Logística da morte, o superfaturamento que custou vidas em Manaus

Valas comuns em meio à primeira onda de Covid-19 (Alex Pazuello/Secom)

05 de outubro de 2023

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Lucas Ferrante – Especial para Agência Cenarium Amazônia*

MANAUS (AM) – A cidade de Manaus foi uma das primeiras cidades do mundo a enterrar pessoas em covas coletivas na pandemia de Covid-19. Diversos estudos já demonstraram que a tragédia vivenciada em Manaus poderia ter sido evitada se o governo federal não fosse negligente no controle da pandemia.

O primeiro alerta da possibilidade de uma segunda onda de Covid-19 em Manaus foi feito em maio de 2020, por meio de uma nota técnica coordenada por mim e assinada por diversos pesquisadores. A nota indicava o risco ao Ministério Público do Estado do Amazonas.

Em julho, um segundo alerta nacional foi feito no Jornal Nacional, da Rede Globo, e em agosto, por meio de um artigo publicado no periódico científico Nature Medicine, alertamos que a negligência política conduziria Manaus a uma segunda onda de Covid-19.

A culpabilidade desta tragédia pode ser atribuída a diversos indivíduos, incluindo a falsos estudos que conduziram a tomada de decisão equivocada por políticos, como pelo negacionismo dos próprios políticos, como foi apontado nos periódicos científicos ScienceNature Medicine e Journal of Public Health. Apesar do negacionismo científico que matou milhares de pessoas em Manaus e em todo o Brasil, a tragédia de Manaus foi agravada por outros fatores, como demonstrou um estudo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, do renomado grupo Springer Nature. 

O estudo apontou que a obediência cega de ministros ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como disse o próprio ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, “um manda e o outro obedece”, a inépcia técnica dos ex-ministros e a tentativa de usar a tragédia de Manaus para promover uma promessa de campanha de Bolsonaro agravaram a crise da falta de oxigênio em Manaus. Em meio a isso, não podemos nos esquecer que Bolsonaro imitou pessoas com Covid-19 sufocando pela falta de oxigênio.

O estudo torna claro, tanto a responsabilidade como a culpabilidade da tragédia da falta de oxigênio, no ápice da segunda onda de Covid-19 em Manaus, dos ex-ministros Eduardo Pazuello e o ex-ministro e hoje governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas para promover um lobby da repavimentação da rodovia BR-319, que foi uma das promessas de campanha de Jair Bolsonaro.

O estudo apontou que o Ministério de Infraestrutura, comandado por Tarcísio de Freitas, anunciou que faria uma rota emergencial para atender a demanda de oxigênio em Manaus. Segundo o card do próprio Ministério e do DNIT (órgão responsável pela pavimentação da rodovia), a melhor rota, supostamente, seria pela rodovia BR-319 e a rota alternativa seria saindo de Belém, no Estado do Pará, transportando o oxigênio no contrafluxo do Rio Amazonas. 

Banner do Ministério da Infraestrutura no Twitter anunciando rota emergencial pela BR-319 para facilitar o transporte de oxigênio para Manaus

Estudo publicado no periódico científico do grupo Springer Nature comprova que a tragédia da falta de oxigênio em Manaus ocorreu devido à adoção da pior estratégica logística por Pazuello e Tarcísio para promover promessa de campanha de Bolsonaro, além de ter sido superfaturada. 

Leia o estudo científico na íntegra: https://link.springer.com/article/10.1007/s40615-023-01626-1

*Lucas Ferrante é biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestre e doutor em biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Dentre suas diferentes áreas de pesquisa, tem pesquisado a grilagem e invasão de terras na Amazônia, zoonoses e dinâmicas epidemiológicas.

(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.