Sufocados pela fumaça, manauaras alertam inviabilidade ambiental da BR-319

Aeronave cedidas pelo Distrito Federal combate incêndios no Amazonas (Foto: Alex Pazuello/Secom)

17 de outubro de 2023

14:10

Lucas Ferrante – Especial para Agência Amazônia**

MANAUS – Na última semana, a população de Manaus “inunda” as redes sociais com uma onda de manifestações na rede social X (antigo Twitter) expressando sua crescente preocupação com o aumento das queimadas ao longo da rodovia BR-319. Essa via, que cruza a Amazônia, tem sido palco de incêndios recorrentes que lançam uma nuvem densa de fumaça sobre a cidade, impactando não apenas a qualidade do ar, mas também a saúde e a vida cotidiana dos habitantes da capital amazonense e de municípios do interior.

A indignação nas redes sociais reflete o temor crescente de que a degradação ambiental na região possa causar danos irreversíveis e enfraquecer os esforços para a preservação da maior floresta tropical do mundo.

Um estudo publicado na renomada revista Land Use Policy não deixa margem para dúvidas: a rodovia BR-319 tem desencadeado uma alarmante espiral de degradação ambiental no coração da Amazônia. O Sul do Estado do Amazonas, agora testemunha um novo ciclo de desmatamento, grilagem de terras e queimadas que ameaçam a biodiversidade e aceleram as mudanças climáticas. Municípios ao longo da BR-319, como Autazes na região central e Humaitá ao Sul, emergem como epicentros dos incêndios, alimentando uma triste estatística: concentram os maiores números de focos de queimadas no Estado e lançando uma névoa de fumaça que sufoca a região e acelera as mudanças climáticas.

A violação dos direitos dos povos indígenas é outra chaga desse cenário sombrio, com mais de 18 mil indígenas afetados pela falta de consulta adequada, conforme estabelecido pela Convenção 169 da OIT. A seca extrema, exacerbada pela degradação ambiental, tem intensificado os incêndios criminosos, deixando terras indígenas, como as pertencentes à etnia Mura no interflúvio dos rios Purus e Madeira, em chamas e irremediavelmente afetadas pela implacável marcha da BR-319.

Enquanto Manaus enfrenta a asfixia da fumaça, a Fecomércio intensifica seu lobby pela reconstrução da ineficaz rodovia BR-319 para o transporte de cargas, ignorando estudos científicos. Em uma reunião promovida pela Fecomércio Amazonas na segunda-feira, 16, o presidente Aderson Frota alegou que a rodovia facilitaria o transporte de mercadorias e pessoas de municípios isolados. No entanto, como já destacado pela REVISTA CENARIUM, a BR-319 não conecta os municípios afetados pela seca, e sua ligação por estradas vicinais poderia empurrar a Amazônia além do ponto de não retorno do desmatamento, agravando a crise climática responsável pela seca. É importante ressaltar que a rodovia carece de estudos de viabilidade econômica. A urgência de ações eficazes para conter esse desastre ambiental é inegável, à medida que os riscos ambientais e sociais continuam a se multiplicar diante de nossos olhos em quanto a fumaça das queimadas sufoca a população. Apenas as chuvas deste final e início de semana foram capazes de minimizar a fumaça, embora seu cheiro ainda seja perceptível em diversos pontos de Manaus.

A fumaça das queimadas no estado do Amazonas tem desencadeado impactos severos na saúde da população de Manaus e de municípios do interior, como Novo Aripuanã. A exposição prolongada à qualidade do ar prejudicada resulta em uma crescente incidência de doenças respiratórias, como bronquite e asma, afetando principalmente idosos e crianças. Além disso, o aumento das partículas em suspensão na atmosfera contribui para problemas cardíacos e agravamento de condições preexistentes. A fumaça também tem efeitos adversos na saúde mental, gerando ansiedade e estresse devido à sensação de insegurança ambiental. A situação demanda medidas urgentes para proteger a saúde dos habitantes de Manaus e combater as causas subjacentes desse problema.

Veja também: BR-319 não é opção ao isolamento do AM e sim agravo ao problema e crise climática

Os estudos científicos mencionados podem ser acessados nos links abaixo:

Land Use Policy: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0264837721002829?via%3Dihub

Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo (USP): https://teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18137/tde-27112007-110022/publico/KARENINA_2007.pdf

Conservation Strategy Fund (CSF): https://www.conservation-strategy.org/publication/eficiencia-economica-riscos-e-custos-ambientais-da-reconstrucao-da-rodovia-br-319

Journal of Racial and Ethnic Health Disparities: https://link.springer.com/article/10.1007/s40615-023-01626-1

(*) Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde em sua tese avaliou as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas. Foi ganhador do “The Chico Mendes Courage Award” em 2023 pelo Sierra Club, um dos mais importantes prêmios em ecologia no mundo, devido aos seus estudos sobre a rodovia BR-319.

(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.