Salário mínimo cresce, mas continua insuficiente para necessidades básicas

Salário mínimo é insuficiente para garantir qualidade de vida ao trabalhador (Foto: Ricardo Oliveira / Revista Cenarium Amazônia)

29 de dezembro de 2023

15:12

João Felipe Serrão – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – A partir de 2024, o salário mínimo será de R$ 1.412, R$ 92 a mais que o valor vigente em 2023. Embora especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM apontem impacto positivo na economia local, trabalhadores apontam que o valor é insuficiente para uma vida digna. A renda permite apenas que a população sobreviva, considerando que gastos com despesas essenciais consomem todo o orçamento.

Segundo cálculo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo ideal para uma família deveria ser R$ 6.294,71, tendo como referência, novembro de 2023. O valor é quase cinco vezes o valor do salário mínimo atual.

A camareira Michele Soares, 35, recebe um salário mínimo e diz que com o que ganha, consegue apenas sobreviver. Ela destaca que a alimentação e a conta de energia elétrica são os grandes vilões do orçamento. “É difícil viver com um salário mínimo por causa das contas, principalmente a de energia. A cesta básica também pesa. Tem alimentos que estão em conta, mas tem outros que são muito caros. Para a gente conseguir ficar mais tranquilo, o salário mínimo tinha que ser algo em torno de R$ 1.700”, disse Michele.

Quem também vai contar com o reajuste é o auxiliar de serviços gerais Lindomar Gomes, 49. Ele conta que o novo valor ajuda, mas ainda é insuficiente para suprir necessidades básicas. “Fico agradecido pelo aumento, vai ajudar um pouco. Vai dar para fazer umas comprinhas a mais. Mas é difícil arcar, como tá hoje em dia, com as contas. Água, luz, cesta básica. Para quem mora alugado, também fica difícil viver com um salário mínimo”, afirmou Lindomar.

Gastos essenciais

Um levantamento realizado pelo Curso de Economia da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) apontou que, em outubro desse ano, o preço médio da cesta básica, no valor de R$ 615,26, comprometeu mais de 50% da renda mensal de um trabalhador que recebe o piso salarial.

Alimentação compromete mais da metade do salário mínimo (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
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Outro gasto que pesa na conta dos amazonenses é a energia elétrica. A Amazonas Energia tem atualmente a sexta tarifa de energia elétrica mais cara do País, a segunda da Região Norte, conforme ranking da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em 2021, a tarifa residencial já chegou a ser a mais cara do País.

Impactos na economia

Uma nota técnica emitida pelo Dieese estimou que, com o novo reajuste do salário mínimo, o incremento de renda na economia pode chegar a R$ 69,9 bilhões. A arrecadação tributária sobre o consumo pode ter um aumento de R$ 37 bilhões. De acordo com o Dieese, 59,3 milhões de pessoas têm o rendimento referenciado no salário mínimo.

O economista e membro do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM), Inaldo Seixas, afirma que a medida representa um ganho real no salário mínimo. “É uma valorização significativa que aumenta o poder de compra das classes menos favorecidas, que tem uma menor renda. E não só a classe de trabalhadores, mas também os aposentados e pensionistas de todo o País, incluindo o Amazonas, fazendo com que essas categorias e beneficiários possam ter uma maior capacidade de consumo”, disse.

Economista Inaldo Seixas (Foto: Arquivo pessoal)

Ainda de acordo com o economista, o novo valor do salário mínimo vai impulsionar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e estadual.

“Isso faz com que a gente melhore a demanda agregada interna e a massa salarial, que é a somatória de todos os salários. Isso promove um aumento do piso salarial de diversas categorias, porque força esse aumento. Inclusive de categorias informais, que não têm carteira assinada, mas têm o salário mínimo como referência. Isso faz com que todo esse conjunto de trabalhadores constituam uma massa salarial que dá consistência ao consumo interno, que impacta fortemente o crescimento econômico”, afirmou Inaldo.

A economista e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Michele Aracaty destaca que a valorização do salário mínimo repõe as perdas ocasionadas pelo processo inflacionário e contribui para o aquecimento da economia nacional e regional.

Economista Michele Aracaty (Foto: Divulgação)

“De acordo com a nova política de valorização do salário mínimo, seguiremos com o repasse anual para compensar as perdas do processo inflacionário tendo como base o crescimento econômico.
Dessa forma, a valorização do salário mínimo dependerá do desempenho macroeconômico e do comportamento da inflação e do desempenho econômico, podendo gerar crescimento ou recuo”
, afirmou Michele.

Apesar dos avanços para a economia, ela também pontuou a insuficiência do salário mínimo para atender demandas básicas da população.

“Economicamente falando, sabemos que o salário mínimo real não é o salário mínimo ideal e adequado para uma família ter dignidade e conseguir alcançar o bem-estar social. Para tanto, cabe às famílias um rigoroso controle do orçamento familiar e tomar decisões de compras a partir do planejamento”, disse.

Empregadores

Michele Aracaty destacou ainda que os empregadores terão que se adaptar para o repasse do novo valor.

“O reajuste no salário mínimo impacta tanto nas contas públicas como no valor pago pelas empresas privadas aos seus empregadores. Uma vez que o salário mínimo constitui uma base de referência pra toda a economia. Dessa forma, cabe às empresas se adaptarem a este novo valor. Por vezes, reajustando o valor dos produtos ou serviços e no final da cadeia o consumidor final sentirá o peso do reajuste”, afirmou a economista.

Aumento no salário mínimo gera impactos para empregadores, mas beneficia a economia (Foto: Freepik)

Já Inaldo Seixas traz outra perspectiva e destaca que os empregadores não terão dificuldades em honrar com estes compromissos, uma vez que eles, na verdade, apenas repartirão o excedente dos benefícios do crescimento econômico.

“Muitos setores da economia conseguiram crescer e ter ganhos. Tivemos a queda no preço do dólar, nos combustíveis, houve um ajuste das cadeias produtivas, aliados com uma redução na inflação, que beneficiou os trabalhadores e os empregadores, que devem ter aumento na sua margem de lucro. Eles também verão isso recuperado lá na frente, em forma de aumento da capacidade de consumo da população, que voltará a gastar no comércio e serviços, gerando uma melhoria no faturamento”, finalizou Inaldo.

Cálculo

O novo valor do salário é calculado considerando a inflação em 12 meses (até novembro) de 3,85% e mais três pontos percentuais (ganho real) relativos à expansão do PIB em 2022. O aumento do salário representa ganho acima da inflação.

O governo federal tem priorizado a política de valorização do salário mínimo como estratégia central para a redução da desigualdade. O novo valor do piso começa a valer em 1º de janeiro de 2024, com pagamento em fevereiro.

Editado por Yana Lima

Revisado por Gustavo Gilona