Lideranças e especialistas falam de protagonismo e direitos fundamentais no Dia Internacional dos Povos Indígenas

São 29 anos de reconhecimento da luta de populações originárias de todo o planeta (Foto: Audiovisual/PR)

09 de agosto de 2023

13:08

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – Criado em 1994, pela Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo celebra, quase pela trigésima vez, o Dia Internacional dos Povos Indígenas, nesta quarta-feira, 9. São 29 anos de reconhecimento da luta de populações originárias de todo o planeta. Uma fração de tempo pequena, por outro lado, quando se coloca na balança toda a história de ancestralidadecostumes, cultura e conquista de direitos desses povos.

Apesar do protagonismo e visibilidade alcançados hoje, ainda existem inúmeras metas a atingir, como explica à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA o procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Eliesio Marubo. 

“A questão indígena remonta à década de 1960, no Brasil, e, desde lá, certamente nós tivemos muitos avanços. Prova disso é que na atualidade, nós podemos gozar de direitos e prerrogativas que nunca antes na história do País nós poderíamos imaginar”, avaliou Marubo.

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Silhueta de homem indígena, em São Félix do Xingu (PA) (Thiago Gomes/Agência Pará)

“Em relação à luta no cenário internacional, estamos avançando de uma maneira muito rápida, sobretudo na seara do Direito, que são os pontos focais e fundamentais para resguardar os direitos fundamentais, como a proteção à vida, direito à saúde, à educação e outros. São lutas internacionais e históricas que se juntaram com a luta do Brasil a partir dos anos 1960 de 1970. Comandos reconhecidos nas cortes e nos espaços internacionais da construção da política mundial. Isso certamente foi um avanço bem grande”, disse o procurador jurídico da Univaja. 

“A grande questão é: ainda que nós consigamos atuar nesses espaços, o resultado é muito baixoEu não acho que o protagonismo na questão do meio ambiente foi, por exemplo, de fato, alcançado.(…) Podemos até ter protagonismo, mas isso de fato não tem trazido resultados da forma que nós esperamos, e isso é ruim porque a gente deixa de ser ouvido e o que a gente tem a falar deixa de ser considerado”, lamentou.

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O procurador Jurídico da Univaja, Eliesio Marubo (Foto: Pedro França/Senate Agency)
Brasil Indígena

Conforme os novos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena do país saltou 82% nos últimos 12 anos. São mais de 1,6 milhão de pessoas vivendo, especialmente, na Amazônia Legal. O bioma abriga 51,2% dos povos indígenas brasileiros. 

Mesmo toda essa diversidade tendo chegado a locais importantes de representatividade e discussão pelo futuro do planeta, levando a voz da floresta para as conferências climáticas e movimentos sociais mundo afora, ainda há muitos mais a fazer pela garantia desse e de outros direitos. Ser ouvido é um deles. 

“Nós temos uma participação muito mais eficaz [nas discussões climáticas e ambientais], alcançamos lugares que não imaginávamos alcançar, sobretudo nesses eventos internacionais. Porém, na Cúpula de Belém, por exemplo, foram indicadas muitas informações e a gente vê, agora, no desenrolar da reunião, com os chefes de Estado, que tudo aquilo que antecedeu a esse evento está sendo pouco utilizado. Isso vai dar pouca eficácia naquilo que nós tínhamos proposto inicialmente”, revelou Eliesio Marubo à reportagem.

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Cacique Raoni é ouvido no bloco de Diálogos Amazônicos, na Cúpula da Amazônia, em Belém (Foto: Audiovisual/PR)
Novas políticas

Para o procurador, os dados do mais recente Censo do IBGE trazem “grande positividade”, especialmente na busca da garantia de direitos fundamentais para a população indígena. “Primeiro, porque é depois do Governo Bolsonaro, que negou o direito dos brasileiros de conhecerem os seus problemas sociais”, afirmou. 

Houve um trabalho muito pesado por meio dos órgãos para fazer com que o Censo viesse prevalecer e, agora, esse resultado traz informações importantes para que a gente possa pensar uma política pública de atenção aos povos indígenas em vários níveis”, disse ainda.

Quem concorda com Marubo é a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, Joenia Wapichana. “É fundamental que, na construção de estratégias voltadas aos povos indígenas, tenhamos dados que servirão para um planejamento estratégico, não somente números sobre a população, mas faixa etária, localização e no que precisamos avançar em termos de políticas sociais, políticas ambientais e para nos organizarmos como cidadãos brasileiros”, disse ela, durante o lançamento dos dados, em Belém.

Primeira mulher indígena presidente da Funai, Joenia Wapichana (Foto: Reprodução/PR)

“O novo governo abriu espaço de diálogo criando o Ministério dos Povos Indígenas e abrindo outros espaços para que a gente possa tratar daquilo que é mais importante, a matéria-prima da política, que é conversar. Isso tem sido importante: a possibilidade de dialogar com esse governo, que é um governo que, de alguma maneira, estabelece ambientes de comunicação importantes com o movimento indígena e com as demandas indígenas no Brasil”, destacou Eliesio Marubo.

Visão estereotipada

O preconceito sofrido por comunidades indígenas, pelo simples modo de serem e de viverem é algo que incomoda o professor de Direito e Diversidade Étnico Racial, de Gênero e Estatuto das Minorias, Fábio Santana. 

“O brasileiro, o ser humano, é preconceituoso, infelizmente. E é por uma questão educacional, até. As pessoas têm que entender que as diferenças existem. E nosso maior desafio na vida é esse: viver com as diferenças”, disse o especialista em entrevista à CENARIUM AMAZÔNIA.

O professor de Direito e Diversidade Étnico Racial, de Gênero e Estatuto das Minorias, da FIMCA-Vilhena, Fábio Santana (Divulgação)

Outro ponto criticado por ele é a visão estereotipada direcionada aos povos originários. Cerca de 70% dos indígenas de Rondônia, por exemplo, vivem em moradias fora dos territórios tradicionais, de acordo com o IBGE. Informação que, por si só, alimenta pensamentos preconceituosos, como a ideia de que só é indígena “de verdade” quem mora nas aldeias e não usa tecnologia.  

“É o mesmo que dizer que o negro não precisa se proteger do sol porque ele tem mais melanina. Todo mundo quer ter a tecnologia em seu favor. Se a tecnologia existe para facilitar a vida do ser humano, o indígena também é um ser humano e nada mais justo do que ele também se utilizar dela, dos veículos e tudo mais. O acesso e o conhecimento são para todos, e com os povos indígenas não seria diferente”, afirmou o professor do Centro Universitário Aparício Carvalho (FIMCA), em Vilhena, no interior de Rondônia.

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Ainda assim, para Santana, o cenário atual é bem mais favorável e indica a tendência de uma mudança para melhor. “Os avanços são notórios e o principal deles é este aqui, agora: você, aqui, numa faculdade de Direito, me entrevistando sobre essa situação. Hoje, temos aulas sobre isso. E só o fato de haver um problema como esse sendo estudado, divulgado e discutido, já é um grande avanço”, destacou.

Ele finaliza dizendo que além da representatividade indígena nos debates, na política e nos demais espaços, também é preciso de aliados. “Não só os indígenas, mas pessoas não indígenas que também compram essa luta”, concluiu.