Proposta para regulação do mercado de carbono abre ‘agenda verde’ do Governo Lula

Governo Lula deve lançar, ainda neste mês, proposta de regulação do mercado de carbono. (Arte: Thiago Alencar/Revista Cenarium)

21 de agosto de 2023

14:08

Inaldo Seixas – Especial para Agência Amazônia**

MANAUS – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), via Ministério da Fazenda, prepara para lançar ainda no mês de agosto a proposta de regulação do mercado de carbono no Brasil. No País, ainda não existe regras claras para a estruturação deste mercado – embora diversos textos em tramitação no Congresso tragam diferentes propostas, como é o caso do Projeto de Lei (PL) 528/2021, de autoria do agora ex-deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), que tramita no Congresso Nacional desde fevereiro de 2021.  

Em maio de 2022, Jair Bolsonaro publicou um decreto que, segundo o governo da época, “cria o mercado regulado brasileiro de carbono”. Na prática, no entanto, não foi isso que aconteceu. Segundo o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luan Santos, especialista em economia do clima, a medida apenas “cria as bases de como os setores devem estabelecer as suas metas, o que seria um passo importante no caminho da construção de um mercado, mas sem a instrumentação necessária”.

Na verdade, toda essa discussão sobre a criação de um mercado de carbono surgiu na esteira dos debates sobre o avanço do aquecimento global, legitimados pela evidência científica e por uma percepção cada vez mais clara que as pessoas têm sobre os efeitos climáticos e sócios econômicos desse avanço no mundo.

Na medida em que a sociedade toma consciência das graves consequências que o aquecimento global acarreta à humanidade, especialmente no aspecto econômico, lideranças mundiais começaram a se mobilizar. Primeiro, na ECO-92, no Rio de Janeiro, e cinco anos mais tarde em Kyoto, no Japão, lideranças de vários países se reuniram para acordar e assumir compromissos mais firmes com a redução das emissões de gases de efeito estufa, conhecido como Protocolo de Kyoto.

Diferentes instrumentos podem lidar com a pauta da mudança climática, um deles é justamente o mercado de carbono. Esse instrumento nasce a partir do Protocolo de Kyoto e consiste basicamente na criação de um mercado que funcionaria muito parecido com o mercado de ações, no qual existiriam empresas que querem comprar crédito de carbono e empresas que querem vendê-lo. 

Segundo Marcelo Roubicek, em matéria publicada no Jornal Nexoa ideia inicial era que países desenvolvidos bancariam projetos para redução de emissões em países emergentes ou em desenvolvimento, gerando créditos de carbono. A fórmula, no entanto, apresentou falhas e os créditos que foram gerados por projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), um instrumento criado pelo acordo de Kyoto, seguem existindo e sendo negociados, mas novos projetos não são implementados desde 2021. Na prática, portanto, o MDL foi extinto.

Outras modalidades de mercados regulados de carbono, basicamente em países desenvolvidos, operam numa lógica conhecida como “cap-and-trade”. Nessa modalidade, um governo distribui um número limitado de autorizações para poluir e quem for capaz de reduzir suas emissões pode negociar as permissões que sobraram para empresas que não conseguiram cumprir suas metas.

Outra modalidade é a taxação de carbono. Nesse sistema, os governos tributam empresas com base nas emissões, o que, na prática, coloca um custo mais alto para quem emitir. Isso desincentiva emissões e estimula empresas a procurarem processos mais limpos de produção. Entretanto, a taxação não gera créditos de carbono que possam ser comercializados. “Não é um mercado. É tão somente uma forma de implementar uma precificação de carbono”, comenta Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de Economia de Baixo Carbono do ICS (Instituto Clima e Sociedade).

A partir dos anos 2000, começam a surgir os mercados de créditos de carbono voluntários. Esses mercados funcionam com projetos que resultam na redução de emissões ou na captura de carbono e geram créditos que podem ser negociados entre ONGs, governos, empresas e indivíduos. São exemplos os investimentos em fontes renováveis de energia, projetos de manuseio e descarte de resíduos, iniciativas de reflorestamento, conservação de áreas de floresta, entre outros.

Atualmente, existem diferentes propostas e debates na esfera pública brasileira sobre a regulação para a criação de um mercado de carbono no País, mas pouco se tem avançado. “Há uma confusão de vozes sobre o que fazer. É como se a gente tivesse concordado que precisamos ter um mercado de carbono, mas ninguém sabe para quê”, afirma Daniel Vargas, coordenador do Observatório de Bioeconomia da FGV.

