Médico que filmou homem preto acorrentado é condenado a pagar R$300 mil

O médico acorrentou e filmou um caseiro preto em fazenda no Estado de Góias (Montagem/Thiago Alencar/Revista Cenarium Amazônia)

28 de novembro de 2023

22:11

Adrisa De Góes – Da Agência Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – O médico Márcio Antônio Souza Júnior, que filmou um caseiro preto com as mãos e os pés acorrentados por uma gargantilha – espécie de coleira de ferro – no pescoço, foi condenado pela juíza Erika Barbosa Gomes Cavalcante, da Vara Criminal da Comarca de Goiás, a pagar R$ 300 mil, a título de indenização, por danos morais coletivos. A decisão foi divulgada pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-GO) nesta terça-feira, 28.

De acordo com o processo, no dia do ocorrido, o médico chamou o caseiro para mostrar apetrechos que estavam em uma pequena igreja da fazenda, quando colocou as correntes no pescoço e mãos do homem e começou a gravar o vídeo pelo celular. “Não quer estudar, então você vai ficar na minha senzala”, diz o profissional da saúde enquanto filma. (Veja o vídeo no final da matéria)

O médico Márcio Antônio Souza Junior é registrado no Conselho Regional de Medicina de Goiás (Reprodução/CFM)

A magistrada entendeu que as imagens simulam cenas do período escravocrata e, por isso, se enquadram no crime de racismo recreativo. O registro é do dia 15 de fevereiro de 2022, feito na Fazenda Jatobá, onde a vítima trabalhava e recebia um salário mínimo, zona rural da cidade de Goiás, mais conhecida como Goiás Velho.

“Expõe que trata-se de um vídeo absolutamente criminoso (…) evidenciando o crime de racismo contra uma pessoa negra, com apetrechos utilizados na época da escravidão, motivo porque não há que se falar que foi uma brincadeira, em razão de ser crime o racismo recreativo”, diz trecho do processo.

A juíza Erika Barbosa Gomes Cavalcante, da Vara Criminal da Comarca de Goiás (Divulgação)
Ofensa ao coletivo

A juíza Erika Barbosa argumentou, ainda, que ficou estabelecida a intenção do acusado de ofender a dignidade do caseiro, bem como a população preta, por meio de postagem de vídeo com conteúdo racista. A magistrada ainda definiu a atitude como “inteiramente preconceituosa e discriminatória”, relativa à raça e cor.

“O vídeo é explícito ao retratar o racismo, já que o caso reforça o estereótipo da sociedade, com o grau de racismo estrutural. Não faz diferença se o caso se trata de uma brincadeira, já que no crime de racismo recreativo, por ser crime de mera conduta, é analisado o dano causado à coletividade, e não o elemento subjetivo do autor”, pontuou a juíza do caso.

Racismo recreativo

O racismo recreativo tem a mesma relevância que outras formas de racismo e fere de todo um coletivo. É o que entendeu a juíza Erika Barbosa, que ressaltou que, apesar do acusado ter se retratado publicamente, também por meio das redes sociais, a atitude apenas reafirmou os fatos iniciais.

“Pelo conjunto probatório exposto, verifico não haver dúvidas de que o acusado, de forma livre e consciente, praticou discriminação e preconceito de raça e cor (…) É inquestionável que o vídeo publicado pelo acusado gerou profunda indignação na sociedade, principalmente em relação às pessoas negras”, diz trecho do processo.

Trecho retirado do processo (Reprodução/TJ-GO)

Além dos danos morais coletivos, o acusado foi condenado à prisão. O valor da indenização vai ser dividido entre a Associação Quilombo Alto Santana e a Associação Mulheres Coralinas.

Leia a íntegra da decisão: