Líder indígena Aílton Krenak critica colonialismo e o ‘consumo do planeta’ durante evento; ‘Não temos civilização aqui’

18 de abril de 2022

21:04

Yusseff Abrahim – Da Revista Cenarium

MANAUS – “Se existe uma narrativa institucionalizada pela longa tradição judaica e cristã, que de certa maneira compreende 2/3 da população do planeta, é a de que a gente pode comer esse planeta feito um bolo de Natal e que, após a virada do ano, temos um novo planeta para consumir”, afirmou o líder indígena Aílton Krenak, na abertura do evento ‘Diálogos Contemporâneos’, na noite desta segunda-feira, 18, em Brasília, com o tema ‘A cultura do descarte, sociedade do consumo: meio ambiente e o futuro da humanidade’.

O autor dos livros “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” (2019) e “O amanhã não está a venda” (2020) criticou que mesmo após enfrentar uma pandemia e se deparar com a incerteza de se estar vivo, no dia seguinte, a humanidade se acomodou num movimento que aprofundou a necessidade de consumo e o capitalismo em si.

“Havia a ideia de que sairíamos melhores, mas ali pelo meio da pandemia percebi que não tínhamos aprendido nada. Todo mundo estava refém, apavorado de sair, enquanto o capitalismo acelerou fazendo os pobres decaírem nas suas condições e os ricos ficarem mais ricos”, destacou.

A ideia de que existe um modelo de vida ideal, imposto desde a chagada dos portugueses em oposição aos povos indígenas nativos, e a evolução para a sociedade atual movida pelo consumo, na visão do líder Krenak, não projeta perspectivas favoráveis para a chamada ‘civilização’.

“Estamos avançando para uma sociedade das grandes corporações. Elas estão maiores do que os governos e estão nos levando para um futuro sombrio em que a cidadania será suprimida. Não teremos cidadãos, teremos apenas consumidores”, prevê.

Krenak lembrou dos acidentes com as barragens de rejeitos de minérios, em Minas Gerais, como principais consequências da falta de regulação sobre uma sociedade comandada por empresas e para o planeta. “Nós vimos 620 quilômetros de rio se transformar em uma carpete podre de lama. Estamos na fase mais voraz do capitalismo”.

25 anos de uma tragédia

Na abertura do evento, a jornalista Verenilde Pereira relembrou que há 25 anos, nesta mesma véspera do Dia dos Povos Indígenas, se despedia do amigo Galdino Jesus dos Santos após uma agenda de encontros referentes à demarcação de Terras Indígenas, para algumas horas depois, receber a notícia de que o líder indígena teve o corpo queimado e morto por cinco jovens moradores do plano piloto.

“Essas imagens de despedida do ‘a gente se encontra’ e do corpo queimado são inconciliáveis, mas ela aconteceu e foi feito por um grupo da nossa mesma espécie (humana)”.

Sobre a justificativa dos autores, de que se tratava ‘apenas de um mendigo’, Verenilde refletiu sobre a visão dos jovens, sobre pessoas de grupos vulneráveis, que persiste até hoje.

“Alegaram que era um mendigo. Então, como é que fica o mendigo, como é que fica para o indígena nessa linha de frente do descarte? Como ficam com todas as suas vulnerabilidades em comparação a um grupo que tem muito mais proteção, que eram ‘de boa família’, bons filhos que fizeram essa junção de pessoas que podem ser descartadas?”, questionou.

Ciclo de palestras

Aílton Krenak inaugurou o ciclo de conferências ‘Diálogos Contemporâneos’, que levará ao contato com o público nomes proeminentes do cenário nacional para discorrer sobre temas atuais e novas perspectivas para o Brasil. A partir dos saberes e obras literárias de grandes escritores e escritoras é realizado pela Associação Amigos do Cinema e da Cultura (AACIC), Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo (Secult/Mtur), com apoio do Shopping Liberty Mall.

Sobre o palestrante

Líder indígena da etnia Krenak, ambientalista, escritor, poeta, filósofo e considerado um dos principais pensadores brasileiros. Organizador da Aliança dos Povos da Floresta que reúne população ribeirinha e indígena na Amazônia. É professor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Comendador da ordem de Mérito Cultural da Presidência da República.


Veja os próximos eventos:

19 de abril – 19h
Sérgio Vaz
Tema: “Literatura e realidade”

26 de abril – 19h
Fernando Morais
Tema: “Guerras culturais – corações e mentes, negacionismo e pós-verdade”

2 de maio – 19h
Preta Ferreira
Tema: “Desigualdades étnico-raciais, memória e apagamentos de negras e negros na história”

3 de maio – 19h
Fabrício Carpinejar
Tema: “O envelhecimento e o espaço social dos que não são mais jovens”

9 de maio – 19h
Mary Del Priori
Tema: “Opressão, sofrimento e depressão na construção histórica do Brasil”

10 de maio – 19h
Tony Bellotto
Tema: “Segurança e violência policial na literatura brasileira”

16 de maio – 19h
Viviane Mosé
Tema: “O alvo da vida não é ser feliz, é aprender a viver”