‘Um Bar Chamado Patrícia’: livro traz relatos do início do movimento gay em Manaus

Nos idos de 1970, o "Bar Patrícia" passou a ser o ponto de encontro de artistas do movimento gay de Manaus e uma espécie de manifesto de um povo que não queria se esconder (Reprodução/Arquivo Pessoal)

09 de dezembro de 2022

21:12

Mencius Melo – Da Agência Amazônia

MANAUS – O inquieto artista Bosco Fonseca, figura icônica do movimento gay de Manaus, irá lançar no próximo dia 16 de dezembro, a partir das 18h30, no Salão Nobre do Palácio Rio Negro, localizado na Avenida 7 de Setembro, N° 1.546, no Centro de Manaus, o livro “Um Bar Chamado Patrícia – Relatos do Início do Movimento Gay em Manaus” (Editora Reggo, 104 páginas). O coquetel será para convidados.

De acordo com o autor da obra, o livro é uma volta ao passado da Manaus dos anos 1970, período em que o Brasil estava mergulhado na ditadura militar. “Era plena ditadura e tudo era proibido, e nesse ambiente a gente descobriu um local que ficava na Avenida Constantino Nery, em frente à antiga Escola Londrina. Era o bar do Alôncio Poeta Batista, que se chamava ‘Bar Patrícia‘”, relembrou Bosco Fonseca.

Popular e talentoso, Bosco Fonseca, o ‘arroz’, era e é uma das figuras mais destacadas do movimento gay de Manaus
(Reprodução/Acervo Pessoal)

Segundo o escritor, o proprietário era um “gay discreto” e, ao contrário do que se pode imaginar, “Patrícia” não era um alter ego de Alôncio. “O nome do bar era uma homenagem à sobrinha dele e isso era os idos de 1970“, contou Bosco. Ele recorda que o ambiente político não era favorável, mas, eles queriam liberdade. “Nós descobrimos, no Patrícia, uma liberdade para voar. Queríamos abrir as portas e mostrar os nossos talentos”, recordou Fonseca.

Andrógenos

Uma das curiosidades era o termo empregado para as promoções do movimento. “O termo ‘gay’ não existia, usávamos o ‘baile dos andrógenos’ para amenizar na propaganda. Lembro que a alta sociedade participava, porque tínhamos na linha de frente Roberto Carreira, que era um cara famoso, de família tradicional e, nesse tempo, família tradicional tinha peso“, destacou Bosco Fonseca.

Conforme Fonseca, ao contrário do que podem imaginar, “Um Bar Chamado Patrícia…” não traz revelações com gosto duvidoso ou constrangedor. Bosco Fonseca se limitou a lembrar o passado e a geração gay dos anos 1970. “No livro, trago relatos, histórias engraçadas de um período de repressão e de busca de liberdade. Não entra em méritos da sexualidade e nem da intimidade de ninguém” adianta o autor.

Preconceito e Aids

Mesmo com o tom alegre de um povo acostumado a ter, na alegria e irreverência, suas principais armas de combate, Bosco revela que todos sentiam e sabiam dos limites daquela época. “Nós não sentíamos a condenação nos eventos, mas, fora daquele ambiente de festa, era claro que éramos proibidos de entrar em certos lugares, inclusive, no seio familiar”, confessou.

O escritor Bosco Fonseca ladeado por Brenda Lamask (à direita) e Bruna La Close (à esquerda). Gerações que se encontram na mesma afirmação e identidade (Reprodução/Acervo Pessoal)

Duro golpe no movimento gay mundial, a chegada da Aids, no início dos anos 1980, não encontrou eco no povo do “Bar Patrícia”. “A Aids não chegou até nós. Quando ela apareceu, acredito, entre 1982 ou 1983, o Bar Patrícia já havia fechado as portas no ano de 1979”, observou o autor. Ele comentou a longevidade da sua geração. “Mesmo com baques, fomos envelhecendo. Imaginem que só o baile ‘Rainha Gay’ tem 50 anos”, contextualizou.

Ao revistar suas memórias, em “Um Bar Chamado Patrícia – Relatos do Início do Movimento Gay em Manaus”, Bosco Fonseca se encontra com seu passado, presente e sua história. Provocado se faria tudo outra vez, o “arroz”, como era conhecido naquele tempo, respondeu: “Eu faria tudo de novo! Sem dúvida nenhuma! Nesse livro, vou dar ao povo o que vivenciei, o que vi e vivi”, finalizou o artista e, agora, escritor Bosco Fonseca.