‘The Amazon, Undone’: finalistas do Pulitzer falam sobre desafios de fazer jornalismo na Amazônia

Terrence McCoy e Rafael Vilela afirmam que o reconhecimento fará mais sentido quando histórias como as publicadas na série especial forem mais contadas em todas as páginas, frequências e telas (Mateus Moura/Agência Amazônia)

19 de maio de 2023

13:05

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – Do desmatamento à grilagem de terras na Amazônia. De ameaças assassinatos de ambientalistas e ativistas, a exemplo do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dominic Mark Phillips, foi expondo as mazelas da maior floresta tropical do planeta que, em seis reportagens, a série documental ‘The Amazon, Undone’, assinada pelo jornalista norte-americano Terrence McCoy e diversos colaboradores, chegou à final do Prêmio Pulitzer, o maior troféu dedicado ao jornalismo no mundo inteiro. 

A ideia foi mostrar uma Amazônia literalmente “desfeita”, com imagens impactantes do fotojornalista brasileiro Rafael Vilela e textos tão sensíveis quanto corajosos de McCoy. O resultado foi a publicação de especiais de capa no jornal The Washington Post, em 2022. Em uma entrevista exclusiva à AGÊNCIA AMAZÔNIA, eles externaram a vontade de que o material alimente a chama do jornalismo investigativo e de cunho ambiental, especialmente no Brasil.

Área de floresta amazônica recentemente derrubada em uma propriedade rural particular no interior do Estado do Acre (Divulgação/The Amazon, Undone)

Amazônia ‘desfeita’

A lista de finalistas e vencedores da edição 2023 do Prêmio Pulitzer, que reconheceu, além de jornalistas, projetos e pessoas nas áreas da literatura e composição musical, foi anunciada na última semana, em 8 de maio, em uma live no YouTube‘The Amazon, Undone’ foi finalista na categoria de Reportagem Explicativa. 

Além da destruição da floresta, a série escancarou como o bioma está dominado pela violência e atuação de grupos criminosos, grileiros, garimpeiros e políticos envolvidos no “processo que está ameaçando o mundo inteiro”, como explicou à AGÊNCIA, o correspondente chefe do The Washington Post, no Rio de Janeiro, Terrence McCoy. 

“Foi uma grande honra receber esse reconhecimento e espero que isso chame mais atenção para o assunto que a gente cobriuA floresta amazônica é uma região que está cada vez mais caracterizada pela violência e também pela ausência do Estado”, afirmou. 

O correspondente chefe do The Washington Posto no Rio de Janeiro, Terrence McCoy (Reprodução/Acervo pessoal)

Ele lembra que a Amazônia “é um assunto muito difícil”, justamente pela dificuldade de se “obter a verdade”“Os defensores ambientalistas estão tentando defender um recurso natural que todo mundo precisa, mas também estão enfrentando risco de morte. Temos que lembrar nosso colega e amigo Dom Phillips, que foi morto ano passado, durante uma investigação dele na floresta amazônica”, lamentou McCoy. 

“Eu espero, também, que essa honra destaque o talento jornalístico que esse País tem. Eu colaborei com jornalistas no Brasil na área de fotografia, videografia e análise de dados, e em cada parte desse processo, eu fiquei impressionado pelo talento que esse País tem”, elogiou Terrence, empolgado. 

Jornalismo de impacto

Toda a produção de ‘The Amazon, Undone’ recebeu cerca de um ano de dedicação. No Brasil, a equipe passou por Estados como Acre, Amazonas e Pará. Foi justamente em campo que o trabalho de Terrence teve uma importante colaboração brasileira, a do reconhecido e premiado fotojornalista Rafael Vilela, cofundador da Mídia Ninja. 

Vilela começou a fotografar aos 15 anos. Mesmo com a experiência que tem hoje, aos 34, revela que o trabalho não ficou mais fácil com o passar do tempo. “É complexo, caro e demorado produzir jornalismo de qualidade e de impacto que consiga trazer novas perspectivas para algum tema ou ampliar um debate”, contou à AGÊNCIA.

“Eu participei pessoalmente mais da etapa de campo. Fui em três histórias e, em cada uma delas, tinha uma pré-produção de entender tudo aquilo. Sempre que a gente chegava, tinha um contexto muito grande dessa apuração que o Terrence estava fazendo há muito tempo, e isso ajuda muito a você entender onde está pisando”, comentou Rafael Vilela.

O fotojornalista de ‘The Amazon, Undone’ e cofundador da Mídia Ninja, Rafael Vilela (Reprodução/Acervo pessoal)

Trabalho arriscado

Vilela conta, ainda, sobre os riscos da produção de um material tão complexo e investigativo e de como o Brasil trata jornalistas – e quem mais se opõe ao que não deveria ser normalizado. Ele lembra que uma das histórias que cobriu para o especial, no Pará, foi uma das mais difíceis de sua carreira. 

“Essa foi uma das histórias mais difíceis que eu já documentei na minha vida, que era uma história em que ninguém queria aparecer na imagem porque todo mundo estava ameaçado [de morte]. E como é que você faz foto disso, né? É toda uma questão bem complexa de como ilustrar visualmente conceitos ligados ao desmatamento, à política local, ao poder. Acho que foi um grande desafio”, destacou.

Gado sobre pasto aberto em meio à floresta amazônica brasileira (Divulgação/The Amazon, Undone)

Além dos riscos da profissão, outra questão foi o custo operacional. “Apesar de ser um ano de projeto, o campo é rápido, né, porque é exatamente a parte mais cara de todas, estar no campo da Amazônia. A gasolina é muito cara, a comida é cara (…) Ao mesmo tempo que tem essa grande pesquisa, no campo você tem que extrair o máximo de informações, de contatos, de conexões, para que aquilo seja o mais útil o possível para a reportagem, no final”, detalhou o fotojornalista.

“No meu caso é mais complexo ainda, porque eu preciso da imagem. Você precisa estar no lugar, precisa ter a luz acontecendo naquele momento, você precisa ter o sentimento de quem está sendo fotografado (…) a soma de tudo isso, no jornalismo visual, deixa o tempo curto ainda mais complexo, faz com que seja um desafio ainda maior”, disse à reportagem. 

“Lógico que a gente se arrisca, sim, em um nível (…), Mas é um risco, ainda, comparativamente pequeno ao risco de quem vive essas histórias que a gente está contando (…) A gente é de fora, o Terrence é norte-americano. Eu sou de São Paulo. A gente vai, faz a matéria, a gente é branco, né, e a gente vai embora. E quem fica lá é quem realmente está lidando com risco de vida”, avaliou. 

Acesso democrático

Rafael Vilela tem o costume de dizer que jornalismo é sinônimo de democracia. Por outro lado, lamenta muito que as vozes ouvidas por ‘The Amazon, Undone’ não ecoam com tanta frequência nos noticiários nacionais. E quando ecoam, pouco chocam a sociedade.

“Acho que essa é uma questão estrutural, mesmo, da nossa sociedade, que é uma sociedade majoritariamente Cristã, então é uma sociedade que eu entendo que o colonialismo venceu em muitos aspectos”, afirmou Vilela.

“E aí, quando a gente fala em problema estrutural brasileiro, é um problema de consciência histórica. E o fato de ele ser majoritariamente cristão, nada contra uma religião ou outra, mas a versão dos invasores é a versão predominante: a gente acha que mato é sujeira, que indígena não é civilizado. Tem várias ideias comuns na sociedade, espalhadas há 523 anos, que são lugares de encontro e que muita gente acredita nisso”, complementou.

Base da Funai, no Rio Ituí, na confluência com o Rio Itacoaí, que funciona como um posto de controle para entrada na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas (Lalo de Almeida/Folhapress)

“O Vale do Javari está cheio de missionários querendo catequizar indígenas para ganhar posse do território, para ganhar acesso à riqueza mineral, para ganhar várias coisas (…) Os indígenas sabem muito bem essa história, eles sabem muito bem desses 523 anos. Quem não sabe é essa classe média, um senso comum urbano que não entende o que era o Brasil antes de ser essas megacidades, que não entende porque a gente é empobrecido. Entender o processo colonial, dessa violência colonial brasileira, é entender a nossa história e é conseguir questionar o presente”, afirmou ainda.

Verdade e diversidade na mídia

Tanto para Terrence McCoy quanto para Rafael Vilela, o reconhecimento fará mais sentido quando histórias como as publicadas na série especial forem mais contadas em todas as páginas, frequências e telas. 

“A gente precisa de mais informação, mais verdade e mais investigação sobre o que está acontecendo de verdade na floresta amazônica. Espero que essa honra destaque a importância desse assunto e, também, o talento jornalístico que facilitou essa série de reportagens que nós fizemos no ano passado”, declarou McCoy.

Uma das capas das seis reportagens especiais publicadas no jornal The Washington Post (Divulgação/The Amazon, Undone)

“Eu espero que o reconhecimento opere no sentido de abrir mais portas, seja para que histórias como essas que a gente documentou na série ‘The Amazon, Undone’ sejam contadas pelo jornalismo internacional, seja pelo jornalismo nacional, mas também no nível individual, que esse reconhecimento me facilite, também, propor e produzir histórias como essa, porque a gente sabe. E vocês, que são do território, também sabem da dificuldade e do custo que é fazer jornalismo na Amazônia”, finalizou o fotojornalista Rafael Vilela.