Semana dos Povos Indígenas 2023 lança campanha ‘Territórios sem Fome’

O Conselho Indigenista Missionário está aliado a outras entidades para deflagrar uma campanha de luta para a erradicação da fome entre os indígenas brasileiros (Reprodução/Cimi)

04 de abril de 2023

18:04

Mencius Melo – Da Agência Amazônia

MANAUS – A Semana dos Povos Indígenas, organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), terá como tema “Territórios Livres: Povos sem Fome”. O evento acontece durante o mês de abril, em vários Estados do País, e está em sintonia com o tema da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) “Fraternidade e fome”, cuja proposta é abordar o combate à fome, no Brasil, já que o País voltou a figurar no “mapa da fome mundial”, elencado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Em material publicado em suas redes, o Cimi detalhou a proposta: “Após quatro anos de imensos desafios, vivenciamos o retorno do Brasil ao vergonhoso “mapa da fome”, da Organização das Nações Unidas (ONU), e à insegurança alimentar. O percentual de brasileiras e brasileiros que não têm certeza de quando vão fazer a próxima refeição está acima da média mundial”, diz o documento.

A variedade de produtos da terra são a base para uma agricultura familiar que pode ajudar a retirar os indígenas do mapa da fome no Brasil (Reprodução/Markus S. Enk)

Em entrevista para a REVISTA CENARIUM, o coordenador do Cimi Regional Norte I, Francesco Comelle, teceu críticas ao governo de Jair Bolsonaro (PL). “Apesar de iniciar o ano de 2023 com sabor de esperança, os povos indígenas do Amazonas e Brasil ainda estão sofrendo o impacto de quatro anos de desgoverno Bolsonaro, quatro anos de omissão e ataque aos direitos e povos indígenas. Quatro anos que fizeram o Brasil retornar ao vergonhoso ‘Mapa da Fome’, segundo a ONU”, lamentou.

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Insegurança alimentar

Comelle continuou as críticas: “Para os povos indígenas do Amazonas, esse cenário de aumento da insegurança alimentar e da fome intensificou-se pela não proteção das terras indígenas demarcadas, a não demarcação das terras indígenas em reivindicação, bem como pela promoção pelo Governo Bolsonaro e governadores estaduais, como Antonio Denarium (governador de Roraima), à cumplicidade da invasão dos territórios indígenas por garimpeiros, pescadores, madeireiros”, apontou.

Peixes estão na base alimentar das culturas indígenas, mas cada região possui seus ciclos naturais e nem todos os rios possuem alta piscosidade (Reprodução/Gilderlan Rodrigues/Cimi)

Francesco elencou outros problemas. “Essa prática de exploração e invasão dos territórios vem poluindo os rios, a fauna, os solos e as pessoas, sobretudo, por mercúrio. Essa violenta exploração compromete, diretamente, a soberania territorial e alimentar dos povos, espantando a caça e, a exemplo dos profundos buracos deixados como rastros do caos, semeiam fome, desnutrição, doenças e morte. O avanço da mineração e de garimpos, no Amazonas e Roraima, impactam a vida e as possibilidades do usufruto exclusivo e saudável dos territórios pelos povos originários”, denunciou.

Mudança climática

O dirigente do Cimi concluiu as críticas: “A predação do território não pode ser compensada por projeto compensatório nenhum para o povo que venha a ter o território impactado. Não colocar freio à exploração da natureza tem trazido evidentes mudanças climáticas que, agora, impactam, especialmente, aos povos indígenas que convivem com a floresta por milhares de anos. Se não mudar sua concepção de desenvolvimento e progresso, o cenário será de fome para os povos indígenas do Amazonas e para a humanidade, tal como Papa Francisco nos exorta na sua encíclica Laudato Si”, clamou.

Na Amazônia, iguarias como o açaí são bastante consumidas pelas populações indígenas, mas cabe ao governo federal criar políticas de fomento para garantir mais produção (Reprodução/Arquivo Cimi)

Questão urgente

Para o sociólogo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio, a questão é urgente. “A fome é uma urgência e nós temos uma parcela gigantesca da população brasileira que não tem o que comer e, se você for observar, não basta dar a cesta básica, porque muitas famílias não tem o gás para fazer a comida”, atentou. “Nas comunidades indígenas, apesar de parecer contradição, já que se tem a impressão de que não falta alimentos na zona rural, a fome existe e ela é diferente de região para região. No Alto Solimões existe o recurso pesqueiro, já no Alto Rio Negro não é a mesma coisa”, observou.

O profissional acrescentou: “Quando o Cimi pauta o enfrentamento da fome, assim como a CNBB o fez, isso chama a atenção das pessoas e aproxima as comunidades religiosas e assistenciais para enfrentar o problema da fome. Mas, não podemos esquecer que essa fome é resultado de quatro anos de falta de políticas públicas voltadas para o setor produtivo rural. O agricultor sem crédito não pôde produzir alimentos e ele mesmo passou a ser vítima dessa ausência. A produção agrícola em qualquer lugar do mundo precisa de subsídios”, destacou.

Povo Xukuru Kariri em uma horta coletiva cultivada pela comunidade para o consumo dos indígenas. O uso sustentável da terra gera qualidade de vida (Reprodução/Zennus Dinys)

Luiz Antônio observa que é preciso entender o tema: “São culturas que dependem de meses para a colheita. E como você vive esses meses somente em fase de produção? Com financiamento do governo. Sem isso, não se consegue produzir alimentos. Sem isso, cai a produção e o alimento encarece. O governo destinou, agora, R$ 1 bilhão para essa produção, que é a chamada agricultura familiar. Essa destinação é para comprar alimentos do agricultor e, em seguida, distribuir às redes de assistência que cuidam de quem está com fome. A metade desse recurso é para isso. É preciso cobrar o Estado sobre essas políticas”, finalizou.

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