‘Retorno do fundo privado de campanha é abuso de poder econômico’, apontam especialistas

Sacos de dinheiro em frente ao prédio do Congresso Nacional simbolizando o financiamento empresarial de campanhas (Agência Senado/Agência Senado)

08 de fevereiro de 2024

14:02

Hector Muniz – Da Agência Cenarium

MANAUS (AM) – Em meio à cogitação do retorno do financiamento privado de campanhas pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM apontam que esse instrumento abusa do poder econômico e desequilibra a disputa eleitoral.

Em dezembro do ano passado, durante a votação do orçamento e do fundo eleitoral de quase R$ 5 bilhões para as eleições municipais deste ano, Rodrigo Pacheco apontou a possibilidade de retorno deste financiamento fomentado por colaborações de grandes empresas. O senador chamou de equívoco o valor do fundo ser superior ao da eleição presidencial de 2022.

Considero que esse valor [de R$ 4,9 bilhões] precipita muito a discussão da volta do financiamento privado de pessoas jurídicas, que havia sido suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, numa ação da Ordem dos Advogados do Brasil. E precipita inclusive uma reflexão sobre as eleições no país, o custo delas para o Brasil em todos os sentidos”, declarou Pacheco em sessão do Senado.

Para o cientista político Carlos Santiago, houve uma distorção no uso do financiamento de campanha que culminava no abuso de poder econômico.

“Houve uma distorção aí. No financiamento empresarial havia um abuso do poder econômico, havia grandes interesses de corporações por trás, isso desequilibrava a corrida eleitoral, e o interesse era que existisse um fundo único para que as eleições fossem financiadas”, explicou Carlos Santiago.

Ele recorda que o fundo foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou o instrumento como inconstitucional. E que a partir daí, o Congresso Nacional decidiu criar um fundo público para custear as campanhas políticas.

“Houve uma ação de inconstitucionalidade que foi protocolada pela OAB. E naquela época, o STF declarou que o financiamento empresarial é inconstitucional. Porque o financiamento é de pessoa física. Diante disso, o Congresso Nacional criou um fundo especial para financiar as campanhas políticas, um fundo especial, público, para financiar essas campanhas. O objetivo da OAB tinha como objetivo claro o financiamento das campanhas políticas, porque no período do financiamento empresarial, as campanhas eram astronômicas e existia também muito caixa dois”, destacou Santiago.

Da esquerda para direita: Carlos Santiago, Fernando Borges e Helso Ribeiro foram ouvidos pela reportagem da Revista Cenarium. (Composição: Weslley Santos/Revista Cenarium)

Criado em 2017, fruto das leis 13.487 e 13.488, o Fundo Eleitoral é uma das principais fontes de recursos para campanhas e é distribuído somente no ano da eleição. O Congresso Nacional aprovou a sua criação para compensar o fim do financiamento privado estabelecido em 2015 pelo STF e que proibiu doações de pessoas jurídicas para campanhas políticas. As doações privadas eram recompensadas em forma de contratos com empresas, o que culminou no escândalo do Petrolão em que figuras do MDB, PT e PP foram implicadas.

Histórico

O advogado Fernando Borges aponta que, a fim de mitigar os efeitos da extinção do fundo privado de campanha, o Congresso também criou financiamento de pessoas físicas com previsão de limite para as doações.

“O sistema prevê esse financiamento por meio de pessoas físicas e houve uma restrição de pessoas jurídicas por conta desse motivo. Mas é importante ressaltar que existe um limite para essa doação e que o fundo é reservado para os partidos“, destacou Borges.

Fundo bilionário

Na sanção da Lei Orçamentária Anual (LOA) no fim de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manteve os R$ 4,9 bilhões definidos pelo Congresso Nacional para o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas Eleitorais. Na proposta inicial apresentada pelo governo, o valor reservado era de R$ 939,3 milhões.

Na última eleição municipal, em 2020, o fundo eleitoral era de R$ 2 bilhões, menos da metade do total destinado ao pleito deste ano. Os R$ 4,9 bilhões são equivalentes ao montante estabelecido para as eleições de 2022, quando foram eleitos presidente, governadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores.

O cientista político Helso Ribeiro analisa que os partidos menores têm acesso limitado ao fundo partidário pelo fato de terem elegido poucos parlamentares. Como paliativo, segundo Helso, esses partidos acabam coligando com outras siglas para ampliar o acesso ao fundo eleitoral e o tempo de televisão.

“O partido do prefeito de Manaus [Avante] tem pouco fundo eleitoral se comparado com o PL, com o PT, com o MDB. Agora é bom lembrar que o fundo eleitoral é nacional e é o que os partidos distribuem. Se você for observar, quem mais vai receber é o PL e o União Brasil. Mas o Brasil tem 5.560 municípios, e, além disso, os partidos têm que dividir entre os pré-candidatos a prefeito e vereadores. Mas tem algo que poucos falam que não medem, que é o caixa dois, por conta de alianças que nem sempre estão visíveis, nem são transparentes. E infelizmente isso pesa“, avaliou.

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Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Gustavo Gilona