Senado aprova pena maior para injúria racial; ‘é um caminho, mas na prática o racismo estrutural já tomou conta’, diz liderança negra
18 de maio de 2022
20:05
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
MANAUS – O Projeto de Lei 4.566/2021 aprovado pelos senadores na tarde desta quarta-feira, 18, penaliza a injúria racial cometida em locais públicos ou locais privados abertos ao público coletivo e aumenta a reclusão de dois a cinco anos, e multa. Anteriormente, o texto penalizava de um a três anos e meio. Agora, o PL volta para a Câmara, para análise das alterações.
Para a autora do Projeto de Lei, a deputada Tia Eron (Republicanos-BA), a injúria racial deveria ser tão grave quanto crimes de racismo, principalmente quando feitas em público.
”A injúria racial, quando praticada em locais públicos ou privados abertos ao público, atinge a honra de toda uma coletividade de pessoas que compartilham a mesma cor, raça ou etnia, atentando contra os princípios básicos de civilidade”. A deputada acredita que não há uma pessoa desta coletividade que não se sinta atingida quando presencia uma situação dessa.
O contexto do PL quer que pessoas que cometam injúria racial, em locais de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais sejam proibidas de retornar ao local, além do agravo de pena.
O relator do projeto, no Senado, Paulo Paim (PT-RS), escreveu no parecer que o mesmo também vale para quem “obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas de matriz africana”.
Ainda completou: “Nada obstante, mesmo após a garantia da plena liberdade religiosa, em sede constitucional, as religiões afro-brasileiras, por força da dependência da trajetória, continuam enfrentando, em diversas esferas, tratamento jurídico, político e social desfavorável”.
O crime ainda é agravado em casos de feito por bullying. No texto, o relator tipifica como “descontração, diversão ou recreação”. Nesse caso, a pena é aumentada de um terço até a metade, bem como, se a injúria racial for praticada contra servidor público que estiver exercendo a profissão.
O projeto ainda prevê que em todos os atos processuais, cíveis e criminais, um advogado deve acompanhar a vítima, seja advogado privado ou da defensoria pública.
Avanço lento
Para Christian Rocha, militante da causa racial e presidente do Instituto Nacional Afro Origem (Inaô), a aprovação significa um avanço para as minorias, mas que a mudança não deve parar por aí. “O caminho é esse, mas a aplicabilidade das leis deve ser severa. Infelizmente, nosso ordenamento jurídico, teoricamente, é um ordenamento que você lê e fica maravilhado. Mas, quando vai para a prática você observa que o racismo estrutural tomou conta. A nossa Justiça, praticamente trabalha, infelizmente, contra pobres e pretos, de uma forma geral”, lamenta.
Christian disse à CENARIUM que, como liderança, já tentou diálogo com políticos para criar projetos que chamem a atenção da população para conhecer sobre os crimes de racismo e injúria racial. “A população não conhece as leis e seus direitos. Se todos os lugares públicos tiverem um aviso acerca das leis sobre racismo e injúria, talvez leve a população a uma reflexão”.
Para ele, os últimos anos têm mostrado casos catastróficos para a sociedade como um todo. “Estamos vivendo uma época muito triste e momentos desastrosos. Lembrei do que o grande legislador Péricles falou: ’a Justiça é como teia de aranha, só pega pequenos insetos e são rasgados pelos grandes’”.
Christian acredita que apesar da criação e da difusão das leis, a demora na apuração tem sido um dos obstáculos para a solução dos casos. “O que fortalece o racismo não são as leis, mas a morosidade, a demora na apuração de um processo, a demora na abertura de um boletim de ocorrência e, principalmente, o descaso e a forma como são tratados os crimes de racismo e injúria racial”, conclui.
Caso de Racismo
Essa demora é sentida na pele, todos os dias, pelo fisioterapeuta Afonso Celso, 55 anos. Ele foi vítima de injúria racial, em um shopping de Manaus, em 2020. Dois anos após o crime, o processo ainda segue sem resolução.
Em entrevista à CENARIUM, Afonso contou que, na época, quando o caso repercutiu em todo o Brasil, ele foi procurado por diversos veículos de comunicação, empresas internacionais e recebeu apoio de entidades.
Ele conta que, no momento em que estava confrontando a mulher que havia o chamado de “macaco”, seguranças do shopping o contiveram, puxaram para um canto, pegaram todas as informações, mas nunca ligaram para dar um retorno.
“Os seguranças me levaram para um canto, pegaram toda a minha identificação, me deram ticket para eu não pagar o estacionamento, enquanto isso ela foi embora”. Na época, Afonso abriu o processo contra o shopping, por não ter a identificação da mulher.
“Todo mundo entrou em contato comigo, jornais internacionais e imprensa nacional. Eu fiz o B.O, a polícia foi maravilhosa comigo, mas não foi à frente porque não tinha identificação da pessoa. Hoje, eu sei quem é a pessoa, e ela está citada no processo, mas não me interessa a prisão dela, porque caso como esse é situação de flagrante”, diz.
Afonso relata a revolta de não poder ter tido o flagrante da mulher, e expõe o descaso do shopping ao não impedir a fuga da mulher. “Eu tive aquela situação comigo no shopping. O que eu queria é que medidas práticas fossem tomadas, que o shopping se mobilizasse”.
Ele conta que, após a repercussão do caso, acabou sendo prejudicado no trabalho e, até hoje, é constrangido toda vez que alguém pergunta sobre a situação, e ele diz que nada foi resolvido. “Eu tive prejuízo, porque meus pacientes todos ficaram sabendo, tive um nível de constrangimento, na hora; e depois, eu não sou militante, eu sou um simples cidadão que queria ter o direito de ir ao shopping”, relata.