‘Reconhecimento de classe’, diz professora da Ufam sobre desculpas de Lula a Cieps

Da esquerda para a direita: ex-governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola; presidente Luiz Inácio Lula da Silva; antropólogo, educador e romancista Darcy Ribeiro (Composição de Paulo Dutra/Agência Cenarium)

12 de fevereiro de 2024

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Ricardo Chaves – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O presidente Lula (PT) fez uma autocrítica e pediu desculpas ao ex-governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola e ao antropólogo e educador Darcy Ribeiro pela demora em reconhecer o legado de ambos na criação da educação em tempo integral dos Centros Integrados de Educação (Cieps). Para a professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e antropóloga Iraildes Caldas, a atitude é um reconhecimento de classe feito após anos de críticas radicais de tendências do PT e da mídia ao projeto.

Diretora do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFHS-Ufam), a pesquisadora destaca que a fala de Lula é um importante reconhecimento a uma proposta de ensino que era brutalmente criticada por setores do partido no Rio de Janeiro e pela imprensa.

Iraildes Caldas é um dos mais respeitados nomes da ciência produzida nas salas e laboratórios da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) (Roger Matos/Revista Cenarium)

“O gesto de pedir desculpas do presidente Lula remete para o reconhecimento dos ideais de classe de Brizola e Darcy. Reconhece a educação de qualidade, onerosa, como necessária”, diz a professora.

Caldas recorda a palestra proferida ainda no Chile, em 1966, por Darcy Ribeiro, em que ele indagava qual era a universidade necessária que se queria para a América Latina. “A resposta era a educação para todos e todas, inclusiva e libertadora”, aponta.

Projeto ousado

O Cieps foi criado com o objetivo de implantar educação em tempo integral nas escolas públicas do Rio de Janeiro. O projeto começou a ser feito em 1983, no primeiro governo de Leonel Brizola, sob forte influência de Darcy Ribeiro.

Os centros seriam de forma que os filhos de famílias mais pobres teriam acesso a uma educação de boa qualidade, além de estarem alimentados e ligados à cultura, afastados assim de qualquer atividade criminosa.

Da esquerda para a direita: Darcy Ribeiro, Leonel Brizola e Oscar Niemeyer (Reprodução/Luciana Whitaker)

A professora Iraildes Caldas destaca que o projeto era fazer com que o filho do trabalhador tivesse a educação ofertada em escolas do porte das particulares, que eram mais onerosas, e eram locais onde estudavam os filhos de classes médias-altas da elite econômica. Ela lembra que a iniciativa foi fortemente atacada pela imprensa e por alas radicais do PT.

“Evidentemente que as elites não querem que os filhos da classe trabalhadora estudem, pois, segundo essa visão da classe dominante, os filhos dos trabalhadores devem caminhar para a servidão voluntária, como percebeu Lá Boètie em séculos passados”, argumenta a professora.

Ainda segundo a pesquisadora, a educação de qualidade, desde as primeiras séries, como pensaram Brizola e Darcy Ribeiro, era a ferramenta necessária para libertar as massas, formar consciências e preparar cidadãos e cidadãs para os tempos vindouros que não seriam fáceis.

Críticas ao projeto

Na década de 1980, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, governador e vice-governador do Rio de Janeiro, respectivamente, prometeram realizar uma revolução educacional. Foi assim que surgiram os Cieps, implantados ao longo de dois governos de Brizola (1983-1987 e 1991-1994).

Jamil Haddad, Oscar Niemeyer, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro (Reprodução/Acervo Fundar)

Desenhados pelas mãos de Oscar Niemeyer, os prédios, hoje, são tombados pelo patrimônio histórico e urbanístico, além de referência em design e arquitetura, inspirando projetos semelhantes mundo afora.

A professora da Ufam lembra que as críticas do PT faziam com que setores da sigla não percebessem a necessidade de se investir na educação para garantir mais à frente cidadãos mais críticos.

“Ao criticar os Cieps, as tendências mais radicais do PT deixavam de perceber que era necessário investir numa educação cara, onerosa, para garantir lá na frente cidadãos e cidadãs mais críticos que pudessem construir a república com mais preparo”, destaca a antropóloga.

Iraildes Caldas enfatiza: “O sistema educacional brasileiro de massa que se encontra atualmente é falido e elitizante. Vide os últimos acontecimentos ocorridos na República Federativa do Brasil, sob o signo neonazista e golpista que sangrou o Estado brasileiro”.

Pedido de desculpas

A declaração de Lula ocorreu em agenda no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro na última quarta-feira, 7, durante evento que oficializava o lançamento de mais uma unidade do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), na localidade. 

“Não sou educador, mas vou fazer um pedido de desculpas em nome da educação brasileira. Durante muito tempo, o Rio teve um governador chamado Leonel Brizola e teve um educador chamado Darcy Ribeiro, que fizeram os Cieps”, disse o presidente.

Ao microfone, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Reprodução/Agência Brasil)

Lula continua: “Eles acreditavam que era por meio da escola de tempo integral que a gente ia salvar as crianças do Rio de Janeiro. Muitos educadores no Brasil criticaram o Cieps. Nós, agora, estamos nos rendendo a Brizola e Darcy”, disse Lula que complementou apontando a importância da escola em tempo integral para os jovens terem acesso à cultura, ao esporte e à arte.

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Editado por Adrisa De Góes