Racismo, xenofobia e violência: povo Guarasugwe denuncia ataque e ameaças em Rondônia

Vítima foi atacada pelas costas, a golpes de remo, e teve um corte profundo na cabeça (Reprodução/Comunidade Yakarerupa)

27 de fevereiro de 2023

22:02

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – Um indígena da etnia Guarasugwe recebeu ameaças de morte e viveu momentos de terror enquanto pescava no Rio Guaporé, no interior de Rondônia, no último fim de semana. Ele foi surpreendido por um agressor, que passou a atacá-lo com golpes de remo, a fim de expulsá-lo do local. Durante as agressões, ele também insultou o indígena com xingamentos racistas e xenofóbicos. 

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O caso aconteceu na zona rural do município de Pimenteiras do Oeste, a 850 quilômetros de Porto Velho, e foi levado ao Ministério Público Federal (MPF) pela Comunidade Yakarerupa. O território do povo Guarasugwe, ainda não demarcado, sofre com a invasão de fazendeiros, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Vítima foi atacada pelas costas, a golpes de remo, e teve um corte profundo na cabeça (Reprodução/Comunidade Yakarerupa)

Violência gratuita

Segundo a denúncia, a vítima, que não teve a identidade revelada, não reagiu ao ataque. “Se minha espingarda estivesse aqui, eu te dava um tiro”, disse o agressor, de acordo com a denúncia da Comunidade Yakarerupa. “Sai da minha picada, aqui é meu, foi eu que fiz, seu filho da p*** boliviano. Não sei o que essas praga [sic] faz aqui, esse bando de boliviano do *******, filho do cão”, proferiu, ainda, o suspeito. 

A Yakarerupa também ressalta que o agressor atacou o indígena pelas costas. Ele sofreu um corte profundo na cabeça. De acordo com o portal G1, que teve acesso ao boletim de ocorrência, a vítima foi sozinha, até a cidade, em busca de ajuda médica, mesmo desnorteado pela agressão e pela perda de sangue.

Já a denúncia da comunidade sustenta que o Rio Guaporé, onde o rapaz pescava, passa no meio do território tradicional da etnia e que, por isso, não pertence a nenhuma propriedade privada de pescadores não indígenas.

O Rio Guaporé, em Pimenteiras do Oeste, no interior de Rondônia; rio passa por todo o território tradicional Guarasugwe (Reprodução)

MPF apura

À REVISTA CENARIUM, o Ministério Público Federal informou que recebeu a denúncia na manhã desta segunda-feira, 27, e que o fato “já foi levado ao conhecimento de autoridade policial”

“Nesse contexto, o órgão também autuou o “Notícia de Fato” para acompanhar a apuração dos fatos. Por fim, o Ministério Público Federal condena, veementemente, o ocorrido e reafirma a sua missão de atuar na defesa dos povos indígenas (art. 129, inciso V, da Constituição Federal)”, afirmou o MPF em nota.

Xenofobia

Mesmo com o caso registrado na Polícia Militar (PM) de Rondônia, a Comunidade Yakarerupa afirma que o rapaz vítima das agressões foi tratado como “estrangeiro” e não como indígena. O crime apontado no boletim de ocorrência foi o de lesão corporal, mas não há, no documento, nenhuma referência à etnia Guarasugwe.

A forma como a etnia é tratada está relacionada à posição geográfica do território tradicional em que seus integrantes vivem, que é fronteiriço com a Bolívia. Por isso, geralmente, os Guarasugwe são chamados de “bolivianos”, em tom pejorativo, e não tratados como indígenas brasileiros.  

“O fato ocorrido recentemente atinge todos nós. Hoje, foi ele [a vítima], amanhã poderá ser outro parente, assim como na década de 1960 muitos dos nossos foram mortos pela crueldade do homem não indígena, pela ganância de ocupar terra/território tradicional”, diz a denúncia da comunidade Yakarerupa. “Ressaltamos que indígena é indígena em qualquer lugar do mundo”, rebatem as lideranças.

Falta reconhecimento

O território Guarasugwe abrange três cidades rondonienses: Pimenteiras do Oeste, Costa Marques e Porto Rolim, todas às margens do Rio Guaporé. No entanto, a Terra Indígena (TI) ainda não é reconhecida ou demarcada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Por isso, nem todos eles vivem no território tradicional, a exemplo de parte dos integrantes deste povo, que vive em Bella Vista, na Bolívia. 

Além de Rondônia, parte do povo indígena Guarasugwe vive em Bella Vista, na Bolívia (Projeto Memórias Indígenas em Rondônia/Reprodução)

Segundo as lideranças, a região é, atualmente, ocupada por fazendas na fronteira do Brasil com a Bolívia. Para o Conselho Indigenista Missionário, a etnia, “ao contrário da extinção selada pelos órgãos oficiais, existe“. 

“Assim como dezenas de outros povos indígenas que mergulharam no silêncio epistêmico, para não serem massacrados, os Guarasugwe emergem como o mais recente povo indígena resistente de Rondônia a exigir reconhecimento“, diz a entidade.