Senador Eduardo Braga ‘muda de cor’ para disputar Governo do Amazonas; ‘Oportunismo’, diz especialista

Senador Eduardo Braga (Reprodução)

25 de agosto de 2022

21:08

Bruno Pacheco e Marcela Leiros – Da Agência Amazônia

MANAUS – O senador e candidato a governador do Amazonas Eduardo Braga (MDB) “mudou de cor” para disputar as eleições deste ano. Em 2018, o postulante se declarou “branco” na Justiça Eleitoral e, em 2022, se apresentou como “pardo”, conforme o site de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A mudança ocorre em meio à regra que aumenta verbas a partidos com candidatos negros que obtêm mais votos para deputados, conforme estabelecida na Emenda Constitucional 111 da Câmara. Com isso, os postulantes ganham impulso com mais recursos para as campanhas. Para o cálculo, o TSE considera candidaturas negras aquelas registradas pelos políticos autodeclarados como pretos ou pardos.

Em 2022, o senador Eduardo Braga se declarou pardo no TSE (Reprodução/TSE)

A REVISTA CENARIUM entrou em contato com o senador Eduardo Braga, por meio da assessoria, e não obteve retorno até a publicação desta reportagem. A medida também vem sendo adotada por candidatos ao cargo de deputados de outros Estados. Os deputados Professor Israel (PSB-DF), Heitor Freire (União-CE), José Rocha (União-BA) e Luís Miranda (DEM-DF), por exemplo, declararam-se em 2018 como “brancos” e neste ano se autodeclararam “pardos”.

Em 2018, o senador Eduardo Braga se declarou branco no TSE (Reprodução/TSE)

Oportunismo

A advogada e militante do movimento negro Luciana Santos afirma que os candidatos estão se beneficiando de uma política voltada para a correção de uma dívida histórica do Brasil com os afrodescendentes.

“A enxurrada de candidatos que nas eleições anteriores se declaravam ‘brancos’, mas que a partir das mudanças eleitorais deste pleito passaram a se declarar ‘negros’ para se beneficiarem de uma política voltada à correção de uma dívida histórica do Brasil com os afrodescendentes, demonstra o mais puro oportunismo”, declarou a advogada e ativista do movimento negro Luciana Santos.

Veja também: Eleições 2022: deputados candidatos à reeleição ‘mudam de cor’ para disputar vaga

Para a advogada, o aumento na verba e também no tempo de propaganda para candidatos negros têm como fundamento as desvantagens que estes sempre tiveram na disputa eleitoral, uma vez que o racismo na sociedade é latente e cria barreiras consideradas intransponíveis para que negros ocupem cargos de poder.

“Candidaturas negras sempre foram menosprezadas, tanto em partidos progressistas quanto pela direita. Não é interesse da ‘branquitude’ que sempre gozou de privilégios ter pessoas negras tomando decisões que possam pôr em risco essas vantagens históricas. Esses neo negros certamente não mudaram sua autodeclaração em função de um letramento racial adquirido de forma milagrosa. São as mesmas pessoas que são contrárias a todas as políticas afirmativas existentes no País”, pontuou a advogada.

Ainda na avaliação de Luciana Santos, a mudança de cor no TSE segue o mesmo modus operandi daqueles que deslegitimam e fraudam as cotas de acesso ao Ensino Superior e ao serviço público. “É necessário que a Justiça eleitoral estabeleça critérios que barrem essas fraudes, tal qual ocorre nas universidades e órgãos públicos que possuem bancas de ‘heteroidentificação'”, frisou.

Critérios para autodeclaração

A advogada e professora em Direito Eleitoral Tati Gomes afirma que o tema é polêmico, pelo fato de o Brasil ser um País miscigenado etnicamente plural e não haver critério específico para tratar dessa questão. Para ela, é necessário implementar critérios mais rigorosos além da autodeclaração.

“Apenas a autodeclaração como critério de participação em determinadas nos programas de ações afirmativas é falho, havendo uma necessidade de critérios rigorosos para que as pessoas sejam identificadas, pois as pessoas podem também se utilizar de documentos, como Certidão de Nascimento ou o cadastro do sistema de identificação, para ter acesso a tais benefícios”, diz.

“Já presenciei o caso de uma pessoa que se declara branca para todos os fins, inclusive consta em sua Certidão de Nascimento, e ao ter acesso ao seu cadastro de identificação na Polícia Civil descobriu estar cadastrada como parda. Em outra situação, uma pessoa registrada como parda, se declarou como branca por anos, inclusive no pleito de 2018, e fez uso de sua documentação originária para concorrer como pessoa parda. A problemática da fraude não pode ser afastada, mas a ausência de critérios determinantes para que haja uma correta ‘heteroidentificação’ dá margem para diversas práticas e interpretações”, acrescentou.

Deputados

Um grupo de 33 deputados candidatos à reeleição mudou de cor ao disputar a eleição deste ano. Em 2018, eles se declararam “brancos” e, em 2022, se apresentaram à Justiça Eleitoral como “pardos”. Para especialistas, a nova autodeclaração é “puro oportunismo” e estratégia para conseguir recursos.

Ao site Estadão, o advogado Cristiano Vilela, integrante da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, afirmou que a mudança na declaração pode significar uma autoaceitação do candidato ou mesmo uma estratégia que busca meramente a obtenção de mais recursos.

“Vivemos em um País extremamente miscigenado. Evidentemente, casos grotescos podem ser punidos com o rigor que a situação merece, mas existem situações tão limítrofes e vejo com preocupação a possibilidade de o voto popular ser jogado no lixo por conta de interpretações”, destacou o especialista.