MPF e Corregedoria do TJAM investigam atuação de policiais do Acre no Amazonas

Composição: (Paulo Dutra/ Cenarium)

16 de abril de 2024

20:04

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O Ministério Público Federal (MPF) e a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) investigam denúncias de agressões de policiais militares do Acre a moradores de um assentamento no município de Lábrea, a 702 quilômetros de Manaus, no Sul do Amazonas. A localidade fica próximo à cidade de Boca do Acre, na divisa com o Estado vizinho.

Composição: Weslley Santos/Revista Cenarium

As denúncias foram feitas por moradores do assentamento conhecido como Comunidade Marielle Franco, que fica em parte da Fazenda Palotina. Cerca de 200 famílias ocupam a propriedade no centro de um conflito agrário que se arrasta há anos. Os pecuaristas Sidney Sanches Zamora e Sidney Sanches Zamora Filho dizem ser proprietários da área.

Em março deste ano, operação conjunta da Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Polícia Federal e a Secretaria de Estado das Cidades e Territórios (Sect), em Lábrea, apurou relatos de violência e violação de direitos humanos, além das denúncias de atuação de policiais militares do Acre, sem autorização legal, no Estado do Amazonas.

Área de conflito de terra no Sul do Amazonas (Reprodução)

A ação ainda levantou informações sobre a propriedade da fazenda e verificou a situação das famílias que vivem na área do conflito. No cartório da Comarca de Lábrea, fiscalização analisou a situação dos documentos públicos da área disputada em poder do cartório.

Como resultado dessas ações, a Corregedoria determinou o afastamento da delegada responsável pelo cartório extrajudicial de Lábrea por 90 dias para apurar indícios de omissão de atendimento às solicitações de instituições públicas, como o Incra. Um interventor foi nomeado para exercer a atividade enquanto durar o afastamento.

Violência

Conforme mostrou a REVISTA CENARIUM em março deste ano, extrativistas da comunidade denunciaram tortura policial e tentativa de assassinato por policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Acre. Os trabalhadores rurais foram agredidos e expulsos a tiros enquanto coletavam castanhas.

Na época, a reportagem teve acesso a uma série de áudios atribuídos ao líder comunitário Paulo Araújo, que está preso, que relata que os moradores foram mantidos em uma espécie de cativeiro enquanto eram atacados. Os agressores teriam gravado vídeos e imagens da tortura. 

“Nossos companheiros foram abordados por pessoas se dizendo policiais militares do Bope. Eles foram mantidos como reféns e apanharam de joelho. Foi feita uma live mostrando o que estava sendo feito. Suspeitamos que as imagens foram enviadas ao fazendeiro”, relatou a liderança.

Os fazendeiros Sidney Sanches Zamora e Sidney Sanches Zamora Filho (Reprodução/Redes Sociais)

Os comunitários afirmaram que os homens apareceram vestidos de preto e se identificaram como membros do Bope do Acre. Eles capturaram trabalhadores para espancar e torturar, de acordo com o denunciante. Um deles havia sido esfaqueado.

Vídeos obtidos pela reportagem mostram o momento que um desses trabalhadores, identificado como Nalcione, corre para não ser alvejado com tiros.

Veja o vídeo:

Outro vídeo mostra o trabalhador agredido após chegar à comunidade para ser socorrido. Nas imagens, o extrativista aparece ensanguentado e com um corte profundo no ombro. Ao ser questionado sobre o ocorrido, ele responde: “Foi uma furada (…) eu estava de costas, estava de joelhos”, diz.

Imagens também mostram o extrativista abalado e tremendo no momento em que é conduzido, em um carro particular, à unidade de saúde para buscar atendimento médico.

Em nota, o Governo do Acre informou que a Polícia Militar do Estado do Amazonas demandou apoio operacional para a reintegração de posse na Fazenda Palotina já que os suspeitos residiriam no Estado vizinho. A instituição disse não ter conhecimento das agressões dos policiais, mas reprovou qualquer ação neste sentido.

Diante do que foi solicitado, foi autorizado o envio de duas equipes do Grupo Especial de Fronteiras – GEFRON/AC para monitoramento e acompanhamento da ação, levando em conta que os supostos invasores residem no Estado do Acre“, alegou.

Ameaças

A CENARIUM também noticiou que um grupo de moradores da Comunidade Marielle Franco sofreu ameaças e intimidações por parte dos pecuaristas Sidney Sanches Zamora e Sidney Sanches Zamora Filho. Os trabalhadores rurais alegaram que foram expulsos a tiros enquanto quebravam castanhas em uma área que alegam ser da União.

Fazendeiro ameaça moradores da Comunidade Marielle Franco, no sul do Amazonas (Reprodução)

Vídeos obtidos mostravam os proprietários da Fazenda Palotina acompanhados de pelo menos dois homens armados, ordenando que as pessoas se retirassem do local, sob alegação de serem donos das terras.

Questionados pelos comunitários sobre a documentação da propriedade, pai e filho afirmaram que estão há quatro décadas na região e não teriam que atestar a posse do terreno ao grupo. “Eu não tenho que provar nada para vocês (…) eu sou o dono da terra há 40 anos”, disseram os fazendeiros aos gritos. Em outro vídeo, é possível ouvir quando alguém diz: “Volta para casa, aqui tem dono”. Em seguida, é feito um disparo.

Veja o vídeo:

Na época, o líder comunitário Paulo Araújo disse temer pela vida diante das ameaças. A localidade possui um projeto de assentamento junto ao Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“Está um conflito intenso. Estou com medo disso acabar em morte. Queria que a Polícia Federal viesse até o local para amenizar a situação e deixar que a Justiça resolva, porque, senão, vai dar problema. A gente está preocupado, pois tem três pessoas [da comunidade] que estão sumidas”, relatou a liderança, que está preso em Manaus.

Líder da ocupação Marielle Franco, em Lábrea, Paulo Sérgio (Mário Manzi/CPT-AC)

Outra medida determinada pela Corregedoria do Tribunal de Justiça do Amazonas foi que os magistrados das Comarcas de Boca do Acre e de Lábrea devem apresentar informações a respeito do processo judicial que envolve a prisão de Paulo Araújo para esclarecer a legalidade e possível permanência do custodiado em local diverso da decisão judicial.

O Núcleo de Governança Fundiária e Sustentabilidade da CGJ/AM também analisa os índices estatísticos de violência na zona rural do Amazonas, grilagem e desmatamento florestal, para fornecer, aos municípios de Lábrea e de Boca do Acre, orientações quanto a prevenção de atos ilícitos.

Reintegração de posse

O processo em que o fazendeiro Sidney Sanches Zamora pede a remoção de cerca de 200 famílias vulneráveis que ocupam o terreno iniciou em 2016, quando houve a primeira ordem de reintegração das terras. A ocupação data de mais de sete anos atrás.

A decisão mais recente autorizando a reintegração foi publicada no dia 18 de março, pelo juiz da Comarca de Lábrea, mas derrubada logo em seguida pelo desembargador Airton Gentil, que suspendeu a decisão judicial atendendo recurso da Defensoria Pública Estado do Amazonas (DPE-AM). O magistrado ainda determinou que o caso seja analisado pela Comissão de Conflitos Fundiários da Corte.

A Justiça Estadual também determinou que o processo em que o fazendeiro Sidney Sanches Zamora pede a remoção de famílias da Fazenda Palotina fosse encaminhado à Justiça Federal.

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Edição: Hector Muniz