‘Nossa língua deve ser respeitada’, diz advogada indígena que ajudou a traduzir Constituição

A advogada Kanamary e presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM), Inory Kanamary (Arquivo Pessoal)

21 de julho de 2023

21:07

Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – “Permitir que conheçamos os nossos direitos sem precisar esquecer das nossas línguas”. Assim define a advogada Kanamary e presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM), Inory Kanamary, à primeira tradução da Constituição Federal para a língua indígena Nheengatu.

A operadora do Direito integrou um grupo de 15 tradutores e consultores indígenas que se dedicaram na interpretação e compreensão da Carta Magna brasileira para a língua geral amazônica. O documento foi lançado na quarta-feira, 19, em São Gabriel da Cachoeira (distante 1.702 quilômetros de Manaus), no Amazonas.

Inory Kanamary afirma que a tradução da Constituição Federal para atender aos povos indígenas é um avanço necessário e urgente. Para ela, o Brasil é um País que possui uma diversidade cultural linguística diversificada devido à heterogeneidade da população.

Constituição Federal traduzida para o Nheengatu e ao fundo a vista de São Gabriel da Cachoeira (Montagem: Mateus Moura/Revista Cenarium)

“Sob a minha ótica, o lançamento da Constituição é o cumprimento do artigo 5° da Constituição Federal, que prevê que todos são iguais perante às leis, mas para que assim seja, nós devemos ter, nos nossos modos de vida, as nossas vidas respeitadas. E o que é respeitar? É também permitir que nós conheçamos os nossos direitos sem precisar esquecer das nossas línguas”, disse à REVISTA CENARIUM.

Reconhecimento

A advogada da etnia Karamary também vê a iniciativa como um reconhecimento por parte do Judiciário aos povos originários. Ainda de acordo com ela, o momento é histórico, mas os indígenas ainda lutam contra a invisibilidade.

“O lançamento da Constituição em Nheengatu é como se o Judiciário estivesse nos reconhecendo como parte desse País, porque, em verdade, sempre estivemos aqui. O que ocorre é que, infelizmente, ainda seguimos sendo invisibilizados e silenciados”, ressaltou.

Lançamento

As ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber e Cármen Lúcia lançaram a inédita versão da Constituição Federal em Nheengatu, no Amazonas. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, além de lideranças dos povos Yanomami e Ye’Kwana no Estado também participaram do evento.

Weber lembrou que demorou três décadas para a Constituição Federal ser lançada em uma língua indígena, enquanto já havia versões em inglês e espanhol. A magistrada afirmou que a Constituição no idioma Nheengatu representa inclusão e preservação das culturas indígenas.

A presidente do STF, Rosa Weber, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (Fellipe Sampaio/SCO/STF)

“Reconhece a proteção e o dever de proteção do Estado brasileiro de desenvolvimento de políticas voltadas à inclusão e preservação das culturas indígenas, inclusive, o direito de acesso à Justiça”, mencionou a ministra.