Tratamento complementar de matriz africana no SUS é ‘reparação’, diz candomblecista

Ilé Afro-Brasileiro Odé Lorecy, em São Paulo (André Mellagi/Flickr)

16 de agosto de 2023

20:08

Adrisa De Góes – Da Agência Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – “Reconhecimento e reparação; uma possibilidade histórica”. Assim define a candomblecista, atriz, produtora cultural e diretora da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro) no Amazonas Regina de Benguela sobre a resolução 715 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O documento propõe ao Ministério da Saúde, dentre outras medidas, o reconhecimento de manifestações culturais de matriz africana como práticas complementares ao atendimento convencional do Sistema Único de Saúde (SUS).

A resolução, aprovada pelo CNS em 20 de julho, possui 59 propostas voltadas à saúde pública no País, das quais uma delas, a de número 46, entende que terreiros, barracões e templos religiosos afros podem ser considerados lugares “promotores de saúde e cura”. A recomendação não tem o objetivo de substituir o tratamento convencional e, além disso, a responsabilidade pela decisão sobre o tema permanece sob a jurisdição do ministério.

Trecho da resolução do CNS que trata do reconhecimento de manifestações da cultura popular dos povos de matriz africana como cura complementar do SUS (Reprodução/CNS)

Para Regina de Benguela, a iniciativa proposta é inclusiva no âmbito da terapia espiritual e torna-se uma alternativa de métodos e conhecimentos tradicionais ancestrais, no caso do candomblé, repassados pelos orixás. Na religião, são utilizados elementos da natureza como ervas, banhos de folhas, chás, rezas, passes, além do conhecimento das benzedeiras. Na visão da candomblecista, a prática pode promover a integeracionalidade, ou seja, a relação entre distintas gerações.

“Os ilês, que são Casas de Santo, terreiros e batuques, são espaços que chamamos de Territórios Negros, locais onde as pessoas procuram alento para a alma. As yalorixás e babalorixás [sacerdotisa e sacerdote do terreiro] estão ali para oferecerem ajuda, palavra amiga, um ombro de escuta para amenizar dores, do adoecimento físico e mental. O lugar de reconhecimento seria de reparação, vejo como uma decisão histórica diante do racismo, preconceito e sobretudo da intolerância religiosa”, ressalta Regina de Benguela.

A candomblecista Regina de Benguela (Reprodução/Facebook)

A candomblecista continua: “Acredito que, em sua grande maioria, os candomblecistas ainda desconhecem essa resolução e aqueles que tem conhecimento recebem com desconfiança. Há também os que julgam que esse movimento não vai ganhar e, sim, ser apenas uma pauta e que, provavelmente, não chega a ser homologada. O SUS reconhece 29 procedimentos como tratamento complementar. Será que nossos tratamentos serão bem aceitos tanto pela população quanto pela comunidade científica?”, questiona.

Tratamento não convencional

Segundo o Ministério da Saúde, as Práticas Integrativas e Complementares (PICs) são “tratamentos que utilizam recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais, voltados para prevenir diversas doenças como depressão e hipertensão“. A política de oferecer tratamentos não convencionais existe desde 2006, no primeiro mandato do Governo Lula e foi institucionalizada por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PNPIC).

São PICs: Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura, Medicina Antroposófica, Homeopatia, Plantas Medicinais e Fitoterapia, Termalismo Social/Crenoterapia, Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária Integrativa, Yoga, Apiterapia, Aromaterapia, Bioenergética, Constelação familiar, Cromoterapia, Geoterapia, Hipnoterapia, Imposição de mãos, Ozonioterapia e Terapia de Florais.

Grupo de mulheres em tratamento complementar de meditação (Divulgação/Assessoria)

Essas práticas podem estar presentes em todos os pontos da Rede de Atenção à Saúde, prioritariamente na Atenção Primária com grande potencial de atuação. Uma das abordagens desse campo é a visão ampliada do processo saúde/doença e da promoção global do cuidado humano, especialmente do autocuidado. As indicações são embasados no paciente como um todo e o considera em vários aspectos como físico, psíquico, emocional e social.