Indicado ao Oscar: leia a entrevista exclusiva com o elenco de ‘O Território’

Numa disputa prévia, o filme venceu a concorrência com mais de 140 obras. Agora, concorre com outros 14 títulos na categoria de Melhor Documentário Longa-Metragem (Thiago Alencar/CENARIUM)

27 de dezembro de 2022

20:12

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – A luta de um povo originário da Amazônia contra o desmatamento, a exploração ilegal de madeira e todo tipo de crime ambiental ao redor de seu território – uma das mais importantes Terras Indígenas (TIs) de Rondônia -, está entre as apostas para a maior premiação do cinema em 2023: a estatueta do Oscar. A história é de luta e resistência da etnia Uru-Eu-Wau-Wau, formada, atualmente, por menos de 200 pessoas.

Astros de “O Território“, os ativistas Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau, Txai Suruí e a indigenista Ivaneide Bandeira, mais conhecida como Neidinha Suruí, revelam, nesta entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM, que ver o título em meio à lista de pré-indicados mais parece um sonho. Eles também comemoram a visibilidade mundial dada à luta indígena, em Rondônia, com os holofotes voltados à obra.

“Eu não tinha ideia do quanto chegaríamos longe”, diz o protagonista e cineasta Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau à reportagem. “Minha alegria foi de zero a cem, num segundo, pois ali está todo o meu trabalho e toda a minha realidade”, acrescenta o jovem ativista.

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Ao centro da foto, a indigenista Neidinha Suruí e os ativistas Txai Suruí e Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau (Reprodução)

O filme documental contou com a participação de cineastas indígenas, teve direção do norte-americano Alex Pritz e produção executiva da ativista Txai Suruí, que ganhou destaque internacional ao discursar na Conferência do Clima de Glasgow, em 2021. Trata-se de uma coprodução entre Brasil, Dinamarca e Estados Unidos. 

Anunciado na última quarta-feira, 21, entre os escolhidos para seguir na “briga” por uma vaga no Oscar, “O Território” venceu uma disputa prévia com mais de 140 obras. Agora, concorre com outros 14 longas na categoria de Melhor Documentário Longa-Metragem. Já a lista final de indicados será revelada no dia 28 de janeiro e a cerimônia de premiação acontece em 12 de março de 2023.

Luta e resistência

O filme gira em torno de toda a luta e resistência de uma única comunidade. Mostra como as equipes de vigilância, fundadas pelos próprios indígenas, atuam contra todo tipo de invasor, especialmente, grileiros e pecuaristas. Do alto, por exemplo, monitoram o avanço da degradação em torno da reserva, que tem quase 2 milhões de hectares de terra, com tecnologia de ponta: drones equipados com câmeras de alta definição

“As equipes de monitoramento já existem há muito tempo (…) a gente consegue dividir esse trabalho entre homens e mulheres, cerca de 30 a 40 pessoas, mais ou menos”, explica Bitaté. “Agora, nós utilizamos dados tecnológicos para saber sobre cada ponto de desmatamento, como GPS e satélites”, conta o ativista.

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O jovem líder indígena, cineasta e ativista Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau (Acervo Pessoal/Reprodução)

Três anos de produção

As gravações capturaram o dia a dia dos indígenas e aliados na defesa da reserva. Takes que renderam momentos emocionantes e dramáticos, em tela, como a notícia do assassinato do ativista Ari Uru-Eu-Wau-Wau, morto em 2020 por denunciar a exploração de madeira na região. Toda a história é contada ao espectador por Bitaté e Neidinha, os fios condutores de “O Território”. 

Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi encontrado morto em uma estrada, em 2020. Ele era perseguido por atuar contra os crimes ambientais na TI Uru-Eu-Wau-Wau (Reprodução)

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“É um documentário, é a vida real”, ressalta a indigenista e presidente da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.

“Durante três anos e três meses, eles [produção] acompanharam a gente, ali, o tempo todo. Chegou um momento, acho que na metade do primeiro mês, que eu já nem ligava mais. Pensei: ‘vou abstrair que tem gente me filmando’, tanto é que o filme pega os meus piores momentos. Os piores momentos, que eu, que os Uru-Eu-Wau-Wau passamos”, contou Neidinha.

