunidade do Capananzinho, a 42 quilômetros em linha reta da zona urbana de Manicoré, permanece em regime de 15 dias de trabalho, seja em unidade física ou por meio de transporte fluvial às comunidades, e 15 dias de folga.

“Faço consultas médicas e visitas domiciliares, realizo primeiros socorros e pequenos procedimentos, quando necessário. Esse trabalho me proporcionou criar vínculos com a comunidade, aprender com os ribeirinhos, pensar em saúde de uma forma que eu não estava acostumada. Creio que, hoje, sou uma médica e pessoa melhor. Futuramente, pretendo me especializar em Medicina de Família e Comunidade e fazer pós-graduação em saúde pública ou áreas afins”, explica.

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À REVISTA CENARIUM*, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) informou que o total de médicos servidores da Secretaria de Saúde nos municípios do Amazonas é de 214, de diversas especialidades. A SES-AM afirmou ainda, que há também os médicos de empresas terceirizados, que totalizam 79. No município de Manicoré, há dois médicos em atendimento à população.

*Matéria atualizada às 12h38 de 30 de abril de 2023 para adicionar a resposta da Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM).