Manaus tem maior índice de linchamentos entre três cidades estudadas; foram 78 registros em 2020

Cleidenilson da Silva morreu linchado em São Luís, no Maranhão (Biné Morais/Agência O Globo)

26 de dezembro de 2022

12:12

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – O assassinato de pessoas por multidões era uma prática muito comum na antiguidade, quando religiosos queimavam bruxas, pescadores eram apedrejados e agressão contra ladrões e homicidas eram realizadas em praça pública. Mesmo sendo uma atitude considerava antiga, o linchamento no Brasil ainda é recorrente.

Um estudo feito em Manaus, São Luís e Vitória mostra que entre 2011 e 2020 mais de 600 pessoas foram vítimas de linchamento. Sendo 400 pessoas em Manaus, 141 na Grande Vitória e 136 na Grande São Luís. Conforme o estudo, em 2020, houve, ao menos, um linchamento a cada três dias.

Considerando apenas a área urbana de Manaus, com 1.832.423 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estudo escolheu coletar dados das áreas mais populosas em volta das capitais São Luís (Maranhão) e Vitória (Espírito Santo), com 1.327.647 e 1.689.491 habitantes, respectivamente.

Cleidenilson da Silva 29 anos, morto no Jardim São Cristóvão, em São Luís, após tentativa de homicídio (Reprodução/Biné Moraes)

Pesquisa

O levantamento envolveu uma rede de pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Universidade Vila Velha (UVV), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que juntaram dados de reportagens, comentários, relatos e etnografias de Manaus, Grande São Luís e Grande Vitória.

Com isso, o estudo mostra como cada região se comportou distintamente. Manaus registrou aumento de casos entre 2016 e 2020, Grande São Luís mostrou queda a partir de 2017 e Grande Vitória teve crescimento abaixo da média a partir de 2017.

Os registros pontuam casos de pessoas agredidas por multidões, mas não traz um balanço de quantas pessoas morreram em decorrência das agressões. Conforme o estudo, é impossível saber quantas pessoas morreram, porque provavelmente muitas morreram a caminho do hospital. Mas o estudo conseguiu concluir que ao menos 26% dos casos estudados resultou em morte.

“O número de casos de linchamento encontrados em reportagens não deve ser confundido com a quantidade real de casos ocorridos, que provavelmente é muito superior”

diz trecho do estudo.

Motivação

Entre a principal motivação dos linchamentos, o estudo aponta que crimes contra o patrimônio correspondem a 70% dos casos, como roubos, furtos e estelionato. Somente 15% dos relatos diz respeito a crimes contra a pessoa ou dignidade social.

No período de 11 anos da pesquisa, 90% dos linchamentos em casos de crime contra patrimônio foram por causa de roubo. Assim, 219 pessoas foram linchadas em Manaus, 79 na Grande São Luís e 88 na Grande Vitória.

Acusações de homicídio e latrocínio não ultrapassam 5% dos casos registrados“, aponta o estudo.

Conforme a pesquisa, entre 1980 e 1990, a maioria dos linchamentos no Brasil partiu de acusações de crimes contra a pessoa e crimes sexuais. Esse número não é o mesmo observado entre os anos pesquisados. Conforme o levantamento, crimes sexuais representam menos de 15% dos motivos de linchamento nas três regiões.

Sendo o segundo maior motivo de linchamentos as agressões por crime sexual representam 6,96% dos casos em Manaus, na Grande São Luís, são 8,47%, e na Grande Vitória são 13,14% dos casos registrados. O número é quase seis vezes menor em comparação com o principal motivo das agressões, que ultrapassa 70% dos casos nas três regiões.

Punições são mais letais quando crimes vitimizam um homem adulto

aponta estudo.

Conforme mostra o estudo, a incidência de morte de pessoas linchadas é maior quando a vítima em questão é do gênero masculino. O levantamento mostra que 30% das pessoas linchadas na Grande São Luís morreram quando a vítima era homem, enquanto em Manaus o dado é de 15,79% e na Grande Vitória é de 25%.

Já quando a vítima é do gênero feminino, os dados mostram que menos de 4% das pessoas linchadas na Grande Vitória morreram, já em Manaus (19,30%) e na Grande São Luís (22,73%) o número está abaixo de 25%.

Negros e indígenas

­O estudo aponta que homens negros ou indígenas são os principais alvos de linchamento. “Esse é o mesmo perfil da maioria das vítimas de homicídio, da violência policial e do encarceramento no Brasil“, diz o texto, ao criticar a forma com que os jornais não apenas ignoram informações da profissão, como também a cidadania dos agredidos.

Casos de linchamento é maior entre homens negros e indígenas (Reprodução)

O estudo traz uma maior incidência de violência contra pessoas negras. Diferente de estudos anteriores, com a internet e as imagens coloridas, a heteroidentificação ficou mais fácil. “Estamos, portanto, diante de uma proporção de pessoas brancas linchadas de até cinco vezes menor do que sua presença na população […]”, diz trecho do trabalho.

Em todo o caso, se o racismo, por ser um elemento fundamental da formação social brasileira, já merecia uma maior atenção de estudos anteriores, nossos dados o convertem em uma questão racial incontornável, afirma a pesquisa.