Interesse político? Ozonioterapia é tema de debate político no Congresso

Ozonioterapia (Divulgação)

13 de agosto de 2023

16:08

Alessandra Leite – Especial para Agência Cenarium Amazônia*

SÃO PAULO (SP) – Sancionado pelo governo no último dia 4 de agosto, o Projeto de Lei (PL) 9001/2027, que aprova a Ozonioterapia dentro da Lei 14648/2023, trouxe à tona uma série de discussões sobre o papel do Congresso Nacional na regulação sanitária e os potenciais riscos para a saúde da população em prol de interesses políticos.

O equipamento emissor de ozônio para a realização da ozonioterapia – aprovada como tratamento médico complementar – somente tem regulamentação da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratamento odontológico e procedimentos estéticos de limpeza e assepsia da pele, ressalta a professora e doutora em Saúde Pública e em Política Social, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Elize Massard da Fonseca.

Segundo a Anvisa, os equipamentos médicos emissores de ozônio são atualmente utilizados em aplicações odontológicas, como o tratamento antimicrobiano para cárie dental e em procedimentos estéticos de limpeza e assepsia da pele. No entanto, ainda não existem evidências científicas que comprovem sua eficácia no tratamento de enfermidades, como é o caso da dor crônica e das inflamações”, esclarece a cientista.

Na ocasião da aprovação da lei, o ex-ministro da Saúde Nelson Teich chegou a comparar a liberação do uso da ozonioterapia à ineficiência da cloroquina contra a Covid-19. Teich permaneceu no cargo por menos de um mês, no momento mais crítico da pandemia, e pediu demissão após ter sido pressionado pelo então governo de Jair Bolsonaro a expandir o uso da cloroquina, inclusive para casos leves da Covid-19.

A despeito da nota de esclarecimento emitida pela Anvisa, para Teich, “é um erro acreditar que o tratamento será usado apenas nas situações hoje liberadas e que somente profissionais altamente qualificados farão uso do medicamento. Extrapolação de indicações e uso inadequado sempre podem acontecer”, declarou, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

A sanção gerou repercussão negativa e levou a Anvisa a se pronunciar sobre a questão. Cabe à agência regulatória a responsabilidade de avaliar e aprovar terapias, medicamentos e vacinas, portanto, essas decisões são fundamentadas em estudos de ensaios clínicos que avalizem a segurança e a eficácia dos produtos. Para Elize Massard, o fato de a agência ter sido criada como uma entidade independente foi justamente com a intenção de assegurar a autonomia na tomada de decisões e evitar influências comerciais e políticas na aprovação de produtos relacionados à saúde.

Técnica envolve aplicação de oxigênio e ozônio na pele ou no sangue para conter infecções (Igor Alecsander/GettyImages)
Interferências políticas

Conforme a doutora Elize Massard, estudos realizados por pesquisadores da FGV sugerem que o Congresso tem atuado para alterar as competências normativas e fiscalizatórias dessas instituições. “No caso específico da Anvisa, parlamentares têm trabalhado para evitar a restrição de determinadas atividades ou condutas por parte do órgão regulador. Situações semelhantes ocorreram com a liberação dos medicamentos anorexígenos e a fosfoetanolamina, ambas revertidas pelo STF, e mais recentemente, a autorização para a importação excepcional da vacina Sputnik V, que mesmo aprovada, nunca foi comercializada no Brasil”, exemplificou.

Na avaliação da especialista, é preocupante a brevidade e a falta de detalhes no projeto de lei que regulamenta o uso da ozonioterapia, pois “espera-se que projetos de lei apresentem uma justificativa clara ao serem submetidos ao Congresso”.

Além disso, destaca Elize, durante o processo de tramitação, não aconteceram audiências públicas com a participação de especialistas para debater o assunto. “A análise das comissões limitou-se a alterações semânticas, debates sobre a legitimidade jurídica e possível ampliação dos profissionais habilitados para a aplicação desse tratamento. Além disso, quando um projeto de lei chega à mesa do presidente para sanção ou veto, ele tem o poder de exercer sua prerrogativa para avaliar a adequação da legislação”, pontuou, acrescentando que, nesse contexto, a conjuntura política pode ter desempenhado um papel relevante na decisão do presidente, bem como foi observado anteriormente em casos similares.

Segundo a professora da FGV, no caso da ozonioterapia, a questão ganha ainda mais complexidade por se tratar de uma prática integrativa de saúde, de acordo com uma portaria emitida pelo então ministro da Saúde Ricardo Barros. “A falta de embasamento científico pode colocar em risco a saúde da população, uma vez que a ozonioterapia pode ser vista como uma alternativa de tratamento, mas ainda carece de evidências sólidas sobre sua eficácia e segurança em diversas aplicações médicas. Nesse caso, é de fundamental importância que as autoridades de saúde monitorem a aplicação e promovam a transparência e participação da comunidade científica e da sociedade no debate sobre a eficácia e a segurança dessa terapia complementar’, finaliza.

Ricardo Barros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Microbiologista critica sanção e fala dos riscos

Para a microbiologista do Instituto Questão de Ciência Natalia Pasternak, uma das mais contundentes contestadoras de tratamentos alternativos sem evidências científicas, o uso da combinação do gás ozônio com o oxigênio, que se configura como a ozonioterapia, é um perigo real para a saúde da população, sendo, inclusive, proibido nos EUA por ser considerado um procedimento arriscado. “A desculpa é a de que se trata de um gás desinfetante e de fato é, sendo usado para limpar piscinas, por suas propriedades bactericidas. Normalmente é utilizado em superfícies, mas isso não quer dizer que pode ser injetado no corpo humano”, criticou.

Pasternak mencionou a liberação da Anvisa para fins estéticos e refutou o uso em articulações ou em via retal para curar um número “absurdo” de doenças, com alegações consideradas extraordinárias que os proponentes da prática fazem. “É muito complicado que a gente tenha esse projeto de lei sancionado agora, e que a ozonioterapia possa se estender para práticas que não são autorizadas pela nossa agência regulatória, contra as recomendações de todas as sociedades médicas e científicas e do próprio Ministério da Saúde”, censurou. 

Em um canal de entrevistas no YouTube, Pasternak reforçou a característica corrosiva do ozônio e mencionou o caso de uma amputação de perna após uso da ozonioterapia para problemas de articulação no joelho.

Microbiologista do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak (Divulgação)
Conselho de Medicina X Associação Global de Ozonioterapia

Sabe-se que a prática da ozonioterapia não é recomendada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) fora de pesquisas experimentais. O Conselho assegura que a terapia não tem reconhecimento científico para o tratamento de doenças.

Por outro lado, o médico Antonio Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz) e da Associação Global de Ozonioterapia, garante que os representantes da prática não defendem o tratamento como cura para doenças como câncer, autismo e doenças neurológicas.

Teixeira diz ter ciência de estudos e trabalhos sendo feitos, mas sem uma conclusão que seja convincente. Ele assegura que a indicação da ozonioterapia é para ação analgésica e anti-inflamatória.