“O filme é um momento muito trágico da história brasileira. Os últimos quatro anos mais trágicos para a questão ambiental e para os direitos humanos no Brasil. Eu comparo até com o período da ditadura militar”, lamentou a indigenista.

Para a indigenista Neidinha Suruí, os últimos quatro anos foram tão sombrios para as populações originárias quanto a ditadura militar (‘O Território’/Divulgação)

Neidinha revela que assistiu ao filme completo apenas uma única vez e que sempre ficava do lado de fora das sessões do longa, durante a campanha de divulgação, para não ter de reviver o passado. “Quando o filme termina, eu entro de volta, pois é reviver aquilo tudo de novo, foram momentos muito difíceis”, desabafou. 

Conhecimento como arma

Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau revela que mesmo que “O Território” esteja rodando o mundo, agora, com cerca de 30 premiações, “as invasões, a pressão e as ameaças permanecem”. “Estamos resistindo, como a gente sempre trabalhou, para que as invasões diminuam. Ainda estamos na luta”, afirmou ele.

“Eu digo que, nós indígenas, eu, por exemplo, não estou protegendo a terra indígena somente para mim. Estou protegendo para os povos isolados, para a população de Rondônia, também, sabendo que as nascentes principais saem do território Uru-Eu-Wau-Wau e servem para irrigar várias cidades (…) a água que passa cortando o Estado é do nosso território e é muito importante proteger”, diz ainda o protagonista do filme.

“Eu acho que as pessoas precisam saber mais sobre Rondônia e, também, dar uma força para o filme, que nos apoiem nas questões ambientais. Poucas pessoas do nosso Estado têm esse conhecimento”, acrescentou.

Concorda com ele a ativista e produtora executiva Txai Suruí. “A gente sabe que para reverter essa situação vamos precisar de um esforço de muita gente, não só do nosso: do governo, da sociedade civil e da iniciativa privada. Mas uma diferença é que você consegue fazer alguma coisa e juntar essas pessoas quando elas sabem do que está acontecendo, quando estão cientes da realidade do que acontece aqui”, destacou Txai Suruí.

Produtora executiva de ‘O Território’, Txai Suruí diz que ‘a ficha ainda não caiu’ sobre estar concorrendo ao Oscar (Acervo Pessoal/Reprodução)

“E como nós podemos cobrar, se as pessoas não sabem, se não estão informadas, e nunca entenderam porque a história contada para elas foi outra? Acredito que o nosso filme, ‘O Território’, traz essa noção de como os povos indígenas do Brasil são importantes, especialmente, quando falamos de conservação da floresta”, declarou a produtora executiva.

Já sobre concorrer ao Oscar, Txai diz que “a ficha ainda não caiu”. “Isso é fora da nossa realidade. Imagina eu chegar e falar para uma pessoa: ‘então, meu filme tá no Oscar’. Nem a gente entendeu o peso disso ainda“, disse entusiasmada. 

Preservar é preciso

“A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau é de uma importância grande para Rondônia, para a Amazônia e para o planeta, porque ela é uma barreira”, alerta a indigenista e presidente da ONG Kanindé.

“Ela concentra as nascentes dos principais rios de Rondônia, então, ela é importante para a biodiversidade, para a questão cultural, para os direitos humanos e para a economia e agricultura deste Estado. Se destrói a TI, tem um impacto muito grande na economia”, diz ainda. 

Veja o trailer de ‘O Território’

No Brasil em 2023

Rodando em cinemas estrangeiros, “O Território” chega ao Brasil em 2023, pelo serviço de streaming Disney+, confirmou Neidinha Suruí à REVISTA CENARIUM. Os assinantes da plataforma terão o filme disponível no catálogo a partir de 13 de janeiro.  

“Imagina um filme deste estando no Oscar. Vai jogar luz sobre toda essa questão ambiental, climática e de assassinatos de ativistas no Brasil. Então, é super importante e eu estou contando muito com isso”, concluiu Neidinha Suruí.

“Nós sabemos o poder do audiovisual e da tecnologia dentro dos territórios. Eu não tenho palavras sobre estar concorrendo, assim, em nível mundial. Estou muito feliz porque, se conseguirmos, é Rondônia, é o Norte do Brasil chegando ao Oscar”, declarou, por fim, Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau.

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