Filme amazônico narra a jornada de um pajé em busca da espiritualidade e conexão com os seres da floresta

Equipe da produção Kumarú: cura, força e resistência, curta-metragem rodado na região do baixo Tapajós, em Santarém, no Pará.(Divulgação)

29 de novembro de 2022

20:11

Mencius Melo – Da AGÊNCIA AMAZÔNIA

MANAUS – Chega ao YouTube, no canal “Enfrente”, no dia 1° de dezembro, o filme “Kumarú: cura, força e resistência”, do diretor João Albuquerque, com codireção de Yuri Rodrigues. O roteiro é de João Albuquerque, Yuri Rodrigues e Naldinho Kumaruara. A película leva a assinatura da produtora Dzawi Filmes. A obra é um curta-metragem gravado no território indígena Kumaruara, na aldeia Muruary, região do baixo Tapajós, na reserva extrativista Tapajós Arapiuns, no Pará.

No set de gravação, o diretor João Albuquerque, o coprodutor Yuri Rodrigues e Átila Pereira fazendo os registros do curta-metragem (Divulgação)

Em entrevista à AGÊNCIA AMAZÔNIA, o diretor João Albuquerque e o codiretor Yuri Rodrigues, da Dzawi Filmes, comentaram a obra. De acordo com Yuri, o filme é uma reflexão cinematográfica. “A história, na Amazônia, é marcada por muita violência e silenciamentos que refletem até hoje. E o apagamento simbólico das nossas identidades, culturas e, principalmente, da espiritualidade”, discorreu o roteirista.

Por entender esse contexto histórico, geográfico e político, ele explica a opção pela figura central do curta. “Falar sobre o pajé ou a pajelança é falar sobre as lideranças espirituais da nossa região, é romper com o silenciamento, discriminação e preconceitos construídos em volta da figura do pajé. É também permitir que a narrativa seja protagonizada e contada por nós”, explanou Yuri Rodrigues.

A natureza dita

Gravado em três dias, “Kumarú é resultado do talento e da força de seus produtores, afinal, fazer cinema na Amazônia exige uma dose imane de otimismo. Segundo o diretor João Albuquerque, a natureza dita o tempo. “No set de Kumarú, as distâncias eram grandes, tanto que não tínhamos energia elétrica suficiente para carregar todos os equipamentos de uma vez, pois a casa que ficamos tinha apenas um painel solar e regramos o carregamento dos equipamentos durante as diárias”, revelou.

A vida comunitária do pajé Naldinho Kumaruara, em registro feito pela equipe da Dzawi Filmes, para o curta Kumarú (Divulgação)

Além das dificuldades de logística, a Amazônia também reserva seu oscilante humor climático, que pode surpreender até mesmo os mais experientes produtores do audiovisual. “Mesmo com o cronograma montado, sabemos que a mãe natureza é imprevisível. Algumas externas tiveram que atrasar por conta das chuvas muito fortes. É ter paciência, respeitar o tempo e esperar o momento para prosseguir com as gravações”, resumiu.

Apesar das dificuldades, João revela que a união da equipe fez diferença. “Tivemos oito pessoas envolvidas na produção, cada um assumindo uma função diferente, contando com o diretor, produtor executivo, diretor de fotografia, comunicação, som direto, fotografia Still, assessoria de imprensa e assistente de produção. No fim das contas, todo mundo se ajudou e cada um fez um pouco de tudo no set. Além disso, contamos com a ajuda da família do nosso protagonista, que estava junto, ajudando na produção”, elencou.

A jornada espiritual

Para João Albuquerque, a obra espelha os dilemas da alma de um homem em busca de sua identidade, sua ancestralidade. “O processo de entender a espiritualidade foram os caminhos que Naldinho (pajé) teve que trilhar para reconhecer que ele tinha o dom da pajelança e que essa responsabilidade de curar e cuidar das pessoas tinha que ser cada vez mais entendida por ele e pelos seus parentes para a defesa do seu território”, observou o diretor.

O pajé Naldinho Kumaruara é registrado pelas lentes da Dzawi Filmes durante as tomadas de Kumarú: cura, força e resistência (Divulgação)

Segundo o diretor do curta-metragem, mais que se descobrir, a experiência do pajé Naldinho Kumaruara tem a função de acender as luzes da preservação e a resistência de um povo. “Ser uma liderança de cura requer equilíbrio emocional e moral, é estar em conexão com a natureza e com os encantados, e tudo isso traz o fortalecimento do espírito, onde as pessoas e o movimento indígena ganham força para ir à luta”, destacou João Albuquerque.

Mas, não foi somente o pajé Naldinho Kumaruara que fez reflexões. A experiência deu aos produtores entendimentos para continuar trilhando os caminhos da sétima arte. “A arte nos proporciona uma liberdade artística muito grande, e no cinema não é diferente. Vai aos olhos de cada um se sensibilizar com as histórias do nosso povo e mostrar todo o sentimento que envolve a natureza e o nosso cotidiano. O olhar de quem é de dentro, de quem vive a Amazônia, sempre será mais preciso e real”, aprofundou.

Protagonismo e narrativa

Kumarú é a primeira produção da Dzawi, mas, os planos são de expansão. “Nossa região tem uma diversidade étnica e cultural muito grande, por esse motivo, ainda temos muito o que contar. Pretendemos seguir fazendo registros por meio das temáticas relacionadas aos povos da região. Gente preta, periférica e os povos tradicionais, pois são os que, por muito tempo, vem sendo silenciados e invisibilizados. O cinema é uma ferramenta de luta, uma arma que pode fazer com que esses povos sejam protagonistas das suas histórias”, sintetizou João Albuquerque.

“A nossa luta é para construir um cinema que se distancie dos estereótipos e da narrativa contada sobre nós, sem nós. A nossa intenção é falar sobre a Amazônia sem romantismos e que os discursos não se restrinjam à floresta e ao rio, mas mostrar que, aqui, também tem pessoas que preservam esse grande bioma e fazem a sua manutenção. Sem nós, a Amazônia, provavelmente, já teria sido extinta em meio a essa dinâmica capitalista que entende a nossa região apenas como lugar de saque e exploração”, finalizou Yuri Rodrigues.

O líder espiritual Naldinho Kumaruara em meio a seu mundo verde, repleto de ancestralidades, mistérios e encantarias (Divulgação)

A Dzawi Filmes

A Dzawi Filmes é uma produtora audiovisual e cultural independente, criada em 2020 pelos produtores Yuri Rodrigues e João Albuquerque, no município de Santarém-PA. A atuação da produtora se organiza por meio de produções audiovisuais que buscam o fortalecimento de narrativas amazônicas protagonizadas pelo olhar de quem sempre foi invisibilizado, como aqueles e aquelas que estão nos territórios tradicionais e nas periferias das cidades, dentre eles, a população negra, povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais.

A Dzawi filmes tem na sua criação o objetivo de democratizar o cinema nas periferias da Amazônia e contribuir para a emancipação a partir da comunicação popular como ferramenta de luta e defesa territorial na região do baixo Tapajós. Em suas produções, a produtora busca sempre compor a equipe, majoritariamente, por pessoas de Santarém e da Região Norte, respeitando a equidade de gênero e que sejam pessoas negras e indígenas.