Fotógrafo retrata rotina dos profissionais de saúde durante pico da pandemia no AM

Fotógrafo Amazonense conta histórias com fotografia (Arte: Isabelle Chaves/Cenarium)

08 de janeiro de 2022

19:01

Maria Luiza Dacio – Da Revista Cenarium

No dia 2 de maio de 2020, o fotógrafo amazonense Raphael Alves acompanhou uma equipe da unidade de Serviço Avançado do Samu, nas operações da Base Sul. A médica que o fotógrafo seguia, a doutora Alessandra Said, vinha de um plantão de 36 horas e estava prestes a trabalhar por mais 12 horas, segundo Raphael.

“Nessa época, os pacientes ficavam muito tempo dentro da ambulância, até conseguir uma vaga”, lembra. O fotógrafo conta que a primeira chamada desse plantão foi da mãe de Alessandra. “A mãe dela lutava contra um câncer e havia contraído a Covid-19. Estava em casa. Ela foi lá e atendeu a sua própria mãe”, disse.

Neste dia, Raphael acompanhou a saga dos profissionais que percorreram vários hospitais em busca de atendimento para um paciente, uma senhora que havia sofrido uma parada cardíaca e foi a óbito, além da mãe de Alessandra.

“Essa primeira foto em que ela está atendendo a mãe é uma foto que tem muita importância para mim. Pessoas que viram, comparam à Pietá (Famosa escultura de Michelangelo que mostra Jesus morto nos braços de sua mãe, Maria). Mas eu não gosto dessa comparação”, conta.

Essa foto, que é tão especial para Raphael, compôs uma exposição sobre a Covid-19, no estado do Espírito Santo. “Ao final, eles me deram essa foto impressa numa qualidade muito boa e eu guardei. Vou dar de presente para a doutora Alessandra. Para mim, é uma forma de mostrar a importância dos profissionais de saúde. Ali, é ela com a mãe. Queria que essa imagem ficasse com elas. Recebi a foto em dezembro e ainda não tive tempo, mas é algo que quero muito fazer”, comenta.

Mais que personagem

E a admiração é recíproca. A médica Alessandra Said recorda que não conhecia o trabalho de Raphael até o dia que o autorizaram a fotografar as atuações do Samu, em 2 de maio. “Ele acompanhou nosso trabalho bem durante o olho do furacão, digamos assim. Ele se paramentava todo para seguir nossa ambulância, tentar os melhores ângulos para registrar aquelas vítimas”, disse.

Said revela que Alves era barrado nos hospitais, também. “Ele sentia o calor da espera quando não tinha vagas, quando o oxigênio estava acabando. Toda a angústia que vivenciamos no nosso trabalho”, lamenta.

“E as fotos dele… Eu virei fã! Ele é de uma sensibilidade enorme. Tem um olhar muito profundo. Ele consegue captar não só aquela imagem ou a ação em si. Mas, o sentimento que está por trás: dor, revolta, esperança. As fotos dele passam isso. O olhar dele é claro”, conceitua.

“As fotos dele são parte de mim. Um pedaço da minha vida muito bem representado, com uma gama de sentimentos e uma foto só”, finaliza.

Raphael estudou quais seriam os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) corretos a serem utilizados naquele momento da pandemia (Foto: Raphael Alves/Arquivo Pessoal)

Sobre a profissão

Pergunto a Raphael sobre o seu início na fotografia: “Logo que entrei na faculdade de jornalismo, em 2000, tinha a disciplina de fotojornalismo no 6º período, e como ela não tinha pré-requisito, cursei no 1º ano. Era o que eu queria!”, destaca.

“Quando eu era criança gostava muito de gibi e comecei a querer desenhar, sem muita qualidade, é verdade. Na adolescência, fui me interessando ainda mais por esse mundo das artes visuais e me deparei com a fotografia. Não pensava nisso quando era criança, mas na adolescência, na época de escolher o curso na faculdade, já sabia que queria trabalhar com fotografia”, lembra.

Com seus trabalhos, nos últimos 2 anos, focados na Covid-19 e suas ramificações, Alves confessa algumas dificuldades ao tratar desta temática. “A questão de estar diante da dor dos outros – muitas vezes da sua própria – segue sendo a maior. Tem a questão da segurança daqueles que fotografamos e a nossa própria, pois, podemos ser vetores do contágio nas ruas ou levar para casa”, lamenta.

Sensível, Raphael conta com muitos detalhes, fragmentos da história, que através da fotografia ele eterniza, mas, foge quando o assunto são os clichês que a arte traz consigo.      

“A gente não tem obrigação de querer nada com a fotografia. Eu, particularmente, fotografo porque me interesso e me sinto implicado por aquilo que estou fotografando. Outras pessoas fazem por vários outros motivos. A intencionalidade e a subjetividade ultrapassam o limite do quadro fotográfico”, resume.

Por último, questiono o que é fotografia para Raphael Alves. Simples, ele afirma que é sua forma de se comunicar.

Desde 2020 o fotógrafo amazonense colabora para o jornal americano ‘The Washington Post’ (Foto: Raphael Alves/Arquivo Pessoal)

Homenagens e premiações

Nascido em Manaus, Raphael Alves estudou Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Fotografia na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Artes Visuais no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Obteve também o título de Master of Arts em Fotojornalismo e Fotografia Documental na London College of Communication / University of the Arts, em Londres (ING).

​O trabalho de Raphael Alves foi premiado na 31ª edição do ‘The Best of Journalism da Society for News Design’, 2010. Também ganhou o prêmio Fiema (Feira Internacional de Tecnologia Para o Meio Ambiente) de Jornalismo Ambiental, em 2010. Em 2012, recebeu uma menção honrosa na Concurso Cultural Leica Fotografe.

Em 2013, foi um dos selecionados na ‘Convocatoria Iberoamericana de Proyectos Fotográficos Saltando Muros’, organizada pela Fundación Fondo Internacional de las Artes (FIArt) e a Secretaría General Iberoamericana (SEGIB). Em 2014, o ensaio ‘Limites Imprecisos’, de Raphael Alves, foi premiado com o primeiro lugar no ‘Leica X Photo Contest’.

Em 2015, recebeu o prêmio Fapeam de Jornalismo Científico, na categoria Fotojornalismo. Em 2017, foi premiado no ‘Pictures of The Year Latin America’ (POY Latam). Em 2018, recebeu menção honrosa no Primer Prémio de Fotografía Internacional ‘Memoria Visible’. Em 2020, foi premiado na convocatória do BarTur Photo Award e no edital do Itaú Cultural “Arte como Respiro”.

Em 2021, foi premiado com o primeiro lugar na categoria “La pandemia en Ibero America”, no Pictures of the Year Latin America (POY Latam). No mesmo ano, recebeu menção honrosa no Siena Photo Awards e foi contemplado com a bolsa editorial da Getty Images.