Em recente audiência no Senado, o presidente do Conselho de Administração do IRB-Brasil Resseguros, Antônio Cassio dos Santos, alertou para a necessária mitigação dos riscos da cadeia de valor do crédito de carbono, que são as fraudes na titulação da terra – com múltiplos proprietários ilegais –, a medição e cálculos incorretos do crédito de carbono para a certificação e a emissão falsa de títulos de crédito de carbono.

A aprovação de um mercado regulado de carbono no Brasil é apontada por instituições e especialistas como uma das premissas para prosseguir na direção do fortalecimento dos mercados de créditos de carbono, em vez de opção pela criação de um sistema de taxação das emissões. É preciso uma lei para dar credibilidade e liquidez aos direitos de emissão dos créditos de carbono.

Também em audiência no Senado, o secretário de Economia Verde e Descarbonização do Ministério do Desenvolvimento, Rodrigo Rollemberg, disse que o modelo defendido pelo governo é semelhante ao praticado internacionalmente e prevê a coexistência de mercados regulado e voluntário.

“A proposta do governo cria o Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões e define o modelo ‘cap and trade’ e o limite de emissão a partir de 25 mil de toneladas de carbono equivalente/ano. As empresas passariam a ser reguladas e receberiam cotas de emissão que teriam de cumprir: aquelas que emitirem menos passariam a ter cotas referentes a essas emissões evitadas e aquelas que emitirem mais teriam que compensar dentro do mercado regulado ou em parte do mercado voluntário”, explicou Rollemberg.

A previsão do Ministério da Fazenda é enviar ainda em agosto, ao Congresso, proposta para regular o mercado de carbono no País. Entretanto, com o intuito de ampliar o consenso sobre a matéria, antes de submeter o texto aos parlamentares, o ministro Haddad decidiu ouvir integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDES).

É desejável que o texto que o governo encaminhe ao Congresso considere a definição de princípios como: implantação gradual, preservação da competitividade e boa governança, critérios de revisão que contemplem objetivos nacionais de mitigação, caminhos de integração com mercados subnacionais, internacionais e voluntários, além de já definir qual órgão governamental do executivo federal vai implementar e coordenar o marco regulatório.

A ideia, portanto, é que o mercado de créditos de carbono a ser criado a partir da regulamentação, além de ser um instrumento, entre outros, no nosso esforço coletivo pela redução da emissão de gases do efeito estufa, seja um dos pilares para alcançar um desenvolvimento econômico de baixo carbono.

Os debates para a definição da taxonomia – uma espécie de manual de classificação -, instrumento que serve para definir quais setores, atividades, projetos e ativos estão alinhados com os objetivos ambientais, sociais e de governança; o projeto de lei do “combustível do futuro” (com alta da mistura de etanol à gasolina e o diesel verde); a regulamentação das eólicas offshore, projeto específico para tratar de hidrogênio de baixo carbono e preparação pelo Tesouro Nacional para a primeira emissão de títulos soberanos sustentáveis, são outros desses instrumentos que o governo pretende implementar, para mostrar que o Brasil está realmente empenhado em relação a práticas sustentáveis.

Com a proposta de regulação do mercado de créditos de carbono, o governo vai abrir sua “Agenda Verde”. Com esses créditos, a estimativa apontada por estudo realizado pela Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), em parceria com a WayCarbon, é de que o Brasil chegue a captar até 2030 cerca de US$ 120 bilhões, com possibilidades de gerar 8,5 milhões de empregos até 2050. O volume de recursos potencial é imenso, e que, se materializado e bem aplicado, podem ajudar o Brasil a dar um salto importante no seu patamar de desenvolvimento.

Neste longo caminho para a construção de uma sociedade desenvolvida e justa, chama-se a atenção à responsabilidade que a sociedade civil tem neste processo. O parlamento brasileiro tem o dever, sem abrir mãos de suas prerrogativas, de nortear sua atuação sob a égide do interesse geral, deixando de lado os interesses particulares mesquinhos, demostrados nos sucessivos adiamentos de pautas importantes para o País, como é a do Arcabouço Fiscal.

O Brasil tem pressa e seu povo também. Ao longo da história, perdemos inúmeras oportunidades de dar um grande salto rumo ao desenvolvimento com inclusão social. A última, com a descoberta do petróleo do pré-sal. Espera-se, desta vez, sensatez e maturidade dos governos e parlamentos, para não desperdiçarem mais uma oportunidade que se apresenta. O Brasil pode liderar uma verdadeira “revolução verde”, com impactos significativos para sua economia. A aprovação de um marco regulatório do mercado de créditos de carbono é o começo. E só depende de nós.

(*) Inaldo Seixas Cruz é economista especialista em crescimento e desenvolvimento econômico e economia internacional, além de membro do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM).
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