Manaus 353 anos: artistas manauaras declaram suas críticas e inspirações pela cidade

Da esquerda para direita: a cantora Lorena Simpson, o performer Francisco Rider, o compositor, poeta e jornalista Aldisio Filgueiras e a cantora Karine Aguiar (Arte: Mateus Moura/ Agência Amazônia)

24 de outubro de 2022

14:10

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – Conhecida pela sua cultura, fauna, flora, arquitetura e tradicionalidade, a capital do Amazonas, Manaus, completa 353 anos em 2022 e é responsável por inspirar e compor as criações e expressões artísticas de quem nasceu na capital do Amazonas.

Fundada em 24 de outubro de 1669, como uma fortaleza de controle ao acesso à Amazônia, entre os rios Negro e Solimões, a cidade recebeu o nome de Manaós, em 1856, em homenagem ao grupo de indígenas conhecidos pela coragem e valentia.

Com 2.255.903 de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Manaus hoje é a sexta maior economia do País e integra a lista das 100 melhores cidades para se viver no Brasil de 2021, segundo os dados do Índice dos Desafios da Gestão Municipal (IDGM).

Manaus completa 353 anos em 24 de outubro de 2022 (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

Em comemoração ao aniversário de Manaus, a AGÊNCIA AMAZÔNIA reuniu artistas manauaras de diversos segmentos para falar sobre os impactos da cidade nas produções artísticas e quais as expectativas para os investimentos na cultura após o segundo turno das eleições para presidente da República e governador do Amazonas.

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Berço do maior Festival de Ópera da América Latina e palco de outros inúmeros concertos e produções artísticas de música, dança, artes plásticas e arquitetura, o Teatro Amazonas é um dos pontos centrais das construções criativas na cidade e uma das inspirações da cantora manauara Lorena Simpson (@lorenasimpsonoficial).

Dona do hit ‘Brand New Day’, Lorena Simpson revelou à AGÊNCIA AMAZÔNIA possuir uma ligação afetiva com o Centro Histórico de Manaus, onde ficam localizados grande parte dos pontos turísticos da capital, incluindo o Teatro Amazonas.

Cantora Lorena Simpson mostra em suas músicas e videoclipes o amor por Manaus (Arquivo Pessoal)

Tenho um relacionamento afetivo com essa parte da cidade por ser nascida e criada ali, e eu sempre amei morar próximo ao Teatro Amazonas. Tenho muitas memórias do Teatro e da Praça de São Sebastião que, com certeza, influenciam e impactam a minha história”, afirma a artista, que recentemente lançou a música “Felicidade”, em parceria com Raylla Araújo, cantora mirim nascida em Presidente Figueiredo.

A artista conta que grande parte do seu trabalho é impactado por outros cantores que nasceram na Região Norte. “A Raylla é uma artista de grande potencial da nova geração. Além dela, acompanho o Victor Xamã, Anna Suave, Rafa Militão, Karen Francis, Dan Stump, Unna, OSants, Gabi Farias, entre outros. Todos esses artistas são inspirações para mim pelo talento, criatividade e versatilidade, além do impacto que fortifica e movimenta a cena artística nortista“, afirma.

Na avaliação da cantora, todas as expressões artísticas do povo manauara, seja por meio da música ou do artesanato, geram um potencial turístico que pode ser aproveitado por quem vai estar à frente do Governo do Amazonas e da Presidência.

Ela conta que já leu diversas pesquisas e estudos que comprovam o impacto da arte e do entretenimento na economia criativa em diversos países, e que esse resultado poderia ser empregado em Manaus, por meio de projetos de fomento, que geraram empregos.

“A meu ver, os governos federais e estaduais precisam ter esse olhar diferenciado e entender que investir em arte traz sim resultados positivos e que mudanças, incentivos e investimento são ferramentas necessárias para haver crescimento e expansão do nosso Amazonas para ganhar o espaço que merece em âmbito nacional e mundial”, relata.

Cantora Lorena Simpson (Arquivo Pessoal)

O premiado performer Francisco Rider traz críticas em suas obras sobre o abandono de determinados pontos da cidade, antes utilizados para turismo e lazer. “Quando fiz o projeto Outras Manau(s), eu fui performar em vários desses sítios em estados deploráveis, mas que antes eram, de certa forma, “paradisíacos”. Mas apesar dos seus estados de destruição, continuam ‘mágicos’”, diz.

A apresentação de Francisco foi realizada no Balneário da Ponte da Bolívia, Parque Amazonense, Cachoeira Alta do Tarumã, Pátio das Lajes, Balneário do Parque 10 e Orla do Amarelinho, e recebeu o Prêmio Conexões Culturais 2019 – da Manauscult.

Francisco Rider usa a cidade como parte de suas apresentações (Arquivo Pessoal)

Entre as inspirações de Rider, ele cita Bernadete Andrade, importante pintora, desenhista, professora e cenógrafa, nascida em Barreirinha, no interior do Amazonas. “Minha amiga Bernadete Andrade (1953-2007), com quem colaborei em São Paulo no espetáculo “Pegamater” (1994), de minha autoria, fez a concepção visual. Gosto muito da relação simbólica que ela tinha com a cidade de Manaus”.

O artista cita ainda o trabalho visual de Roberto Evangelista (1946-2019), “desde que vi uma instalação dele na Bienal de São Paulo, no início dos anos 1990, me inspirei em arte”. Além das pinturas do artista plástico Sérgio Cardoso e as obras literárias do escritor Márcio Souza e da escritora Astrid Cabral.

Rider é artista e gestor cultural autônomo, suas apresentações fazem diálogo com dança e o teatro contemporâneo, trazendo toques de improvisação e artes visuais. Por ser empresário do ramo, Francisco entende que as eleições de 2022 são coletivas e vão além do individual.

Essa eleição será vital para a América Latina e para o Planeta Terra. Não adianta acharmos que é qualquer eleição, pois o que se está em jogo é a preservação da Floresta Amazônica e das vidas dos povos ancestrais amazônidas”, relata o artista.

Ele acredita que o governo federal quer destruir a floresta por meio de pautas conservadoras e que unem política, religião e força militar. “Esse governo atrela (essas pautas) de forma perigosa e fascista, e tem que ser derrotada no segundo turno, para o bem da humanidade!”, afirma.

Francisco Rider usa a cidade como parte de suas apresentações (Foto: Leo Scant)

Aldisio Filgueiras, compositor, poeta e jornalista manauara, diz enxergar Manaus como um recorte português de paisagem ‘arrasada’. “Nas ruas, nos ônibus, me impacta o olhar de quem não acredita que acordou vivo e procura um culpado por isso; os igarapés soterrados. O que chamam de alegria em Manaus é apenas histeria. Manaus parece o Brasil“, relata.

O artista tem em seu currículo grandes produções, inclusive seu livro de estreia, o ‘Estado de Sítio’, foi censurado em 1968, durante a ditadura militar. Aldisio também foi compositor do sucesso regional ‘Porto de Lenha’, em parceria com o compositor Torrinho.

Filgueiras conta que gosta de ir à Praia da Ponta Negra para ver o rio durante a semana, mas não acredita em inspirações. “Todo o meu trabalho é feito de escolhas, pesquisa, estudo. Respeito a obra de Luiz Bacellar, Elson Farias, poetas que deveriam ser lidos com mais frequência”, afirma.

Poeta Aldisio Filgueiras escreve sobre Manaus desde criança (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

Para o poeta, autores como Márcio Souza, Zemaria Pinto, Tenório Telles, Renan Freitas Pinto, Antônio Loureiro, Etelvina Garcia, Nonato Tavares e sua tribo do teatro Vitória Régia, Aurélio Michiles são autores que conseguem construir pensamentos sobre Amazônia e que deveriam ter mais destaque.

Aldisio critica a centralização da política na capital, apesar de o Estado possuir uma pluralidade de arte e cultura pelos 62 municípios. “Não é de estranhar que no primeiro turno um candidato ao governo estadual, e que já foi mais de duas vezes governador, tenha dito que o interior estava abandonado”, lembrou o poeta sobre o candidato Eduardo Braga (MDB), que concorre ao segundo turno contra Wilson Lima (União).

A arte continuará a ser tratada como sempre foi: com um refinado desprezo, afinal, o povo civilizado não cospe nas calçadas”, argumenta o artista.

Poeta Aldisio Filgueiras escreve sobre Manaus desde criança (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

Cantora e “imortal” da Academia Amazonense de Música, Karine Aguiar (@karineaguiarmusic) é reconhecida pelo ‘Jazz Jungle’, ritmo que combina a musicalidade do jazz com sons da Amazônia. Nascida em Manaus, Karine também diz ter forte relação com o Teatro Amazonas, onde viveu momentos que marcaram sua trajetória.

Solista da Orquestra de Violões do Amazonas por três anos, de 2011 a 2014, e ao menos duas vezes por mês, Karine se apresentava no Teatro Amazonas. “Pode até parecer um clichê, mas o Teatro Amazonas tem um impacto bastante profundo não só em minha arte, mas também em minha vida pessoal”, conta.

Cheguei a passar mais tempo dentro daquele teatro do que em minha própria casa”, revela a artista, que teve dois álbuns, “Arraial do Mundo” (2012) e “Organic” (2016), lançados dentro do Teatro, além do primeiro DVD, que posteriormente se tornou um documentário musical intitulado “Jungle Jazz: uma sinfonia amazônica” (2022).

Para a artista, Manaus possui muitos artistas de alto nível estético que a inspiram em suas diversas linguagens e formas de arte. “Mas dentre esses tantos eu poderia destacar na música os antológicos Zeca Torres (um dos compositores da canção Porto de Lenha que, na minha visão, deveria ser tombada enquanto hino cultural de Manaus), Lucinha Cabral (para mim, nossa Ella Fitzgerald baré), o saudoso Zezinho Corrêa e o Teixeira de Manaus”, conta.

Karine Aguiar é “imortal” da Academia Amazonense de Música e usa ritmos amazonenses em suas composições (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

Nas artes visuais, Karine expõe a admiração pelo trabalho de Hadna Abreu e do Raiz Campos, artistas plásticos com trabalhos em Manaus. “No audiovisual, destaco os trabalhos do Henrique Saunier Michiles e do Sérgio Andrade. Na literatura, viajo por meio das palavras de Milton Hatoum, Márcio Souza e Aníbal Beça. E, na moda, ultimamente tenho me envolvido bastante com os trabalhos de estilistas indígenas como a Seanny Artes, idealizadora da Mostra Intercultural de Moda Indígena”, revela.

Karine acredita que a eleição será crucial para o andamento da cultura não só no Estado, mas em todo o Brasil. Ela lembra que nos governos anteriores, com políticos do Partido dos Trabalhadores, a cultura era bem mais valorizada.

Se continuarmos com o atual presidente da República, será uma tragédia incalculável, pois ele mesmo reitera sempre que pode seu desprezo pela cultura e pelos trabalhadores deste setor”, pontua a cantora, lembrando que só apenas no governo do PT, os mestres do Gambá de Maués conseguiram visibilidade.

Para ela, Manaus é a própria materialização da palavra ambivalência, pois ao mesmo tempo em que a encanta e faz-se apaixonar, também desperta sentimento de indignação e tristeza. “Principalmente quando me deparo com nossos rios e florestas urbanos agonizando em meio à devastação causada por uma ideia de progresso absolutamente equivocada”, afirma.

Cantora Karine Aguiar (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)