Terra indígena protegeu ave rara da extinção

Ave mutum-pinima (Foto: Flickr / José Carlos Patrício)

24 de novembro de 2023

15:11

Lucas Ferrante – Especial para a Revista Cenarium Amazônia*

MANAUS – No amanhecer da várzea do rio que serpenteia a Terra Indígena Mãe Maria, situada no município de Bom Jesus do Tocantins (PA), um espetáculo raro e animador se desdobrou diante dos olhos de dois pesquisadores. Eram 4h no décimo dia de uma expedição em busca do mutum-pinima, uma ave criticamente ameaçada de extinção. O canto surpreendente ecoou, marcando o retorno desta espécie há muito desaparecida.

Gustavo Gonsioroski, um dos ornitólogos, pesquisador que estuda aves e pássaros, compartilhou a emocionante descoberta: “A gente observou e gravou o bicho por mais de dez minutos. Foi aquela felicidade”. Seis indivíduos, incluindo casais, foram registrados pelos pesquisadores, alimentando a esperança de preservação da espécie. Esta conquista resultou de um esforço conjunto de pesquisadores engajados no Plano de Ação Territorial para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção do Território Meio Norte (PAT Meio Norte).

O PAT Meio Norte, coordenado pela Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão (Sema), juntamente com o Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) e o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do estado do Pará (Ideflor-Bio), faz parte do projeto Pró-Espécies: Todos Contra a Extinção do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

A descoberta de seis indivíduos dessa ave ameaçada foi algo inédito e emocionante, marcando um momento exclusivo na história da conservação. Para localizar os animais, os pesquisadores utilizaram uma abordagem multi-metodológica, incluindo com técnicas da Etnobiologia, que visa, a partir do conhecimento cultural dos povos nativos, compreender a relação destes povos com a natureza. Para isto, os pesquisadores realizaram várias entrevistas com indígenas da etnia Gavião Parkatejê, com a finalidade de compreender a ocorrência e como a ave estava distribuída dentro nas terras da comunidade. Métodos tecnológicos como gravadores de áudio e câmeras trap para captura de vídeo dos animais também foram usados pelos pesquisadores.

Indígenas Gavião Parkatejê (Foto: GK Noronha)

O mutum-pinima é uma espécie restrita a uma pequena região da Amazônia entre o leste do Rio Tocantins e a Amazônia maranhense, enfrenta sérias ameaças. O pesquisador Gustavo Gonsioroski, destaca que o endemismo da espécie (ocorrência exclusiva da espécie nesta região) e o desmatamento na mata de várzea onde a espécie ocorre, tornam a espécie tão ameaçada.

Além da destruição do habitat, a caça de aves na região é uma prática cultural comum. No entanto, a presença da ave na Terra Indígena Mãe Maria ressalta a importância das terras indígenas como refúgios cruciais para a vida selvagem. Em artigo científico publicado no periódico Science, um dos mais importantes do mundo, foi demonstrado que as terras indígenas protegem aproximadamente 24% de toda a Amazônia Brasileira. Em estudo publicado no periódico científico Land Use Policy, foi demonstrado que as terras indígenas sofrem menor desmatamento que Unidades de Conservação, deixando claro que os indígenas são os protetores do bioma.

Laís Morais Rêgo, superintendente de Biodiversidade e Áreas Protegidas da Sema e coordenadora do plano de ação, enfatiza a necessidade de fortalecer a legislação para proteger espécies ameaçadas. O plano de ação tem como meta proteger 12 espécies ameaçadas, incluindo o mutum-pinima, e melhorar o estado de conservação delas. Além disso, visa conscientizar as comunidades locais sobre a importância da preservação, como destaca Laís: “Estamos agora nessa fase de construção de material educativo para também conseguir melhorar esse aspecto da divulgação”.

Leonardo Victor, biólogo e ornitólogo que participou da expedição, enfatiza a comoção dos indígenas diante da situação da ave e destaca seu comprometimento em auxiliar na disseminação da mensagem contra a caça. Com apenas uma estimativa de cerca de 50 indivíduos vivos na natureza, a descoberta de seis aves em dez dias reforça a urgência de ações efetivas de conservação.

Este episódio na Terra Indígena Mãe Maria não apenas ressalta a importância das terras indígenas como bastiões vitais para a vida selvagem ameaçada, mas também destaca a necessidade de esforços contínuos para sensibilizar e envolver as comunidades locais na preservação dessas espécies críticas para o equilíbrio ecológico da Amazônia.

(*) Lucas Ferrante é biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestre e doutor em biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Dentre suas diferentes áreas de pesquisa, tem pesquisado a grilagem e invasão de terras na Amazônia, zoonoses e dinâmicas epidemiológicas.
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