‘Texto transfóbico’, diz cuidadora social sobre PL que quer vetar trans em competições esportivas em Manaus

Cuidadora social e mulher trans, Melissa Castro (Reprodução/Instagram)

29 de maio de 2023

12:05

Eduardo Figueiredo – Da Agência Amazônia

MANAUS – O vereador de Manaus Roberto Sabino (Podemos) apresentou na semana passada um Projeto de Lei (PL) para vetar a participação de pessoas transexuais em competições esportivas. O PL de número 310/2023 estabelece o sexo biológico como critério exclusivo para definição do gênero em regulamentos de competições esportivas realizadas no âmbito do município.

O artigo 2º do PL destaca que será “vedada a participação de atletas transgêneros em categorias que não correspondam à identificação de sexo atribuída em seu nascimento”. Em entrevista à REVISTA CENARIUM, a associada da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas (Assotram), Melissa Castro, 34, classifica o texto como preconceituoso e transfóbico.

“É um texto todo transfóbico, é o texto que trata mulheres trans e travestis como homens e daí ele nem cita homens trans, né? Porque pelo que eu li, ele só fala de um homem que quer ser “mulher”. A gente ver que é uma pessoa que não tem conhecimento nenhum sobre sexualidade, sobre a questão hormonal, sobre a terapia hormonal, que não tem conhecimento nenhum sobre isso.”, afirma a mulher trans que também é cuidadora social.

Melissa Castro é mulher trans, associada da Assotram e cuidadora social (Arquivo pessoal)

‘Falta de conhecimento’

Melissa ressalta que a discussão sobre o sexo biológico para definir gênero não existe há muito tempo, ela explica que o que se discute atualmente é a identidade e a construção social do indivíduo. Sobre o projeto, Melissa considera que falta conhecimento sobre sexualidade e terapia hormonal para o vereador e os apoiadores.

“Eles se fecham aos conhecimentos que são coerentes aos que eles acreditam e querem desqualificar todos os outros tipos de pensamento. Tudo que é contrário ao que eles pregam, eles querem desqualificar, desmerecer e mais uma vez atacando a gente.”, ressalta a cuidadora.

“Hoje em dia a gente sabe que gênero é uma construção social independente do que você tem no meio das suas pernas, mas eles usam argumento de que preferem o tradicionalismo para vomitar o preconceito deles em cima da gente”, explica.

Melissa Castro tem 34 anos e fala sobre a luta contra a transfobia (Arquivo pessoal)

Tratamento hormonal

Melissa lembra que mulheres trans e travestis são pessoas do gênero feminino e que as modalidades esportivas femininas não são específicas para mulheres cisgêneros. Castro explica que a terapia hormonal em mulheres trans tem impactos no organismo, incluindo a perda de massa muscular, força e outros danos.

“As nossas veias somem. Os nossos pelos diminuem. Os nossos músculos vão se acabando e isso dependendo do tempo que a gente está usando, isso vai se intensificando cada vez mais. O que a gente visa fazer no acompanhamento com o endócrino é reduzir esses danos, isso tudo para atingir um padrão feminino que a sociedade impõe em cima da gente”, relata.

No entanto, Melissa conclui que essas informações não são coerentes para quem apoia o PL, pois, segundo ela, “Eles tem uma opinião formada sem embasamento nenhum, eles querem empurrar isso goela abaixo nas pessoas e querem desmerecer e desqualificar todo outro tipo de vida que e seja diferente do que eles pregam como certo.”.

Justificativa

Na tentativa de aprovar o PL, o vereador justifica que um movimento ativista e político-partidário utiliza o esporte para levantar bandeiras ideológicas e promover discussões sobre o que ele chama de temas sensíveis. “Tal movimento defende, sem quaisquer comprovações científicas, que o indivíduo não nasce homem ou mulher, e que essa definição ocorre conforme a identificação de cada um”, diz Roberto Sabino, no documento.

“Esse fato não seria necessariamente um problema, pois vivemos em um país livre e plural, e há um espaço no esporte para manifestar pensamentos ou convicções, assim como promover conscientizações, quando pertinentes. Acontece que, em se tratando de competições esportivas, as características físicas e biológicas são determinantes.”, complementa o vereador, que assumiu o cargo neste ano, após o ex-vereador Amom Mandel ser eleito para deputado federal.

Roberto Sabino garante que o PL não tem por objetivo tirar direitos, mas sim resguardá-los, e que os argumentos são baseados somente na questão científica. “Sempre existiu a diferenciação das modalidades masculina e feminina em competições. Ao estudar mais profundamente o tema, não faltam argumentos científicos para manter o direito das mulheres em competirem entre si, de forma justa”, finaliza o vereador no projeto.

Leia o projeto na íntegra: