04 de março de 2023
16:03
Mencius Melo – Da Agência Cenarium
MANAUS – O mais premiado filme do Festival de Gramado 2022 chega às telas no dia 30 de março. O filme acreano, “Noites Alienígenas”, do diretor Sérgio Carvalho, que acumulou nada menos que seis prêmios, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator na 50ª edição do evento. O filme traz, no elenco, rostos consagrados como o ator Chico Diaz, Joana Gatis e estreantes de talento como Gabriel Knoxx e o ator amazonense de origem indígena Adanilo Reis, que ganhou “menção honrosa do júri“.
Em entrevista exclusiva para a REVISTA CENARIUM, o diretor Sérgio Carvalho falou sobre a determinação de construir uma agenda positiva para o cinema na Amazônia brasileira. “O Acre sempre teve uma tradição cinematográfica. Desde a década de 1970, 1980 temos realizadores, aqui, como Roberto Queiroz, Tony Ivan. Na lógica de produção, ‘Noites Alienígenas’ é o nosso primeiro filme para a sala de cinema comercial”, adiantou. “O Acre tem um cinema de qualidade e faço questão de ressaltar esse ponto“, declarou.
Para Sérgio, é preciso, e com urgência, uma mudança de eixo. “Tem que existir um mundo fora do eixo Rio/São Paulo. É emergencial! O Brasil, imageticamente e narrativamente, não pode se pautar único e, exclusivamente, por um olhar sudestino. Toda a diversidade brasileira precisa estar nas telas. Esse é o grande mérito das políticas de descentralização cultural que iniciaram no Governo Lula e no ‘Noites…’ e é resultado direto dessas políticas que precisam continuar, nesse novo momento político”, observou.
Barreiras
Carvalho exemplifica o último edital da Agência Nacional de Cinema (Ancine) que excluiu toda a região Norte. “A Cone, que é a Conexão Norte, Nordeste e Centro-Oeste de cineastas, se manifestou e teve o recuo da Ancine, mas, isso mostra o olhar colonizado pelo qual passamos”, relatou. Sobre a temática do filme, Sérgio fala da “Amazônia Urbana”. “A chegada das facções do crime organizado do sudeste, na Amazônia, principalmente, nas periferias da Amazônia urbana, causou um impacto no tecido social, e eu procuro mostrar esses efeitos no Norte do Brasil“, pontuou.
Questionado se é possível fazer produções longe da estética “bio/natureza/documentário/emergência climática/devastação”, o diretor ponderou: “Apesar do ‘Noites…’ se passar numa periferia da Amazônia urbana, de mostrarmos uma Amazônia menos conhecida, ele acaba também falando da floresta. Penso que nem sempre precisamos fazer filmes com temáticas regionalistas ou ambientais, mas, é muito difícil fazer um filme do Norte do País, e a floresta, de alguma maneira, não está sendo refletida ou retratada”, avaliou.
Olhares
Para o cineasta amazonense, Sérgio Andrade, “É muito difícil ver nas produções da Amazônia um paradigma que não seja a exuberância da floresta. É uma obra que retrata essa outra Amazônia, onde, aliás, estão concentradas a maioria das populações, que é a Amazônia das periferias de cidades como Rio Branco, Manaus, Belém, entre outras. Uma obra como ‘Noites Alienígenas’ é imprescindível”, comentou o autor de “A Floresta de Jonathas” e “Antes O Tempo Não Acabava”.
O cineasta Z Leão faz uma leitura atual para embasar sua opinião: “O cinema com sotaque nordestino, com sotaque gaúcho e com o nosso amazonês já passou a existir desde o início do século 21. É uma realidade. Escola de samba no Rio de Janeiro leva o Carnaval falando sobre o nordeste, no enredo. Uma série, com as personagens no folclore amazônico, vira sucesso nos canais pagos… Então, um cearense inventa uma nova ‘Rolyúde’, no Nordeste, e vira sucesso na TV pública”, exemplificou.
Z Leão resumiu. “Sinceramente, temos bons atrativos com nossas histórias. E quando nos mostramos na tela, o reconhecimento sempre vem. O gargalo é, realmente, a falta de investimentos nos criativos talentos locais, e é aí que vamos pôr, mais ainda, para fora, os nossos bichos, ou melhor dizendo, somos a linda novidade de histórias que o entretenimento do audiovisual tanto quer e necessita ver, mas ainda, vivemos num Brasil audiovisual que o Brasil não conhece”, lamentou.
Ao final da reportagem, Sérgio Carvalho comentou sobre os passos para levar “Noites Alienígenas” para o grande público. “No momento, estamos cuidando da distribuição do filme. Vamos entrar em 50 salas de todo o País, por via da Vitrine Filmes, que entrou em parceria com a gente, mesmo antes do festival de gramado, ou seja: tivemos muita sorte porque ela está nos dando todo o suporte, com uma estrutura inédita para um filme do Norte do País. Quanto a novos projetos, temos muitos, mas, ainda nenhum escolhido”, finalizou.
Sinopse
Rio Branco, Acre, cidade amazônica nas proximidades da fronteira com Peru e Bolívia, vem sofrendo os impactos das recentes mudanças das rotas de tráfico, que chegaram com violência na Amazônia brasileira. Filho de Beatriz (Joana Gatis), Rivelino (Gabriel Knoxx) é o jovem rapper e grafiteiro que deixa sua arte em forma de nave espacial pelos muros da cidade. “Aviãozinho” de um traficante das antigas, Alê (Chico Diaz), que não se rende ao modelo do crime organizado que, a cada dia, ganha mais espaço, de forma violenta, nas periferias de Rio Branco.
Já Paulo (Adanilo Reis) é um jovem indígena, dependente químico, que é assombrado pela ancestralidade de seu povo e, também, enfrenta seu vício em pasta base de cocaína. Filho de Marta (Chica Arara), indígena e evangélica, que frente ao vício do filho, acaba por buscar suas raízes. Sandra (Gleice Damasceno), jovem negra e empoderada, mãe do filho de Paulo, tem na cultura Hip Hop um refúgio e espaço de resistência.
O destino destes três jovens da periferia se encontra de maneira trágica e redentora. Neste sentido, o filme traz uma Amazônia urbana ainda pouco mostrada e conhecida, que na negação de sua identidade de floresta acaba por revelar dramas identitários profundos em toda uma geração. Com toques de realismo mágico, “Noites Alienígenas” aborda resistência, ancestralidade e juventude em um Brasil cada dia mais bélico e autoritário, que nega suas raízes formadoras: negra e indígena.