Pará é campeão em violência contra jornalistas na Amazônia Legal

Jornalista usa máscara para se proteger durante cobertura de manifestação (Reprodução/Fenaj)

27 de junho de 2023

20:06

Daleth Oliveira – Da Agência Amazônia

BELÉM (PA) – O Pará bateu recorde de casos de violência contra jornalistas em 2022, com um total de 21 ocorrências, ultrapassando o ano de 2015 que, anteriormente, detinha o título de período mais violento, com 13 agressões. A estatística coloca o Estado como o mais violento da Amazônia Legal e o terceiro mais perigoso do País para os profissionais da comunicação.

A maioria dos casos está relacionada à política e à cobertura das eleições do ano passado. Os dados foram levantados pelo 1° Relatório de Violência contra Jornalistas e a Liberdade de Imprensa do Pará, elaborado pelo Sindicato dos Jornalistas no Estado do Pará (Sinjor-PA), lançado em março.

De acordo com o presidente do Sinjor do Pará, Vitor Gemaque, o objetivo do relatório é fornecer uma visão detalhada das violências contra jornalistas no Estado que, historicamente, se destaca no ranking nacional.

“Esse documento apresenta dados concretos sobre a violência contra jornalistas, identifica os agressores e descreve os tipos de ataques. É necessário desenvolver políticas públicas em conjunto entre o sindicato, órgãos de segurança, Poder Legislativo, judiciário, empresas de comunicação e a sociedade em geral para combater esses ataques contra jornalistas e comunicadores que, em última análise, são ataques ao Estado democrático de direito”, destaca Gemaque.

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Vitor Gemaque é presidente do Sinjor do Pará (Elcimar Neves/Reprodução)
Tipos de violência

As equipes de reportagem foram as principais vítimas dessas violências, mostra o levantamento. Quanto aos agressores, a maioria dos casos envolveu manifestantes bolsonaristas (11), seguidos por servidores públicos (5). O Sinjor e a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Expressão da Ordem Nacional dos Advogados (OAB) acompanharam as vítimas na delegacia e formalizaram as denúncias para garantir o devido processo legal.

O pico de violência ocorreu após o segundo turno das eleições presidenciais, quando manifestantes bolsonaristas realizaram protestos pedindo um golpe de Estado e interditaram ruas. Essas manifestações evidenciaram um cenário de violência e intolerância contra os jornalistas, tornando novembro o mês mais violento, com 11 casos, superando todos os outros meses de 2022 juntos.

Novembro também foi o mês mais violento no Brasil e na Região Norte. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) registrou 77 agressões apenas nesse mês, considerando os protestos bolsonaristas em todo o País. Quando somados aos casos no Pará, a Região Norte totalizou 21 ocorrências.

Categorização

O relatório categoriza os tipos de violência ocorridos em 2022. Em muitos casos (19), houve agressões verbais e ataques virtuais contra jornalistas. Além disso, ocorreram ameaças e intimidações (18), impedimento do exercício profissional (17), descredibilização da imprensa (14), agressões físicas (8), ataques cibernéticos (2) e injúria racial/racismo (1).

Comparado aos demais Estados da Região Norte, o Pará registrou sozinho mais casos de violência do que todos os outros combinados. Os 21 casos no Pará superam os 17 casos ocorridos nos demais Estados da região. Em seguida, vem o Amazonas, com sete casos (2,43%), Rondônia, com seis casos (2,08%), Roraima, com dois casos (0,69%), e Acre Tocantins, ambos com um caso (0,35%). O Amapá foi o único Estado da região sem registro de violência em 2022.

Fonte: 1° Relatório de Violência contra Jornalistas e a Liberdade de Imprensa do Pará

No ranking dos dez Estados brasileiros mais violentos em 2022, o Pará ficou em terceiro lugar, atrás apenas do Distrito Federal São Paulo, com 88 e 48 casos, respectivamente. Nessa análise regional foram excluídos 99 casos de descredibilização da imprensa.

Fórum debate violência

A segurança dos profissionais de imprensa foi tema de uma mesa do 17° Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado pela primeira vez em Belém, capital paraense, entre os dias 20 e 22 de junho.

Na programação “Vozes silenciadas: a violência contra jornalistas e defensores de direitos humanos na Amazônia”, jornalistas com atuação na região compartilharam suas histórias e debateram o assunto com mediação da presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Katia Brembatti.

“A violência contra a cobertura jornalística na Amazônia tem se intensificado nos últimos anos por conta da atuação de madeireiros, garimpeiros e do narcotráfico, além de outras práticas criminosas. Na mediação da mesa, destaquei que os assassinatos são os casos mais graves, mas que existem várias violências: as verbais, físicas, digitais e judiciais. Então, existe todo tipo de tentativa de intimidação”, conta.

Katia Brembatti é presidenta da Abraji (Divulgação/Abraji)
Necessidades

Os integrantes da mesa foram os jornalistas Daniel Camargos (Repórter Brasil); Tom Phillips (The Guardian; Silvana Marubo (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari); Denise Dora (Artigo 19); Isadora Brandão (secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos – MDHC).

Entre os desafios para os jornalistas na cobertura da Amazônia, Katia destaca a necessidade dos agentes de segurança pública dos Estados reconhecerem, primeiramente, a importância da atividade da imprensa e, assim, agir pela garantia da integridade dos profissionais.

“Precisamos entender primeiro que são várias Amazônias com realidades diferentes, principalmente, para o jornalista que não é da região e precisa conhecer a realidade local. Mas tem também os desafios de quem vive na Amazônia, pois este precisa garantir, além da sua própria segurança, a segurança das pessoas do seu entorno, familiares e fontes”, explica Kátia.

Além disso, precisamos contar com o suporte das estruturas de segurança. Se os agentes estatais não identificam o trabalho jornalístico como um trabalho importante, essas pessoas ficam à margem desse sistema e, como já aconteceu outras vezes, passam inclusive a correr riscos de vida“, finaliza a presidenta da Abraji.

Combate à violência

Vitor Gemaque aponta que os desafios para combater a violência contra jornalistas e comunicadores na Amazônia envolvem diversos fatores que sindicatos e organizações não governamentais não são capazes, sozinhos, de enfrentar os problemas.

“Apesar de tudo disso, avançamos muito no Estado do Pará, principalmente, no último ano. O Sinjor, hoje, pressiona os órgãos de segurança para ocorrer uma apuração rigorosa dos casos de violência e presta apoio com assistência jurídica às vítimas”, pondera.

De acordo com ele, o Relatório de Violências contra Jornalistas e a Liberdade de Imprensa apresenta para a sociedade e para a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Pará (Segup-PA) que tipos de crimes e ameaças contra os jornalistas tiveram relação direta com o ambiente político no Brasil.

Não temos como ter segurança para os jornalistas amazônicos se o Estado brasileiro for frágil e comandado por grupos econômicos e políticos pouco republicanos. Parte considerável dos ataques aos jornalistas, aqui no Pará, tendo os mais graves entre eles, foram de servidores públicos como prefeitos, policiais militares ou civis“, continua.

Jornalistas são agredidos durante manifestação a favor do presidente Jair Bolsonaro, em Brasília (Jorge William/O Globo)
Subnotificação

O presidente afirma ainda que os casos no Pará e na Amazônia ainda são muito subnotificados e, por isso, é fundamental que toda a sociedade civil se mobilize conjuntamente com os órgãos de segurança para o enfrentamento das violências.

“Precisamos estabelecer um protocolo de enfrentamento à violência no Pará com um observatório dos casos, como ocorre em outros Estados brasileiros. Isso passa também por uma discussão no legislativo estadual. Outro ponto é o funcionamento adequado dos órgãos de segurança na apuração célere e rigorosa dos crimes. Temos um problema sério no Pará, que envolve a influência do poder local nas apurações desses crimes e ameaças”, declara Gemaque.

Por último, o presidente do Sinjor paraense defende que seja feita uma campanha de conscientização da sociedade para alertar sobre a importância e relevância do trabalho jornalístico no País. “Quando um jornalista é atacado, com o intuito de silenciá-lo, quem sofre é a sociedade”, finaliza Vitor Gemaque.